O Globo
A cada declaração de diretores do Banco
Central, o mercado tenta comprovar sua tese de divisão no colegiado. Com isso,
juros e dólar futuro oscilam
Há um fato afetando preços no mercado financeiro, principalmente nos juros futuros, que é artificial, gerado por interpretações. Não há conflito nem duplo comando no Banco Central. O presidente atual, Roberto Campos Neto, é quem comandará as próximas três reuniões e, apesar de muitos analistas terem visto uma posição branda de Campos Neto e outra mais dura de Gabriel Galípolo, eles têm dito a mesma coisa. Não haverá pré-indicação do que acontecerá em setembro, nem nas reuniões seguintes. Portanto, sem forward guidance.
Desde a entrevista
que Roberto Campos Neto me concedeu aqui no GLOBO, e depois com as
seguidas declarações de Gabriel Galípolo de que os juros poderão subir, se
necessário, formou-se uma corrente majoritária entre os analistas de que há um
racha no BC. Mas uma análise mais objetiva das falas de cada um, e dos
diretores que eventualmente têm se pronunciado em público, como Diogo Guillen
na PUC-Rio na última quinta-feira, é a de que o cenário externo teve uma
melhora, mas no Brasil a inflação está
mais resistente e as projeções têm subido. E, por isso, o Banco Central quer se
deixar livre para tomar decisões nas reuniões. E, se for necessário, os juros
podem subir. Isso até o
presidente Lula já disse com todas as letras.
Há ruídos no mercado e a pressão para que os
integrantes da diretoria voltem a falar, para confirmar a impressão de que há
um conflito, com o atual presidente na posição “dovish”, ou seja, favorável à
manutenção de juros, e o futuro presidente na posição “hawkish”, pela subida.
Uma estranha coreografia em que eles teriam alternado a posição. O que ocorre é
que ambos dão ênfase a uma parte da conjuntura. Galípolo focou na economia
doméstica, mais aquecida e com sinais preocupantes na inflação — o acumulado em
12 meses está perto do teto da meta mesmo com a deflação de agosto. Já Campos
Neto na situação internacional em que aumentaram os sinais de um pouso suave.
O dólar tem respondido a uma situação
internacional, mas é fato que a moeda que mais tem oscilado é a brasileira. Em
parte por estarmos em terreno desconhecido: esta é a primeira transição do
Banco Central autônomo. O debate em torno do BC foi muito politizado e esse é
um tempo de polarização em que tudo cai numa briga de torcidas. Só que a
política monetária precisa se blindar contra isso. Sua função é ser o mais
objetiva possível para evitar que se confirmem previsões de alta de inflação.
Há outro complicador na conjuntura que é a
política fiscal. Os esforços do ministro Fernando
Haddad e da ministra Simone Tebet para
fechar um orçamento com equilíbrio são grandes, mas alguns fatos alimentam a
avaliação de perigo nas contas públicas. O salto que houve no vale-gás anula
parte do esforço feito pelo pente-fino em despesas previdenciárias e
assistenciais, com a complicação de que veio com um drible fiscal. O dinheiro
da venda de óleo de gás que cabe à União irá direto para a Caixa, sem passar
pelo Tesouro. Isso pode acabar no TCU.
O orçamento foi para o Congresso com uma
grande aposta em arrecadação incerta. Está difícil eliminar isenções e
benefícios fiscais para as empresas. O presidente da Câmara dos Deputados
avisou ao mercado financeiro que será difícil passar qualquer aumento de Juros
sobre Capital Próprio (JCP) ou da Contribuição Social sobre Lucro Líquido
(CSLL). A demagogia feita na Câmara dos Deputados na Reforma tributária ficou
cara demais e o Senado tentará reverter isso em parte, mas terá dificuldades.
Juntando todas as peças, o quadro fiscal ficou mais complexo nos últimos meses.
Nesse ambiente entramos em setembro. Galípolo
conversando com senadores sobre sua indicação. Mas é do Senado o poder de
decidir se a sabatina será antes ou depois da próxima reunião do Copom, marcada
para os dias 17 e 18. O mercado financeiro tenta destrinchar cada palavra que
venha do BC para comprovar as teses de divisão, duplo comando ou comunicação
contraditória. E nisso, dólar e juros futuros oscilam.
A frase de Galípolo tão explorada em vários
veículos não especializados — “acho que estou me expressando mal ou sendo mal
interpretado” — foi entendida como um recuo. Frases assim são ruins porque tudo
o que precisa ser explicado alimenta o ruído. Só que a interpretação de que ele
estava recuando não faz sentido. Enfim, erra na análise quem aposta na
existência de uma divisão dentro do Banco Central neste momento, por tudo o que
eu pude apurar.
Que bom!
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