O Globo
Como é possível as mudanças climáticas, que
afetam a todos, sem distinção de classe social, mas atingem mais os mais
carentes, não serem o ponto principal das campanhas pelo país?
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)
Cármen Lúcia notabilizou-se pela capacidade de transmitir suas ideias jurídicas
por meio de frases que se tornam populares, ajudando a média da população a
entender seus recados. Foi assim com o refrão do ditado infantil “cala boca já
morreu”, quando defendeu a publicação de biografias não autorizadas. E agora,
ao chamar a atenção dos candidatos às eleições municipais no papel de
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mandando-os tomar “tenência” e
darem-se “ao respeito”.
O chamado da ministra foi consequência das cenas de cadeiradas e pugilato entre candidatos e seus assessores na disputa em São Paulo, mas não apenas. Há cenas de violência física e verbal em vários cantos do país. Diversos candidatos foram assassinados, as campanhas eleitorais, de maneira geral, são dominadas mais por excessos que por propostas. Parece até que há intenção de confundir o eleitor, levá-lo à exaustão, para esconder a falha quase generalizada de propostas e projetos visando ao futuro das cidades.
A influência da internet parece galgar
patamares jamais vistos, pois, a partir da divulgação constante de notícias e
comentários, de preferência falsos, tomou conta do tempo do eleitor e dirigiu-o
à luta livre, em que as ideias não têm valor. O filósofo francês Jean
Baudrillard definiu a desinformação a que a internet nos leva como consequência
da “profusão da informação, de sua repetição em círculos”.
A mudança de patamar deu-se nesta eleição,
tendo como epicentro a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Trava-se lá uma
disputa de poder entre tipos de política, sem que haja predominância da fala
equilibrada e da proposição de soluções aos problemas dos cidadãos, que
deveriam ser o objetivo final do voto. Há uma ação que parece orquestrada de
grupos afins, trabalhando cotidianamente para desmoralizar a política por meio
de ataques pessoais, físicos, que levam a conclusões equivocadas.
Pelas pesquisas de opinião, ao mesmo tempo
que a maioria condena a violência, também acha que Pablo Marçal venceu os
debates em que cadeiras voaram ou socos foram desferidos. Há quem veja nessa
tática de fabricação de escândalos sucessivos uma maquinação para distrair os
eleitores dos problemas reais, pois os candidatos não têm propostas factíveis
para resolvê-los, nem querem ter.
O que ainda em grande parte é resolvido pela
mentira pura e simples, com promessas inalcançáveis, também empurra o cidadão
comum para a solução da força, como se ela, em si, fosse a resposta aos
problemas. A desmoralização da política como instrumento de superação deles
serve àqueles que querem se aproveitar desse vácuo de poder para assumi-lo na
base do grito e do tapa.
Como essa maneira de fazer política não se
limita a São Paulo, se transforma em reflexo da decadência da sociedade e
precisa ser derrotada nas urnas para que se restabeleçam as verdadeiras
prioridades. Como é possível as mudanças climáticas, que afetam a todos, sem
distinção de classe social, mas atingem mais os mais carentes, não serem o
ponto principal das campanhas pelo país?
Repete-se um fenômeno que já vivemos: um
candidato a presidente da República da qualidade do ex-ministro Cristovam
Buarque escolheu a educação, um dos principais problemas brasileiros, se não o
principal, para ser a base de seu programa de governo e foi um fracasso
eleitoral. A educação, sem a qual nenhum país se desenvolve ou nenhum cidadão
progride, não chamou a atenção dos eleitores.
Passa-se, então, a dar mais atenção ao
marketing da campanha que a seu conteúdo, ao simulacro de salvador da pátria
que à real condição de realizar o que promete, quando promete alguma coisa.
Senhores, tomem tenência, como diria a ministra.
Tenência é bom e eu gosto,rs.
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