quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ao enfrentar incêndios, governo Lula avança pouco sobre anterior

O Globo

PT e Rede, hoje no poder, entraram na gestão Bolsonaro com ação que levou Supremo a agir como Executivo

Os incêndios que se alastram pelas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, lançando fumaça sobre 60% do território nacional, despertaram uma reação insólita nas instituições. O Supremo Tribunal Federal (STF) passou por cima do Executivo e, por decisão do ministro Flávio Dino, ordenou o deslocamento de forças policiais e bombeiros militares dos estados não atingidos às regiões afetadas. Por mais meritória que seja a medida — não há dúvida de que o combate ao fogo é urgente —, no ordenamento da democracia brasileira ela não cabe a um juiz do Supremo.

A decisão se torna ainda mais inusitada quando se descobre que foi tomada no contexto de três ações impetradas no Supremo contra o Executivo, ainda na gestão Jair Bolsonaro, cujos autores são o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a Rede Sustentabilidade, da ministra Marina Silva. Ora, tanto Lula quanto Marina, que tanto criticaram a política ambiental do governo anterior, hoje detêm poderes constitucionais para pôr em marcha toda sorte de medida no combate ao fogo. Por que, afinal, seus partidos precisam da ajuda do STF?

Uma explicação plausível é que, diante do gigantesco desastre ambiental, o atual governo trouxe avanços tímidos em relação à gestão anterior. Inicialmente relatadas pelo ministro André Mendonça, as ações resultaram, em março, na determinação do STF para que o Executivo apresentasse um plano de prevenção e combate a incêndios, com sistema de monitoramento, metas e estatísticas. A encomenda do plano teve apoio unânime na Corte. Com as ações sob a relatoria de Dino, o Supremo assumiu funções executivas e ordenou a mobilização de forças para debelar os focos de incêndio. A medida foi agora ampliada, e Dino também ordenou um mutirão das polícias Federal e Civil, da Força Nacional e do Ministério Público para investigar as causas de incêndio por ação humana em 20 municípios do Norte e Centro-Oeste.

Nada há, em princípio, de errado nas medidas em si. Ao contrário, elas são aparentemente necessárias diante do que se tem visto no país. Mas evidentemente não deveriam caber a um ministro do Supremo. Repete-se um preocupante avanço do Judiciário sobre espaços abertos pela inércia de outros Poderes. Também por meio de Dino, o STF interveio em questão da alçada de Legislativo e Executivo no caso das emendas parlamentares.

Além de exigir transparência no trânsito de recursos do Tesouro até as bases eleitorais de deputados e senadores, uma decisão individual de Dino, depois referendada pelo plenário, chegou a proibir o pagamento até das emendas impositivas, obrigatório pela legislação. Ele deu ainda um prazo para a formulação de novas regras destinadas a tornar as transferências mais transparentes. Mais uma vez, as medidas são defensáveis. Mas não cabe ao Judiciário intervir na questão a tal ponto.

Pode-se argumentar que situações de emergência, como os incêndios ou o abuso na destinação de recursos do Orçamento, justificam o STF ocupar espaço de outros Poderes. Mas esses atropelos institucionais têm se tornado mais frequentes e decerto não contribuem para o cumprimento da regra constitucional que estabelece Poderes independentes, mas harmônicos entre si. Perde a democracia.

Kamala Harris leva a melhor no confronto contra Donald Trump

O Globo

Mas há dúvida se o desempenho superior no debate bastará para ela assegurar a dianteira nas pesquisas

Há pouca dúvida de que a democrata Kamala Harris levou a melhor sobre o republicano Donald Trump no debate de ontem à noite. A dúvida é se essa vantagem será suficiente para ela recuperar sua trajetória ascendente nas pesquisas, que Trump revertera nas últimas semanas. A eleição de novembro será decidida por poucos milhares de votos em alguns estados críticos. Na disputa pelo eleitor volúvel desses estados pendulares, a estratégia de Kamala se revelou mais acertada.

Nos primeiros minutos, questionada sobre economia, Kamala até se mostrou vacilante, enquanto Trump destacou a inflação e seu programa protecionista, de apelo nas regiões industriais. Mas logo ela se recuperou. Desnorteou Trump ao responder sobre aborto e, daí em diante, comandou o debate. Mesmo quando indagada sobre a imigração ilegal, tema da agenda republicana, driblou as críticas. Foi ao ataque lembrando aos eleitores a condenação criminal e os indiciamentos contra Trump.

Kamala soube irritar o adversário. Trump saiu do sério a ponto de desfiar mentiras sobre imigrantes comendo cachorros e gatos, sendo imediatamente desmentido pelos moderadores. Foi desmentido outras vezes e pedia com frequência para responder aos ataques. No total, falou quase sete minutos a mais que Kamala. Mas seu discurso e sua linguagem foram dirigidos à base fiel, pintando o quadro de um país à mercê de potências estrangeiras e imigrantes ilegais, distante da realidade da maioria da população. Dificilmente isso surtirá efeito para um eleitor indeciso, menos afeito às batalhas ideológicas e guerras culturais. Kamala, em contraste, pintou um quadro otimista e soube se concentrar em propostas para o futuro, da habitação à competitividade global.

O debate era a melhor oportunidade para Trump associar a Kamala a pecha de radical de esquerda e, principalmente, para vinculá-la ao governo impopular de Joe Biden. Mas ele a jogou fora. Kamala se apresentou como representante da mudança, diferente de Biden, capaz de exercer a Presidência com responsabilidade. Apesar de o sorriso sardônico em certos momentos traduzir uma atitude arrogante, ela soube passar uma imagem equilibrada, ao contrário de Trump.

As próximas pesquisas serão esperadas com ansiedade pelos dois lados. Elas refletirão os efeitos do debate e também da campanha em curso. Os eleitores deixaram claro que querem mudanças em relação a Biden. Seja qual for o veredito da opinião pública, o candidato que aparecer em desvantagem nos próximos levantamentos terá menos de dois meses até 5 de novembro para recuperar o terreno perdido. Pelos dados disponíveis, o mais provável é que o embate seja decidido por poucos milhares de votos em três estados críticos: Michigan, Wisconsin e sobretudo Pensilvânia (Kamala leva ligeira vantagem nos dois primeiros, e o quadro está empatado no último). É para lá que a energia das campanhas se voltará nas próximas semanas.

Kamala se sai melhor em debate, mas disputa continua sem favorito

Valor Econômico

Das poucas certezas que se têm até agora é que pequenas mudanças em Estados decisivos definirão o resultado da eleição e que a troca de candidato permitiu aos democratas equilibrar uma disputa que parecia perdida

A candidata democrata Kamala Harris passou na prova de fogo do debate com o republicano Donald Trump, e as pesquisas mostram que foi melhor no confronto do que seu rival, que demonstrou uma incomum falta de energia e de agilidade, com desempenho muito ruim. O histórico de Kamala em debates não era um ponto a seu favor, mas teve comportamento sóbrio e desferiu críticas contra Trump, utilizando a virulência de seu rival para desmoralizá-lo e colocá-lo todo o tempo na defensiva. A atuação de Kamala tornou-se memorável por comparação: em 27 de junho, o presidente Joe Biden teve desempenho catastrófico contra o republicano, tão ruim que ele acabou se retirando da corrida eleitoral. Kamala venceu o debate, mas a disputa continua empatada e sem favorito.

Trump não conseguiu manter uma barragem argumentativa contra os pontos fracos dos democratas identificados nas pesquisas. As questões da imigração e da economia foram levantadas, mas ele trocava de assunto em um campo favorável sem motivo. Nos momentos em que persistiu, foi péssimo. A tirada típica de Trump contra os imigrantes ilegais, misto de delírio e notícia falsa, de que eles estavam comendo cães e gatos em Springfield, privando os americanos de seus adoráveis pets, entrará para a antologia dos maiores disparates já ditos em campanhas eleitorais americanas.

Kamala colocou-se habilmente como defensora da classe média e do povo contra o programa econômico de Trump que favorece as grandes empresas. Ela disse com razão que a prorrogação da isenção de impostos proposta por Trump e novos adendos iriam custar US$ 5 trilhões em déficit público adicional em 10 anos, sem mencionar - e sem ser instada a isso - que planos democratas de isenções e subsídios teriam um custo de US$ 2,5 trilhões no período. A candidata democrata não se alongou sobre seus programas de governo, que são os mesmos da administração da qual é vice-presidente e sobre os quais ela faz um recorte pró-classe média que tem apelo eleitoral diferenciado.

Ela criticou a proposta indefensável de Trump de elevação geral de tarifas de importação - sobre aliados e rivais, como a China -, mas não respondeu ao contra-ataque de Trump, que perguntou os motivos pelos quais a administração de Joe Biden não mudou um centavo nas tarifas impostas pelo republicano. Da mesma forma, em suas palavras finais, Trump fez uma declaração clara e persuasiva sobre os programas de Kamala - se são tão bons, por que ela não os executou durante os quase quatro anos em que esteve no governo?

Kamala fez um ataque mais abrangente às posições de Trump do que os retalhos de erros apontados pelo republicano contra ela. Usou um sarcasmo que é marca registrada de Trump, ao mencionar que generais americanos o consideravam uma “desgraça” e que ele era “motivo de piada” entre os chefes de governo no exterior. Comentou que Trump desvairava em seus comícios, que eram abandonados antes da hora pelos eleitores “por exaustão e tédio”. Não deixou, porém, de ir ao ponto central, ao acusar Trump de ser “a maior ameaça à democracia desde a guerra civil” americana, e lembrar seus processos criminais, entre eles o de ser o único presidente que incitou um levante ilegal contra um governo legitimamente eleito.

Os debates dão vantagens efêmeras que nem sempre se confirmam nas urnas. As peculiaridades do sistema eleitoral dos EUA fazem com que o vencedor no voto não necessariamente se torne o presidente, salvo se a vitória seja obtida também entre os delegados estaduais no colégio eleitoral. Como há Estados que votam sempre em democratas e outros nos republicanos, há apenas sete Estados chamados pêndulos, com pequeno número de delegados, que são decisivos para consagrar o vencedor. Neles, a disputa está empatada, dentro da margem de erro em todos, depois que Biden se retirou da disputa. Por isso o debate de ontem foi, para Kamala, uma oportunidade para tentar conquistar votos independentes, enquanto Trump realizou (muito mal) sua pregação habitual para seus adeptos.

Uma pesquisa YouGov após o debate indicou que 43% acharam que Kamala se saiu melhor nele, 28%, que Trump venceu, e há uma enorme parcela de 30% que ficou indecisa sobre isso. Pesquisa da ABC indicou que, apesar de cada um dos candidatos tentar se mostrar como o mais apto a governar o país, 54% dos consultados responderam que tinham confiança em que ambos poderiam desempenhar bem essa função. Trump continua sendo o mais bem avaliado na questão da imigração e gestão da economia, enquanto Kamala leva dianteira quando se trata de proteger a democracia e na questão do aborto. Pesquisa da CNN mostrou que 82% dos eleitores registrados declararam que o debate não mudou sua opção eleitoral e 14% pensaram em reconsiderar seu voto, mas não o fizeram, e só 4% mudaram sua escolha.

Pequenas mudanças em Estados decisivos definirão o resultado. Essa é uma das poucas certezas até agora. A outra é que a troca de candidato democrata permitiu ao partido equilibrar e até vencer uma disputa que parecia perdida.

Kamala mostra força contra Trump em disputa dura

Folha de S. Paulo

Vice-presidente democrata exibiu desenvoltura no debate contra republicano; competição é acirrada nos estados-pêndulo

Em uma campanha eleitoral extraordinária nos Estados Unidos, em que o desafiante do presidente foi alvo Em uma campanha eleitoral atípica nos Estados Unidos, em que o desafiante do presidente foi alvo de um atentado e o titular da Casa Branca abandonou a candidatura, o debate entre o republicano Donald Trump e a democrata Kamala Harris ganhou aura de decisivo.

Nele, seria provado ou não o bom momento da vice de Joe Biden —que assumiu a campanha após a desistência do chefe na esteira da debacle no primeiro debate entre ele e Trump neste ano. Naquela contenda, ficou evidente a falta de condição cognitiva do mandatário ante o populista que tenta voltar ao poder.

Nesse sentido, Kamala pode celebrar. Seu desempenho na noite de terça (10) foi bastante satisfatório, e ela conseguiu se apresentar melhor ao público —pesquisa NYT/Siena College mostrava que 28% dos eleitores americanos não a conheciam bem.

Mostrou posições coerentes acerca de temas espinhosos e centrais na campanha, como imigração, aborto e o papel dos EUA num mundo em ebulição.

Foi menos feliz ao defender a gestão econômica de Biden, percebida de forma negativa, mas no limite tem a seu favor o fato de que a participação como vice-presidente nas decisões tomadas é irrelevante. Isso dito, há questionamentos sobre sua aparente simpatia por expansionismo orçamentário a assombrá-la.

Mais importante, Kamala mostrou não só credenciais de presidenciável mas também força para bater Trump. A figura que sapateou sobre um aparvalhado Biden no debate de 27 de junho esvaziou-se ante a articulada retórica da nova adversária.

O republicano foi emparedado e recorreu às usuais falsidades para criar efeito narrativo, só para ser confrontado por Kamala e também pelos mediadores, que desta vez chamaram as mentiras pelo nome e as corrigiram.

Desorientado, Trump parecia falar para si mesmo, enquanto a democrata aproveitava o palco para sua exibição.

No entanto, se debates podem ser decisivos para o rumo da campanha, como na implosão de Richard Nixon por John F. Kennedy em 1960 ou no derretimento de Biden, o contexto político atual impede por ora qualquer vaticínio otimista demais para Kamala.

É fato que ela colocou os democratas de volta na disputa. Após o atentado contra Trump, em 13 de julho, o republicano parecia rumar à vitória: apesar do empate com Biden no agregado das principais pesquisas, ele estava à frente nos estados-pêndulo.

Nessas unidades federativas é que o pleito, no qual importam votos no Colégio Eleitoral e não a somatória do sufrágio popular, será decidido. No restante da nação, a extrema polarização cristaliza a divisão histórica entre democratas e republicanos.

Kamala reverteu a situação, empatando com Trump ou o superando nesses campos de batalha. Mas é incerto, a esta altura, se o desempenho no debate ajudará a motivar o contingente indeciso a optar pela democrata.

Combater o telemarketing abusivo

Folha de S. Paulo

Expandir prefixo 0303 é mais uma tentativa da Anatel de conter assédio telefônico de empresas que atormenta consumidores

É inegável que as tecnologias de comunicação facilitaram a vida de empresas e consumidores, contudo tal avanço trouxe um ônus capaz de indignar qualquer brasileiro dono de um aparelho celular —as chamadas de telemarketing.

Nos últimos anos, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) instituiu medidas para conter essa prática abusiva, que não raro são burladas por quem deveria obedecê-las.

Na mais recente decisão, publicada na terça-feira (10), o órgão expandiu a exigência do prefixo telefônico 0303 para todas as empresas que realizam mais de 10 mil chamadas diárias.

Antes, só as de televendas eram obrigadas a utilizá-lo. Mas, como pessoas jurídicas que não prestam esse serviço também congestionam o sistema com número exagerado de chamadas, a ampliação da norma foi necessária.

Sob supervisão da agência, as companhias de telecomunicação devem monitorar o volume de ligações e identificar responsáveis, que terão 60 dias para se adequarem. Está previsto o bloqueio de chamadas das empresas que não obedeceram ao novo ordenamento, que passa a valer a partir de 5 de janeiro.

Aquelas que não quiserem aderir ao 0303 têm a opção de explicitar a origem da chamada com a exibição do número, de um selo que atesta segurança e da identificação da empresa.

Outra mazela é o "robocall". São ligações automáticas curtas, disparadas em massa, que desligam rapidamente —porque a capacidade tecnológica para realizar as chamadas é maior do que o número de atendentes disponíveis.

Levantamento de 2022 da Anatel constatou que mais de 90% das chamadas nas redes de algumas prestadoras eram robocall.

No mesmo ano, a agência classificou esse tipo de ligação como uso indevido do sistema e determinou bloqueio de quem faz mais de 100 mil chamadas por dia com duração inferior a 3 segundos —em abril de 2024, o tempo foi ampliado para 6 segundos.

Há portais na internet nos quais os consumidores podem descobrir quem está realizando as chamadas ou se cadastrar para não receberem ligações.

As medidas são fundamentais. Afinal, esse é um incômodo do mundo digital que atinge os brasileiros de forma desproporcional. Entre 2018 e 2021, o país liderou um vexatório ranking global de chamadas indesejadas, realizado pelo aplicativo Truecaller.

Espera-se rigor na fiscalização dos abusos e que a Anatel monitores continuamente novas tecnologias e práticas que possam ser usadas para burlar as regras.

O Congresso está de costas para o Brasil

O Estado de S. Paulo

Só a troca de comando na Câmara e no Senado está no radar dos parlamentares. Que se dane o País em chamas. Em gabinetes fechados, o único assunto é a manutenção do orçamento secreto

O Congresso virou de costas para o Brasil. Indiferentes ao que acontece em um país com tantas carências e, como se isso não bastasse, ora é consumido por queimadas que envolveram milhões de brasileiros numa gigantesca nuvem de ar irrespirável, deputados e senadores se fecharam em conchavos de gabinete que envolvem, fundamentalmente, a distribuição farta e descompromissada de dinheiro público – mais especificamente, o destino de bilhões de reais em emendas parlamentares a partir de fevereiro de 2025, quando haverá a troca de comando na Câmara e no Senado.

Está-se tratando de muito dinheiro. Um tanto capaz de mesmerizar os parlamentares até fazê-los esquecer as razões pelas quais receberam um mandato de representação e quem, afinal, deveriam representar. Em 2024, emendas parlamentares de toda espécie terão correspondido a mais de 20% das despesas discricionárias no Orçamento da União (quase R$ 45 bilhões). E, por mais que o Supremo Tribunal Federal aja para impor o respeito à Constituição e à moralidade pública, ninguém aposta que esse montante será menor no ano que vem.

O presidente Lula da Silva está perdido no enfrentamento da tormenta climática e até hoje segue devendo ao País um plano de governo digno do nome. O que o petista tem feito até aqui, na verdade, não significa muito mais do que espasmos de voluntarismo e uma mal-ajambrada reedição de seus velhos cacoetes como expoente do que se pode chamar de nacional-passadismo. E sempre, claro, de olho na próxima eleição, não nos melhores interesses do Estado brasileiro.

Diante dessa governança tíbia, em particular no enfrentamento da crise ambiental, não é pouco o que o Congresso poderia fazer dentro das atribuições que lhe são dadas pela Constituição. Mas o Congresso não está nem aí, absorto em interesses que nada têm a ver com os verdadeiros interesses da sociedade. No radar do Congresso, a mobilizar todos os partidos, está apenas a manutenção do orçamento secreto, seja qual for a conformação técnica que essa indecência venha a ter de tempos em tempos. É nesse sentido que a eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado ganhou singular importância. Nesses arranjos, uma inaceitável “anistia” – na verdade, impunidade – aos golpistas do 8 de Janeiro passou a servir de instrumento de chantagem contra os candidatos à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara como o primeiro passo para a anistia do golpista em chefe, Jair Bolsonaro.

Esqueçamos as medidas que poderiam ser tomadas pelo Poder Legislativo para mitigar os efeitos da tormenta climática para a população. Às favas os projetos de lei que regulamentam a reforma tributária. Fica para as calendas uma discussão séria em torno de uma agenda de reformas mais amplas para destravar o crescimento do País e promover o bem-estar geral dos brasileiros. Nada disso parece interessar ao Congresso. Além das eleições municipais, é claro, o único tema que eletriza a esmagadora maioria dos deputados e senadores, se não todos, é a sucessão na Câmara e no Senado, pois desse novo arranjo de poder depende a fluidez dos dutos subterrâneos por onde corre a dinheirama das emendas parlamentares, longe de quaisquer controles republicanos.

Não se vê, no horizonte imediato, qualquer disposição por parte dos parlamentares em assumir suas responsabilidades como mandatários, como se fossem representantes de si mesmos – no máximo, de uma casta de dirigentes partidários que instrumentalizam as legendas para jogar com os interesses coletivos da Nação enquanto, à sorrelfa, tocam seus próprios negócios.

O Congresso é o locus por excelência dos grandes debates nacionais. No entanto, o que se vê é uma Câmara e um Senado totalmente distantes das reais necessidades do País. Em meio a tantos problemas que afetam a vida de milhões de brasileiros e mantêm o Brasil muito aquém de suas potencialidades, essa indiferença chega a ser aviltante. Se nada mudar, como não parece que vá mudar, se o interesse público não for colocado no centro das atenções de deputados e senadores, o Brasil continuará refém de uma elite política que, para além dos males que já causa à representação, abre uma avenida para aventureiros dispostos a pôr tudo abaixo sem oferecer nada de bom no lugar.

Trump se torna o centro da eleição

O Estado de S. Paulo

Em debate, Kamala Harris consegue transformar a disputa num referendo sobre o ex-presidente, e não sobre o atual, e ainda se livrou de ter de explicar seus planos, de resto desconhecidos

Na acirrada disputa pela presidência dos Estados Unidos, o contraste entre o primeiro e o segundo debates entre os candidatos não poderia ser maior. Há 50 dias, o presidente Joe Biden, postulante à reeleição pelo Partido Democrata, teve um desempenho tão desastroso que se viu obrigado a desistir da disputa. A nova candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, já havia recolhido com sucesso, na convenção do partido, todos os votos democratas deixados pelo caminho. Foi em meio a uma disputa cabeça a cabeça que ela entrou no debate com Donald Trump – e venceu. Não por nocaute, mas com uma margem confortável de pontos.

O debate expôs as estratégias das campanhas. A dos republicanos é implicar Harris com o governo impopular de Biden e assustar os moderados com seu histórico de apoio a políticas radicais das elites esquerdistas, ou forçá-la a negá-las, e então denunciar sua inconsistência. Sobretudo, o maior temor dos estrategistas era que Trump não perdesse a calma. O principal desafio de Harris era mostrar aos eleitores um caráter sólido, apto a governar o país, depois, evitar comprometer-se com políticas que pudessem soar radicais e, por fim, expor a personalidade volátil e temerária de Trump.

Essa personalidade já foi naturalizada na opinião pública. Como candidato bem conhecido, Trump era o que tinha menos a perder, mas, o pouco que tinha, perdeu. Como candidata menos conhecida, Harris era quem tinha mais a ganhar, e ganhou. Considerando as duas estratégias, Harris conseguiu expor a vaidade de Trump. Trump fracassou em expor a vacuidade de Harris. Ele não conseguiu forçá-la a defender suas políticas. Ela o induziu a cair na provocação.

Como notaram os analistas do New York Times L. Lerer e R.J. Epstein: “Harris explorou habilmente a maior das fraquezas de seu oponente. Não o seu histórico. Não suas políticas divisivas. Não sua história de declarações inflamatórias. Ao invés disso, alvejou uma parte muito mais primitiva dele: seu ego”. Seja declarando que líderes mundiais dizem que ele é uma “vergonha”, seja sugerindo que sua fortuna não era a de um “self-made man”, mas de um herdeiro mimado, ela conseguiu a um tempo se esquivar de questões temerárias e forçar o adversário a submergir seus questionamentos mais pertinentes em surtos de fúria, hipérboles e digressões.

O maior exemplo foi num tema que deveria ser um prato cheio para Trump, quando os mediadores questionaram Harris por que só agora a gestão de Biden decidiu agir contra a imigração ilegal. Harris disse algo sobre seu histórico como promotora, e rapidamente virou o holofote para Trump, acusando-o de sabotar um projeto de lei anti-imigração. Mas o golpe de mestre foi questionar o tamanho de seus comícios “entediantes”. Trump queimou sua réplica fulminando sobre como seus comícios eram os mais “incríveis na história da política”.

A fala mais efetiva de Trump – “se você tem todas essas grandes ideias, por que não as pôs em prática nos três anos e meio de governo?” – deveria ter sido dita no começo, corroborada com dados, e repetida insistentemente ao longo do debate. Mas foi dita só no fim, sem contundência. Na defensiva, era como se ele fosse o incumbente e ela, a desafiante. Repetidas vezes Harris falou em “virar a página”: ela tem “planos” (embora nunca bem esclarecidos), ela é a “novidade”, o “futuro” – ele é só um velho rancoroso.

Esse foi não só o primeiro debate entre ambos, mas o primeiro encontro – e possivelmente será o último. Os candidatos voltaram aos seus casulos, e as estratégias estão traçadas. Trump manterá sua militância inflamada. Harris se esquivará de confrontos em entrevistas e se oferecerá como uma candidata normal contra um candidato caótico, transformando a eleição num referendo sobre Trump.

Fazendo as contas do debate, Trump certamente não ganhou eleitores. Provavelmente também não perdeu. A questão é se Harris ganhou ou não o favor dos indecisos. Eis outro grande contraste com o debate anterior: aquele mudou tudo, este possivelmente mudará pouca coisa. Mas, numa eleição tão apertada, esse pouco pode ser o que Harris precisa para levar o grande prêmio.

Brasil silencia ante o terror

O Estado de S. Paulo

A condenação a mais de 16 anos de prisão do brasileiro Lucas Passos Lima, recrutado pela milícia extremista libanesa Hezbollah para promover ataques terroristas contra alvos judaicos no Brasil, coroa o trabalho da Polícia Federal (PF) em parceria com organizações internacionais, entre as quais o Mossad (serviço secreto israelense), e oferece certo alento em momento de recrudescimento do antissemitismo em todo o mundo, mas exige que o governo brasileiro adote discurso mais contundente contra o terrorismo – mesmo que isso implique eventual mal-estar com aliados ideológicos do lulopetismo, como o Irã, patrocinador do Hezbollah.

Lima foi preso no ano passado, na primeira fase da Operação Trapiche, deflagrada pela PF para “interromper atos preparatórios de terrorismo e obter provas de possível recrutamento de brasileiros para a prática de atos extremistas no país”.

De acordo com a investigação, Lima foi recrutado pela milícia xiita, tendo viajado duas vezes ao Líbano, onde recebeu treinamento para promover atentados terroristas contra a comunidade judaica em Brasília e também na Embaixada de Israel na capital federal – ataques que, se bem-sucedidos, reavivariam o trauma do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) em 1994, em Buenos Aires, que matou 84 pessoas. Em abril passado, a Justiça argentina responsabilizou o Irã e o Hezbollah pelo ataque, o mais letal da história do país. Salientou que o Irã teve papel “político e estratégico”, dando ampla proteção diplomática aos terroristas.

Não é remota a hipótese de que o Hezbollah tenha planejado atacar alvos judaicos menos visados no exterior como parte de sua atual campanha militar contra Israel, no contexto da guerra israelense contra o grupo terrorista palestino Hamas – outra organização a serviço do Irã. Convém lembrar que o atentado contra a Amia ocorreu depois de um ataque de Israel a um campo de treinamento do Hezbollah no Líbano que deixou 45 recrutas mortos – e a milícia, na época, prometera se vingar em qualquer parte do mundo.

Logo, o mínimo que se esperava era que o governo brasileiro ao menos questionasse Teerã sobre os planos terroristas do Hezbollah em território nacional. Não se pode ficar em silêncio ante a apavorante possibilidade de que a guerra por procuração que o Irã trava contra Israel use o Brasil como um de seus campos de batalha, ao custo de vidas de cidadãos brasileiros.

O presidente Lula da Silva, como se sabe, tem grande consideração pelo Irã, a despeito do patrocínio de Teerã ao terrorismo e da violação sistemática dos direitos humanos dos próprios iranianos. O petista poderia ao menos usar essa afeição pelo regime dos aiatolás em favor dos brasileiros ameaçados pela milícia xiita libanesa.

Não se tem notícia, contudo, de qualquer manifestação oficial, nem de Lula nem de ninguém do governo – como se os cidadãos judeus brasileiros não merecessem ao menos uma nota de repúdio ao terrorismo. Obviamente, nada disso surpreende, mas não deixa de ser lamentável.

Educação, desafio a ser superado

Correio Braziliense

A cada governo, a política educacional toma um rumo ou ignora os avanços das gestões anteriores, e, da mesma forma, os investimentos também flutuam

Desenvolver uma política de educaçãode qualidade sem distinção de classe social e econômica, livre de desníveis étnico-raciais e inclusiva, é um dos grandes desafios do Brasil. O tema, reconhecido como fundamental para o desenvolvimento de uma nação, tem importância oscilante. A cada governo, a política educacional toma um rumo ou ignora os avanços das gestões anteriores, e, da mesma forma, os investimentos também flutuam.

Entre 2015 e 2021, os investimentos públicos em educação foram reduzidos de 11,2% para 10,6%, conforme o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado terça-feira última. De acordo com os dados de 2021, o país ficou na segunda posição, entre os 48 países avaliados. Em média, os países da OCDE aumentaram em 2% os gastos com educação. A redução do aporte financeiro não ocorreu só no Brasil (2,5% de queda) e na Argentina (de 5,2%). O orçamento também encolheu no México (-2,4%), Letônia (-1,7%), Canadá (-0,6%), Costa Rica (-0,3%) e Finlândia (-0,1%).

O relatório Education at a Glance (educação em foco), da OCDE, ressalta que o Brasil seguiu um roteiro inverso dos demais países filiados à organização, durante a pandemia. Em 2021, segundo ano da pandemia da covid-19, a maioria das escolas brasileiras permaneceram fechadas. As desigualdades sociais e econômicas, marcantes no perfil demográfico, impactam seriamente na educação pública, que enfrenta altos e baixos, dependendo da configuração dos sucessivos governos.

Na educação infantil (crianças até 5 anos), 90% da população nessa faixa está matriculada, enquanto nos países da OCDE, a média é de 96%. De um extremo ao outro, a escolaridade incompleta explica a situação de pobreza e de perda de oportunidades dos adultos. Entre os países da OCDE, o percentual de adultos entre 24 e 34 anos que não concluíram o ensino médico caiu de 17% para 14%, entre 2016 e 2023. No Brasil também houve uma retração ainda que não tenha alcançado a média dos membros da OCDE. O número de brasileiros em igual situação passou de 35%, em 2016, para 27%.

Os jovens entre 25 e 34 anos que não trabalham nem estudam — os nem-nem, são um gargalo preocupante. Eles somam quase 24% no Brasil, segundo o relatório da OCDE, um percentual acima do constatado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) da Educação, em 2022, e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado. Os nem-nem, em 2022, correspondiam a 20% (9,6 milhões, entre 15 e 29 anos, uma faixa etária diferente dos países da organização internacional. Necessidade de trabalhar (40,2%), gravidez precoce (22,4%), trabalho doméstico e cuidados com outras pessoas (10,3%) são as principais causas do abandono da escola.

Para os especialistas, essa realidade dos nem-nem está associada à qualidade do ensino básico — o Brasil até agora não saiu das últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Eles entendem que é preciso aumentar a oferta de ensino integral. Nos países desenvolvidos,os alunos do ensino médio cursam também o ensino profissionalizante. No Brasil, só 10% dos alunos cursam o técnico, contra 68% na Finlândia e 49% na Alemanha.

Há vários modelos de política educacional que podem ser adaptados à realidade, sob orientação dos grandes mestres nacionais. O modelo adotado deve ser política de Estado, e não submisso a ideologias ou a interesses políticos. A educação é a principal alavanca para o desenvolvimento do país. 

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