O Globo
O BC e o Fed não indicaram quais serão seus
próximos passos, mas o caminho está óbvio: aqui inicia-se um ciclo de alta de
juros e, lá, de queda
Os bancos centrais fizeram o que os mercados esperavam que eles fizessem. O Fed derrubou a taxa de juros em meio ponto percentual, na primeira queda em quatro anos, e o Copom subiu os juros em 0,25 ponto percentual, na primeira alta em dois anos. Brasil e Estados Unidos agora seguirão caminhos opostos, com a política monetária sendo relaxada lá e ficando mais restritiva aqui. Nenhum dos dois órgãos indicou o que fará nas próximas reuniões, mas está claro que o Fed inicia o ciclo de queda, o Copom, um ciclo de alta. A crítica política ronda os dois órgãos, mas aqui, é bom notar, a alta foi por unanimidade, até os indicados pelo presidente Lula concordaram com a elevação dos juros.
O BC brasileiro subiu os juros porque a inflação ficou
perto do teto da meta e as expectativas são de taxa entre 4,4% e 4%, este ano,
e no próximo. Pela projeção do Banco Central, só no primeiro trimestre de 2026
a inflação estará em 3,5%, sendo que a meta é 3%. Apesar de a política
monetária não ter efeito nos preços no curto prazo e parte das pressões ser
ocasional, o BC tem que evitar que se mantenha um índice tão perto do teto.
Na área fiscal, depois de dez anos de
déficit, é possível que este ano o resultado fique perto da meta de déficit
zero, mesmo assim aumentam as pressões por mais gastos e cresce a despesa
obrigatória. A boa notícia é que não há previsões de descontrole inflacionário,
mas, com o crescimento do país acima do esperado, boa oferta de emprego e
projeções de inflação em alta, o Banco Central considerou melhor elevar os
juros. Ou, como disse o comunicado do Copom: “O cenário, marcado por
resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto
positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas
demandam uma política monetária mais contracionista.”
Em julho, dois dias depois da última reunião
do Fed que manteve os juros, houve um número desastroso de emprego. À época, o
presidente Jerome Powell havia dito que a redução da taxa de referência poderia
estar sobre a mesa na reunião seguinte, ou seja, na de ontem. Com o número ruim
de criação de vagas, bem abaixo do esperado, ficou claro que o corte seria mais
forte e ele veio. Houve um voto por uma redução menor, de 0,25 ponto
percentual, de Michelle Bowman. Ela disse haver ainda riscos inflacionários remanescentes
na economia americana. Mas, na verdade, há mais indicações de um pouso suave,
de convergência da inflação para a meta de 2%, e a queda de juros tenta evitar
um desnecessário aumento do desemprego.
Do ponto de vista político, a queda dos juros
e o pouso suave são o melhor cenário para o partido Democrata e, por isso, a
candidata Kamala Harris disse que a notícia é bem-vinda, esclarecendo que ainda
não está preparada para declarar “missão cumprida” no combate à inflação. O
ambiente temido é o aparecimento de números ruins do PIB perto
da eleição que ocorrerá daqui a 47 dias. O ex-presidente Donald Trump disse que
qualquer corte de juros antes de novembro seria uma decisão política. O Fed
ignorou e Powell rebateu ontem. “Nós consideramos que esta era a coisa certa
para a economia e o povo ao qual nós servimos.”
Aqui também a crítica política cercou o Banco
Central. O presidente Lula fez inúmeros ataques ao presidente do Banco Central,
sugerindo que, num outro momento, quando Roberto
Campos Neto não estivesse mais no cargo, o BC serviria mais ao
Brasil. Isso acabou sendo uma armadilha para o próprio governo porque o
entendimento dos economistas foi que a próxima gestão seria leniente com a
inflação. Esse é o tipo de convicção que transforma profecia em realidade. Os
preços sobem na aposta de que não haverá uma política monetária vigilante. Esse
ruído explica em parte a alta de ontem, na primeira reunião após Gabriel
Galípolo ser indicado para assumir a presidência do BC, em janeiro.
Os dois bancos centrais garantem que tomam
decisões técnicas, mas lá e aqui a política monetária ficou no meio da briga
política. Contudo, quando o Banco Central faz bem seu trabalho e mantém a
inflação baixa, sempre favorece quem está no poder, porque o descontrole
inflacionário é o pior inimigo de qualquer governante.
Sim.
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