O Globo
A triste realidade que estamos vivendo virou meme de gozação. É sinal de que a nossa democracia está muito malcuidada, mal protegida
O mundo virtual invadiu o mundo real e
transformou em memes cenas como as do debate de domingo à noite na TV Cultura,
em que a força física e o assédio moral tentaram superar os argumentos que
faltaram, ou os projetos que não existiam. A cadeirada que o apresentador de
programas policiais José Luiz Datena deu no influencer acusado de picareta
Pablo Marçal nos transportou para a realidade pateticamente risível da política
brasileira, enquanto eles tentavam levar os eleitores para a realidade virtual
que manipulam.
O programa que Datena comandava fez com que ele mesmo acreditasse que era um super-homem combatendo o crime organizado. Por trás das câmeras, fingia que atacava os bandidos, defendia a população e sonhava com a política como concretização de suas fantasias sobre si mesmo. Alguma coisa o avisava de que a realidade era diferente, e ele refugou várias vezes, até que teve de deparar no espelho com o reflexo de si mesmo, não como pedra de atiradeira.
Seus seguidores acabaram vendo a imagem não
filtrada do herói virtual e gostaram mais do que viam pela televisão. Datena
chorou em público, arrependeu-se de ter entrado na arena e de ter caído na boca
dos leões. Pablo Marçal, acostumado a escandalizar o público das redes sociais,
levou seu estilo grosseiro, escandaloso, para a campanha eleitoral da
Prefeitura de São Paulo, e o excesso de histrionismo acabou esvaziando sua
atuação, mostrando o que ele realmente é, um simulacro de salvador de mentes e
almas, sendo que as suas continuam presas num mundo ficcional que o enriquece à
custa dos pobres de espírito, presas fáceis de manipuladores digitais ou
pseudorreligiosos.
Disputam a Prefeitura de São Paulo por
interesses ególatras, inevitável que se chocassem nesse caminho tortuoso que
escolheram. O estopim para a cena de violência inaceitável define bem a
situação: Marçal se utilizou de uma gíria de cadeia chamando Datena de “Jack”,
que identifica estupradores. O apresentador de televisão, conhecedor do
submundo do crime, entendeu a agressão e partiu para cima. Se Marçal
frequentasse o lado luminoso da força, como engana seus milhões de seguidores,
não saberia o significado da gíria. Assim como Datena.
Víamos cenas patéticas como a cadeirada em
países de pouca representação democrática, ou em situações exóticas, como os
políticos que com bastante assiduidade trocam socos e pontapés em países
asiáticos. Mas a Prefeitura de São Paulo, a maior cidade da América Latina,
sendo disputada por dois sujeitos que se agridem ao vivo na televisão parece
programa humorístico, mas é mais grave, porque a triste realidade que estamos
vivendo virou meme de gozação. É sinal de que a nossa democracia está muito
malcuidada, mal protegida.
Dois candidatos saírem aos socos e cadeiradas
significa que os argumentos não valem mais nada, e que o nível da campanha está
baixíssimo. Desde o início, víamos que Pablo Marçal buscava algo assim para se
vitimizar. Não creio que tenha algum ganho, embora esteja pateticamente
explorando a situação, comparando a briga com Datena com os atentados a
Bolsonaro e a Trump, que são completamente diferentes.
A definição da eleição em São Paulo, creio
que ficou entre o prefeito Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, que baixam o
nível, mas não a ponto de saírem em disputa física. Vejam a que ponto chegamos.
Consideramos que o prefeito perguntar a seu adversário se ele “cheira” é uma
atitude menos grave que o arranca-rabo entre os outros dois candidatos. E
Boulos usar supostas fichas criminais contra Nunes uma ação aceitável. É
lamentável que a cidade de São Paulo seja disputada por gente desse nível.
Um show de horrores,ontem teve mais baixarias.
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