O Globo
A mudança climática deveria ser tema central
da campanha eleitoral. Candidato que ignora o risco ameaça a vida do cidadão
O delegado Alexandre
Ramagem, perguntado pela Veja sobre a preparação do Rio de Janeiro
para o risco climático, disse que há “muito desentendimento mundial de
narrativas sobre as mudanças climáticas”. Não há desentendimento, nem
narrativas. Esse tempo passou. Há muitos anos, existe um consenso entre
cientistas sobre a mudança climática, com o recuo dos poucos que ainda negavam.
O que a resposta de Ramagem mostrou é como esse grupo político está
despreparado para enfrentar a tarefa de governar as cidades brasileiras, país
que tem mais de dois mil municípios considerados vulneráveis.
A realidade é de derreter o mais empedernido ceticismo em relação à ciência, mas os negacionistas ainda tentam construir respostas usando palavras como “desentendimento” e “narrativas”. O delegado Ramagem é apenas a face mais visível do fiasco de Jair Bolsonaro em seu reduto. O que é realmente importante é o drama que o país está vivendo.
Não há controvérsia de que a mudança do clima
é um risco existencial para os seres humanos e que ele está diante de nós
brasileiros no ano mais devastador que vivemos. Em maio, o Rio Grande do Sul
naufragou numa inundação catastrófica, agora a seca devasta quase todo o país,
a fumaça de incêndios criminosos invade os pulmões dos brasileiros contratando
doenças presentes e futuras, a Amazônia enfrenta a segunda estiagem severa
consecutiva. E nada disso está refletido nos debates eleitorais.
O Brasil realiza uma eleição em 5.569
municípios e esse assunto passa de raspão nos debates entre candidatos, nos
programas, e nas discussões. Deveria ter a centralidade que tem o problema hoje
no país. O Brasil está sufocando, mas o que atraiu até agora mais atenção foram
as performances canhestras de um farsante, com suas mentiras patéticas e seus
truques surrados.
O Congresso esta semana parecia habitar outro
planeta. Ele agregou à sua agenda antiambiental um comportamento totalmente
alienado. Mergulhou em si mesmo e lá ficou impermeável à realidade. Voltará ao
tema do meio ambiente toda vez que houver oportunidade de atrapalhar e agravar
a situação.
O governo enviará as propostas de um
arcabouço para enfrentar a médio e longo prazo esse problema, com a criação da
Autoridade Climática, o Comitê Científico, o plano de enfrentamento dos efeitos
da mudança climática e o estatuto jurídico da emergência climática. Com leis e
órgãos, o Executivo quer organizar a forma de atuar diante dos desastres que
virão. Certamente o Congresso criará dificuldades, e uma já está desenhada, a
de tentar levar para a Casa Civil a Autoridade Climática, caso a aprove. O problema
é que foi exatamente na Casa Civil que essas propostas do Executivo ficaram
estacionadas por tempo demais.
A mudança climática é um fenômeno global, ela
atinge todos os países, mas acontece nos municípios. É em São Paulo que há uma
semana não se respira, foram as cidades gaúchas que tiveram que buscar forças
para emergir das enchentes, são as cidades da Amazônia que furam poços atrás de
água. Por isso é tão impressionante que este não seja o tema central dessa
campanha eleitoral. Candidato que ignora o risco ameaça a vida do cidadão.
Em debate na semana passada na Livraria
Travessa, no Rio, o jornalista Claudio Ângelo e o engenheiro florestal Tasso
Azevedo falaram da pesquisa que fizeram durante três anos para escrever o
excelente “O silêncio da Motosserra: Quando o Brasil decidiu salvar a
Amazônia”. O livro fala com profundidade da relação do Brasil com a maior
floresta tropical do mundo, com seus erros e acertos, e foca nos anos em que
foi possível reduzir em mais de 80% o desmatamento na Amazônia. Com essa
experiência vitoriosa, de 2005 a 2012, como pano de fundo, os autores disseram
que o desmatamento zero está ao nosso alcance, mas não é mais suficiente.
O que era a resposta desejável até há pouco
tempo ficou insuficiente pelo aumento do patamar do desafio climático. O
cientista Carlos Nobre, em entrevistas durante a semana, alertou que o mundo
chegou à elevação de um grau e meio na temperatura, sete anos antes do previsto
pela ciência. E ele, um dos maiores climatologistas do mundo, se diz perplexo
com o ritmo da aceleração do aquecimento global.
As eleições municipais de 2024 estão sendo
uma oportunidade perdida. Agora era a hora exata de os candidatos mostrarem aos
eleitores suas propostas para enfrentar o risco que nos assombra.
Perfeito.
ResponderExcluirMas tenho certa reticência em relação a, pelo menos, um ponto: imaginando se ( ok, não existem " ses " ) a ocorrência ( criminosa ) das queimadas fosse iniciada a daqui, digamos, um mês, a pauta climática seria o assunto desta coluna? Enfim.
A colunista acerta sempre.
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