Folha de S. Paulo
Capacidade técnica não assegura que o Brasil
se torne reconhecido por enfrentar as mudanças do clima
As queimadas que
devastaram matas em numerosas partes do território e cobriram de irrespirável
fuligem muitas de nossas cidades configuram mais do que uma catástrofe
ambiental —como se isso fosse pouco. Atingiram em cheio um governo que não
esperava tamanho desastre, que o obrigou a reconhecer que lhe faltou preparo
para enfrentá-lo.
A constatação não pode, porém, diminuir o que esse mesmo governo chamuscado pelo fogo vem fazendo a fim de prover o país de instrumentos necessários para ajudar a reduzir o ritmo de crescimento da temperatura do planeta e lidar com os efeitos das mudanças climáticas em marcha batida para o pesadelo.
Há um esforço ambicioso de resposta àquele
desafio, nos dois trilhos sobre os quais hoje se deslocam as políticas
ambientais no mundo: o da mitigação da crise, pela redução das emissões de
gases de efeito estufa, e a adaptação às mudanças impossíveis de evitar. A ação
presente não é visível como o fogo e a fumaça, e seus frutos podem tardar a
aparecer.
A iniciativa ganha corpo na fixação de metas
e prioridades; na definição de marcos legais e dos meios capazes de gerar
mudanças em diferentes áreas da atividade econômica (geração de energia,
indústria, agricultura e pecuária); da infraestrutura e mobilidade urbanas; da
preservação da biodiversidade. Além, bem entendido, da questão central do
financiamento da transição para novas formas sustentáveis de produzir e viver.
Dois fatores são responsáveis por esse
processo promissor. O primeiro é a existência de capacidades estatais, que o
governo Bolsonaro quis, mas não pôde, destruir, agora mobilizadas por quadros
técnicos competentes, ocupando secretarias de diferentes ministérios. São
pessoas capazes de traduzir o compromisso mais amplo com o futuro do planeta na
linguagem específica de seus setores, aí discernindo as possibilidades de ação,
os conflitos de interesses e os obstáculos a vencer. Da mesma forma, entendem
as limitações do setor público, bem como o papel do setor privado e da
cooperação internacional.
O segundo fator consiste no envolvimento de
diferentes ministérios com os temas ambientais, tornando-os —aos poucos e com
as dificuldades conhecidas— transversais. A visão panorâmica das iniciativas em
andamento, dos planos em maturação, dos dilemas a encarar e das oportunidades
proveitosas, bem como da qualidade técnica existente no plano federal, pode ser
apreciada no seminário "A Trilha Dubai-Baku-Belém: os desafios das
negociações internacionais sobre mudança do clima", promovido na semana
passada pelo Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior) e
acessível no YouTube.
A existência de capacidades estatais e
liderança técnica, por si só, não assegura que o Brasil se torne um país
reconhecido por suas políticas para lidar com as mudanças do clima. Há
conflitos de visão e de interesses, no governo e na sociedade. A fronda
antiambientalista é poderosa: vai muito além dos que se beneficiam da predação
criminosa do ambiente.
Políticas bem-sucedidas requerem, mais que
competência técnica, liderança política ciente de sua necessidade e capaz de
negociar, compor e convencer.
Há sempre os que são contra.
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