O Globo
Várias empresas já procuraram ministros
alegando haver ordens que aparentemente não se justificam e que não recebem as
explicações legais para o desligamento compulsório das contas.
Sem entrar diretamente na questão envolvendo
a rede social X, do multibilionário Elon Musk, e o relator dos relatores do
Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, há uma preocupação real
dos ministros com o potencial de influência que as redes, não apenas o antigo
Twitter, têm sobre os cidadãos, sem que haja regulamentação que limite suas
atividades.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), lançou ontem seu livro “Direitos de/para todos” na Academia Brasileira de Letras (ABL). O livro é uma visão humanista, quase poética, sem juridiquês, da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Como Austregésilo de Athayde, presidente da ABL durante 34 anos, foi o brasileiro que participou da redação do documento, o lançamento não poderia ter sido em local mais apropriado. Inevitavelmente, a ministra, uma defensora da liberdade de expressão, falou sobre a questão atual, mostrando que estudos de neurociência revelam que há quatro “vês” que marcam a atuação das redes sociais: velocidade, verossimilhança, volume e viralização.
Começando pelo fim, uma notícia viralizar na
internet revela que se espraiou sem controle entre os usuários. Às vezes é bom,
como uma música de sucesso ou um comentário sobre um livro, caso recente da
escritora americana que se deslumbrou ao descobrir o romance de Machado de
Assis e colocou “Memórias póstumas de Brás Cubas” na lista de best-sellers nos
Estados Unidos. Mas, chama a atenção Cármen Lúcia, viralizar geralmente espalha
fake news, que ela chama simplesmente de notícias “mentirosas”.
Essa viralização mostra que as notícias
mentirosas se espalham como vírus, que precisa de vacina para ser controlado. A
vacina são a imprensa profissional, que esclarece com o noticiário ou
simplesmente demonstra, com checagem, que a notícia é falsa, e a
regulamentação. A viralização é ajudada em muitos casos, cada vez mais, pelo
uso da inteligência artificial, pela verossimilhança, que permite alguém
aparecer na tela fazendo ou falando coisas que nunca fez ou falou. A velocidade
da informação e seu volume imensurável têm impactos no cérebro dos usuários. Se
não há ainda provas de que provocam doenças, já é possível dizer que interferem
na capacidade de decisão. O filósofo francês Jean Baudrillard dizia que “a
desinformação vem da profusão da informação, de seu encantamento, de sua
repetição em círculos”.
A relação institucional com o bilionário Elon
Musk azedou quando ele passou a debochar das decisões do ministro Moraes, que
naquele momento representava o Supremo. A incerteza sobre o apoio unânime que
teria no plenário fez com que ele levasse a questão para a Primeira Turma,
evitando a análise mais aprofundada de todos os ministros.
Mesmo assim, ministros como Luiz Fux e Cármen
Lúcia puseram ressalvas em seus votos. A discordância principal foi quanto ao
uso de VPN ou outras tecnologias, pois entenderam que não era sensato proibir o
uso a todos os brasileiros. Outros ministros, da Segunda Turma, se incomodam
com o fato de as decisões de Moraes serem sigilosas mesmo para eles, o que os
impede de entender os critérios adotados. Várias empresas já procuraram
ministros alegando haver ordens que aparentemente não se justificam e que não
recebem as explicações legais para o desligamento compulsório das contas.
Quanto à Starlink, empresa de satélites de
Musk que atua no país, há dúvidas sobre se o entendimento de que faz parte, com
o X, de uma “empresa econômica de fato” não seria um exagero. A escalada de
Musk no X, com atuação claramente voltada para apoiar Donald Trump nos Estados
Unidos e o bolsonarismo no Brasil, deixa a cada dia mais explícito o caráter
político de sua ação. Isso faz com que se desconfie da oferta da Starlink de
seu serviço de transmissão de dados gratuitamente aos Tribunais Eleitorais (TREs)
do país durante as próximas eleições.
Vai Xandão!
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