terça-feira, 3 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brecha para excluir terceirizados da LRF cria ameaça fiscal

O Globo

Senado precisa barrar projeto aprovado na Câmara que cria exceção na lei para facilitar contratações

A Câmara aprovou na semana passada um projeto que muda a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para excluir dos limites dos gastos com pessoal as despesas com o pagamento de funcionários terceirizados. A proposta, que será ainda submetida ao Senado, cria no Orçamento a rubrica “Outras despesas com pessoal”, em que abriga uma espécie de folha de pagamentos paralela. O risco de descontrole fiscal é evidente, por isso os senadores precisam derrubá-la.

A mobilização política no Congresso para facilitar a contratação de terceirizados coincide com o início do entendimento entre estados e União para renegociar dívidas. Caso o Projeto de Lei seja aprovado no Senado, as despesas com pessoal tenderão a crescer, pondo em risco, além do equilíbrio fiscal, a própria operação de socorro financeiro.

As despesas de União, estados e municípios com a folha dos servidores estão na faixa dos 9% do PIB, acima do que gastam Peru (6,2%), Chile (6,8%) e países ricos como Alemanha (5,9%), França (8%) ou Reino Unido (7,3%). A LRF estabelece que os gastos com salários não podem ultrapassar 50% da receita corrente líquida federal e 60% da estadual ou municipal. Essas barreiras de contenção serão demolidas se o projeto for aprovado pelo Senado.

Tais números mostram que não faz sentido aumentar as despesas com terceirizados. Além disso, o controle da despesa com pessoal é fundamental para a saúde fiscal do Estado. Brechas na LRF só deveriam ser abertas em casos excepcionais, como uma crise sanitária ou tragédia climática.

O Ministério da Gestão e Inovação tem lançado concursos públicos para repor vagas em repartições federais. Antes disso, porém, o governo deveria ter promovido uma ampla reforma administrativa das carreiras, de modo a eliminar as distorções, otimizar o uso dos recursos humanos e reduzir o peso que a folha de pagamentos dos servidores exerce sobre os gastos públicos. Preferiu o caminho mais fácil. Errará mais uma vez, de forma grave, caso use a retirada dos terceirizados das despesas de pessoal para ampliar o contingente do funcionalismo estável.

Não se trata de estigmatizar a terceirização de serviços públicos. Vários exemplos mostram que ela pode ser positiva. É o caso da área de saúde, em que o atendimento tem melhorado quando governos passam a gestão de hospitais e postos de saúde a organizações sociais. Bem fiscalizada, a terceirização é uma forma de contornar a rigidez anacrônica da legislação que rege o serviço público e impede a cobrança de eficiência.

Mas isso não significa que os limites estabelecidos pela LRF devam ser ignorados. A exclusão dos gastos com terceirizados das despesas de pessoal incentivaria as contratações oportunistas com fins eleitorais. Aprovada a lei, o Brasil regrediria na preservação do interesse público contra a ação de grupos de interesses privados. O Senado tem de barrá-la.

Melhora de protocolos médicos não evita tragédia em estádio de futebol

O Globo

Morte de jogador uruguaio no Morumbi revela que, apesar dos avanços, ainda é preciso fazer mais

morte trágica do jogador do Nacional de Montevidéu Juan Izquierdo, de 27 anos, depois de desmaiar em jogo no Morumbi contra o São Paulo na semana passada, revelou a importância dos protocolos de atendimento a emergências nos estádios de futebol. Elas não são frequentes, mas clubes, comissões técnicas e os próprios estádios precisam ter condições de dar a primeira assistência aos atletas de modo eficaz.

Nos últimos 20 anos, houve melhora significativa. Em 2004, no mesmo estádio, o também zagueiro Serginho, do São Caetano, caiu desacordado em jogo contra o São Paulo. Foi levado ao hospital e morreu horas depois. Como Izquierdo, ele sofria de arritmia. Na ocasião, a ambulância estava trancada. Serginho teve de ser levado de carro-maca e esperar até poder ser transportado ao hospital. Os desfibriladores, que reanimam ou tentam estabilizar o coração por meio de choques, estavam no centro médico do Morumbi e não eram portáteis.

Depois da morte de Serginho, passou a haver exigência de duas ambulâncias nos jogos, equipadas para atender pacientes de alto risco. Os estádios também tiveram de ser reformados para permitir acesso rápido ao gramado. Hoje é obrigatório haver dois desfibriladores automáticos em cada banco de reservas, diz Jorge Pagura, coordenador médico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

As mudanças feitas a partir da experiência trágica com Serginho puderam ser observadas a partir do momento em que Izquierdo cambaleou, tropeçou e caiu desacordado. Ele foi logo cercado por jogadores dos dois times. A ambulância entrou em campo em cerca de 30 segundos e, em quatro minutos, ele foi levado a um hospital próximo do estádio, onde foi mantido na Unidade de Terapia Intensiva até morrer no dia seguinte.

A morte trágica mostra que, apesar dos avanços dos últimos anos, ainda é preciso melhorar os protocolos adotados nos esportes de alto rendimento. É correta a iniciativa de aumentar o número de profissionais capazes de prestar socorro em situações de emergência. Mesmo que o protocolo atual traga alguma segurança, o próprio Pagura acredita que ele pode ser aperfeiçoado, estendendo a árbitros e integrantes da comissão técnica o treinamento para atendimento.

Mas só isso não basta. É fundamental também agir na prevenção. Quanto mais cedo doenças cardíacas são descobertas, melhor. Já são obrigatórios exames cardiológicos na documentação para o registro dos atletas. O departamento médico dos clubes tem de atestar junto à CBF que o jogador está em condições de praticar o esporte e anexar os exames realizados. A morte de Serginho também criou nos clubes a rotina de fazer exames periódicos. Mas nem sempre ela é cumprida ou as conclusões negativas — que podem levar ao fim da carreira do atleta — são respeitadas. A omissão pode ser fatal.

É preciso bem mais que gastos para enfrentar crime organizado

Valor Econômico

Falta uma coordenação nacional, com o apoio da União em íntimo relacionamento com os governos estaduais

Os crescentes gastos dos Estados com segurança pública impressionam, mas nem sempre são uma resposta eficiente e bem-sucedida dos governos à altura da preocupação da população com o assunto. Levantamento feito pelo Valor (30/8) com base nos relatórios resumidos de execução orçamentária mostra que o gasto consolidado com segurança pública dos 26 Estados e Distrito Federal no primeiro semestre somou R$ 55,76 bilhões, 14,2% a mais em termos reais do que no mesmo período de 2018, e acima dos 9% de incremento das despesas totais. Em relação ao mesmo período de 2023, cresceram 4%, descontada a inflação.

A segurança pública foi o quarto foco de despesa que mais cresceu nos Estados nesse período. Somente aumentaram mais os gastos com saúde, educação e assistência social. Os dois primeiros têm vinculação obrigatória com a receita orçamentária, mas, juntamente a assistência social, cresceram ainda mais em consequência da demanda extraordinária criada pela pandemia.

Os gastos com segurança pública têm participação expressiva de 9,1% da receita total dos Estados, apenas inferior aos 16,7% da Previdência Social, dos 15,1% da Educação e dos 13% da saúde.

Em 15 dos 26 Estados mais o Distrito Federal, as despesas com segurança pública ficaram acima da média de 9,1% das receitas. O Estado que mais gasta nessa base de comparação é o Rio de Janeiro, com 15,1% das receitas, seguido de Rondônia, com 14,1%, Alagoas, com 13%, Rio Grande do Norte, com 12,1%, e Amapá, com 12%. Na outra ponta estão São Paulo, com 4,7% das receitas, Santa Catarina, com 7,2%, Piauí, com 7,3%, Pernambuco, com 7,4%, Maranhão e Mato Grosso do Sul, com 7,8% cada um.

Gastar mais não significa ser bem-sucedido no combate ao crime. Apesar de ser o Estado que mais gasta em segurança, o Rio de Janeiro está entre os mais inseguros do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo o indicador de quantidade de mortes violentas por 100 mil habitantes. De acordo com o anuário, o Estado do Rio teve 28,5 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2023, acima da média nacional de 23.

O mesmo raciocínio vale para os demais. Rondônia tem o índice de 29,9 mortes violentas para 100 mil habitantes; Alagoas, 38,5, Rio Grande do Norte, 31,6. O Amapá é o Estado brasileiro mais violento, com 69,9 mortes por 100 mil habitantes, e nele fica o município mais violento do país, Santana, região de porto, rota internacional de drogas.

Já entre os que menos investem em segurança em relação às receitas estão Estados com menor violência pelo critério do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo marcou no anuário 7,8 mortes violentas por 100 mil habitantes. Santa Catarina registrou 8,9 mortes por 100 mil habitantes.

As estatísticas de mortes violentas, porém, não são o único indicador de insegurança da população. Pesquisas de opinião pública recolhem relatos de temor com crimes como assalto violento nas ruas ou em casa, roubo de celular, violência de gênero e racial, e até contato agressivo dos próprios policiais, que ganham espaço nas redes sociais, tornando a segurança um dos principais temas dos debates políticos nas eleições municipais deste ano.

Os governadores são favoráveis a uma maior participação do governo federal na segurança, em especial nas questões mais complexas como o combate ao crime organizado. Aguardam a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do ministro da Justiça e Segurança, Ricardo Lewandowski, apresentado ao presidente Lula no início de agosto e que ainda não veio à luz, provavelmente aguardando uma costura política bem feita e um espaço na agenda do Congresso em ano eleitoral.

O principal foco da segurança pública deveria ser o crime organizado, já ramificado em todo o território nacional e enraizado em negócios legais para realizar lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, construções clandestinas, grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e mais uma lista sem fim de ilícitos. A maneira com que as polícias estaduais têm combatido a violência tem sido mais usar as armas que o cérebro. O crime ultrapassa as fronteiras estaduais, tornou-se ameaça nacional, e apenas dinheiro não basta, como tem mostrado a realidade. Falta uma coordenação nacional, com o apoio da União em íntimo relacionamento com os governos estaduais.

Há a expectativa positiva com a PEC: o governo federal ficaria responsável por alinhar e coordenar estratégias, e organizar as informações. Há grave falta de estatísticas confiáveis e consolidadas. O país não tinha, e só agora está perto de ter, carteira de identidade única emitida centralizadamente e válida para todo o território nacional - era possível tirar este documento em vários Estados, facilitando fraudes. O governo paulista, ao desbaratar células do PCC em empresas de vários ramos na capital, mostrou o valor da inteligência financeira, retirando das quadrilhas recursos milionários, estratégia vital para reduzir sua capacidade de atuação.

Governo petista apresenta mais um Orçamento ficcional

Folha de S. Paulo

Meta de déficit zero depende de alta improvável de receitas; previsões frustradas minam credibilidade da política fiscal

Desde que promoveu, com apoio do Congresso, uma ampliação inaudita do gasto público antes mesmo da posse presidencial, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue um mesmo padrão em suas promessas de ajuste orçamentário.

Apresentam-se metas aparentemente ambiciosas para o saldo das contas do Tesouro; os objetivos, porém, baseiam-se em estimativas demasiadamente otimistas para a arrecadação de impostos e o avanço das despesas; quando os resultados desmentem as projeções, mudam-se as metas ou anuncia-se algum remendo para evitar o pior.

Essa rotina —que evidentemente corrói cada vez mais a credibilidade da política fiscal— vem sendo seguida à risca no Orçamento deste ano e já dá as caras no projeto para o próximo, recém-enviado ao Congresso.

Recorde-se que, quando se aprovou a nova regra para o controle do gasto federal, fixou-se para 2025 a meta de superávit primário (cálculo que não inclui os encargos com juros) equivalente a 0,5% do PIB, ou cerca de R$ 60 bilhões. Logo ficou claro que o número não seria atingido sem controle de despesa.

Mudou-se, então, o objetivo, para um mero equilíbrio entre receitas e dispêndios. Agora, com o projeto de Orçamento elaborado pelo Executivo para o ano que vem, descobre-se que o prometido déficit zero depende de uma arrecadação extra de R$ 166 bilhões —o que corresponde a um ano inteiro de Bolsa Família.

Essa miragem, como se tornou hábito, é oficialmente esperada como efeito de medidas já tomadas e propostas de aumento de impostos apresentadas pela Fazenda ao Congresso, que somam R$ 46,5 bilhões.

Há méritos, sim, em boa parte das iniciativas do ministro Fernando Haddad para rever o excesso de privilégios tributários no país. Entretanto colocar todas as fichas na elevação de uma carga já excessiva é política e economicamente irrealista.

O governo petista insiste em buscar receita de 19% do PIB, patamar só atingido em 2007, no segundo mandato de Lula —quando se vivia o auge do boom de commodities que impulsionava a atividade econômica e a arrecadação. Mesmo que a cifra seja alcançada, no entanto, a despesa, se nada for feito, cedo ou tarde será ainda maior.

Mais provável é a repetição do que se observa neste ano. Tem havido expressiva expansão das receitas, mas não nas proporções previstas no Orçamento. A estimativa oficial já foi reduzida em R$ 23,7 bilhões, mas os R$ 2,168 trilhões agora esperados ainda estão R$ 30 bilhões acima dos cálculos mais consensuais entre analistas independentes.

A arrecadação não tem como vencer a corrida contra os gastos nas condições e necessidades atuais. A menos que se revejam as regras que impõem alta contínua de desembolsos de caráter obrigatório, os projetos de lei orçamentária continuarão sendo meros exercícios de autoengano.

Extremismos emergem na Alemanha

Folha de S. Paulo

Primeira vitória de um partido de ultradireita desde o nazismo e avanço da esquerda radical em pleitos locais preocupam

Ecos do passado se fizeram presente na democracia alemã no fim de semana, com resultados em pleitos locais que favoreceram partidos extremistas à direita e à esquerda.

O destaque foi a vitória projetada para a AfD (Alternativa para a Alemanha) na eleição legislativa da Turíngia; na vizinha Saxônia, a legenda ficou em segundo lugar.

É o melhor resultado de uma sigla de extrema direita desde março de 1933, quando os nazistas chegaram ao poder com 43% dos votos —ante 2,6% em 1928— e deram início a um governo totalitário que só chegaria ao fim com a obliteração da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Apesar da tentação de associar ambos os eventos, o contexto atual é outro. A AfD é um saco de gatos unidos por uma agenda anti-imigração e de rejeição ao projeto de integração da União Europeia. Não há também, a exemplo do fascismo de manual, uma única liderança carismática.

Muitos de seus membros demonstram simpatias públicas pelo neonazismo, num país que criminaliza qualquer elegia ao regime violento de Adolf Hitler, que levou à guerra, ao Holocausto e à divisão do país em metades comunista e capitalista por 45 anos.

Isso é preocupante, por mais que haja esforços de normalização de discurso. Não é certo, contudo, que a AfD consiga governar, dado que com 33% de votos projetados precisaria de um parceiro de coalizão ora inexistente.

Mas o que importa é a disposição do eleitor para ouvir os radicais. Evidencia disso também é o bom desempenho de uma agremiação de extrema esquerda, a BSW (Aliança Sahra Wagenknecht, nome em homenagem à sua líder), que ficou em terceiro lugar nos dois estados.

Uma colcha de retalhos política, o grupo mistura ojeriza a imigrantes, agenda econômica que beira o comunismo, conservadorismo de costumes e russofilia.

Divide bandeiras com a AfD, lembrando a dualidade paradoxal dos anos 1930, quando nazistas e comunistas se digladiavam nas ruas e urnas alemãs. Em comum com aquele tempo, o esvaziamento da política tradicional.

Os resultados, se não servem para projetar uma onda nacional, estão em linha com insatisfações registradas em outros cantos da Europa e do mundo.

Turíngia e Saxônia são estados que integravam a antiga Alemanha Oriental e têm padrão de vida inferior ao da porção capitalista do país. Pesquisas apontam ressentimento com isso, o que implica, como ocorreu no pleito francês deste ano, peculiaridades às suas escolhas —sem lhes privar do caráter de advertência.

O governo só pensa naquilo

O Estado de S. Paulo

Ao tornar a propor aumento da tributação para compensar a desoneração da folha, o governo ignora a necessidade de rever gastos para reequilibrar o Orçamento de forma estrutural

O poeta grego Arquíloco escreveu no século 7.º antes de Cristo que “a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma única grande coisa”. Atualizando o aforismo, o governo de Lula da Silva é como o ouriço: só consegue enxergar as contas públicas pela lente da arrecadação, jamais pelo corte efetivo e estrutural de gastos. Assim, fiel à sua natureza de ouriço, o Executivo manterá a aposta nas receitas para salvar a meta fiscal de 2025. No mesmo dia em que enviou a proposta de Orçamento ao Congresso, o Executivo protocolou também um projeto de lei para elevar a tributação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) e as alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – em 1 ponto porcentual (p.p.) para todos os setores e em 2 p.p. para o setor financeiro.

O projeto, segundo o ministro Fernando Haddad, servirá como uma espécie de garantia a ser acionada caso as propostas aprovadas pelo Senado para compensar a desoneração da folha de pagamento de setores econômicos e dos municípios não sejam suficientes para cobrir a renúncia. Se forem, “tanto melhor para nós”, disse o ministro.

Não é a primeira vez que o governo tenta aumentar a arrecadação desses tributos para arcar com a desoneração. No caso da CSLL, ela foi prontamente rechaçada pelo Senado assim que apresentada pelo Ministério da Fazenda, enquanto a elevação da alíquota de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) dos Juros sobre Capital Próprio das empresas, de 15% para 20%, foi retirada do parecer da desoneração quando ficou claro que ela seria rejeitada.

Como se ainda restasse alguma dúvida sobre a resistência do Congresso a essas medidas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez questão de expor sua contrariedade à proposta em um evento de que participou no fim de semana. Segundo ele, aprová-la é quase impossível.

Mais uma vez, o pretexto do governo para justificar o envio da medida é a desoneração, embora o problema do desequilíbrio do Orçamento seja estrutural, ou seja, bem mais profundo e antigo. Tanto é verdade que especialistas em contas públicas voltaram a manifestar preocupação sobre o risco da estratégia do governo de contar com receitas incertas para cumprir a meta fiscal. A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto, disse que a proposta do Orçamento “não está muito realista”.

Com previsões mais otimistas que as do mercado para o crescimento do PIB e para a inflação, o governo consegue projetar receitas maiores e despesas menores no papel. Qualquer mudança nesse cenário gera a necessidade de bloqueios e contingenciamento de gastos para não ultrapassar o limite de despesas e cumprir a meta fiscal, o que impõe dificuldades na execução do Orçamento.

De fato, fica difícil acreditar em um projeto que estima arrecadar R$ 166,2 bilhões em receitas extras no ano que vem, das quais R$ 46,8 bilhões dependem da aprovação do Congresso para entrar em vigor, enquanto prevê um corte de despesas bem menor, da ordem de R$ 25,9 bilhões, boa parte por meio da revisão do cadastro de benefícios sociais e assistenciais.

Mantém-se uma confiança digna de fé nos efeitos da retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Para 2025, espera-se arrecadar R$ 28,5 bilhões, bem menos que os R$ 54 bilhões esperados para este ano, mas muito acima dos ínfimos R$ 87 milhões efetivamente gerados pela medida até julho.

São questões amplas, para as quais o governo não tem resposta e que vão muito além da desoneração da folha de pagamento, transformada em bode expiatório a obrigar o Executivo a aumentar a carga tributária para evitar o descumprimento da meta fiscal.

Seria o momento de o governo começar a pensar no acionamento dos gatilhos do arcabouço fiscal que ele mesmo elaborou e se propôs a seguir, especialmente o veto à criação de novas despesas obrigatórias. Mas parece ser melhor investir em um misto de teimosia, otimismo e enfrentamento para entregar o déficit zero em vez de reconhecer e lidar com a dura realidade. Quem não acredita não pode ser acusado de estar torcendo contra.

O cabideiro do PT na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Ao lotear cargos na petroleira entre indicados de sindicalistas e políticos, governo Lula não surpreende ninguém: para os petistas, as estatais servem para isso mesmo

Ao menos 35 indicações de nomes ligados ao PT e a autoridades do governo federal para cargos estratégicos na Petrobras foram efetivadas nos primeiros cem dias da gestão de Magda Chambriard. A executiva assumiu o comando da companhia depois que o ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN) foi demitido por Lula da Silva em meio a uma disputa de poder político no primeiro escalão do governo. A mudança na presidência foi a deixa para mais uma rodada de loteamento de cargos, prática corrente que explica, em boa medida, a obsessão do PT pela intervenção estatal na economia.

Levantamento feito pelo Estadão mostra que a distribuição de cargos não ocorreu de forma aleatória. Pelo contrário, além das previsíveis mudanças na alta cúpula, é com precisão cirúrgica que estão sendo trocados integrantes de cargos-chave nos comitês que assessoram a diretoria executiva e o Conselho de Administração e nas gerências executivas, responsáveis pela gestão operacional. Com isso, ao mesmo tempo que tira proveito da oferta de cargos a apadrinhados políticos, a gestão lulopetista monta uma rede para facilitar o encaminhamento de questões que lhe são caras dentro da empresa.

São substituições que atingem, por exemplo, o Comitê de Pessoas, que avalia se a política de indicações obedece aos requisitos de governança da empresa. É a instância que, ultimamente, tem atrapalhado os planos do governo Lula, ao emitir pareceres rejeitando nomeações pelos mais diversos conflitos. As recomendações têm sido ignoradas pelo governo, que tem manobrado para burlar as regras internas, mas não sem desgastar um pouco mais a imagem da empresa.

O aparelhamento chega a setores como o de auditoria, que avalia os riscos de cada projeto da Petrobras para verificar se o retorno esperado justifica o investimento – uma precaução imprescindível a qualquer empresa que pretenda manter equilibrado seu grau de solvência, com um nível de endividamento que não comprometa o patrimônio. Mas, num governo em que o equilíbrio fiscal é frequentemente questionado pelo próprio presidente, com sua recorrente cantilena de que gasto é “investimento”, não há como esperar prudência na Petrobras.

A indicação de pessoas de confiança de ministros para cargos em áreas como engenharia e exploração de petróleo, dispensando qualquer conhecimento prévio sobre a empresa ou mesmo sobre o setor, é a comprovação absoluta do descaso. Como detalhou a reportagem, a lista é grande: vai de assessores de ministérios a sindicalistas e delegados, passando até pela irmã de um doador de campanha eleitoral. É um método em muitos aspectos semelhante ao que foi adotado nas gestões petistas e que deu origem ao “petrolão”, com denúncias de propinas, subornos, malversação de recursos e superfaturamentos de obras.

O PT, como sabemos, finge que o petrolão nunca existiu, e afeta indignação quando se toca no assunto. É o mesmo espírito que norteia explicações como a da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que nega ter participado das escolhas, mas classifica os indicados como donos de “currículos invejáveis”, o que ofende a inteligência alheia. Sob Lula da Silva, a FUP ganhou status e poder na Petrobras, atuando quase como uma diretoria à parte. Do mesmo modo, requer uma dose considerável de ingenuidade crer na versão do Ministério de Minas e Energia (MME), que informa não ter feito qualquer indicação – embora 3 dos 11 conselheiros administrativos deem expediente no MME.

A reportagem mostra que os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, tiveram participação ativa na mudança na presidência da Petrobras, que não estava atendendo a contento a todos os anseios do governo, a despeito do esforço de Jean Paul Prates de colocar em prática decisões do governo, como a mudança na política de preços dos combustíveis para “abrasileirá-los”.

Na visão do governo Lula da Silva, a principal função das estatais parece ser a de cabide para pendurar não só os apadrinhados, como também para dar a essas pessoas a tarefa de atender aos desejos do governo, sejam quais forem. Não surpreende que bancos de investimentos, como Citi, UBS e HSBC, tenham distribuído a seus clientes relatórios alertando sobre a visível deterioração nas regras de governança da Petrobras.

Candidatos, respeitem o eleitor

O Estado de S. Paulo

Ao que parece, o comportamento do arruaceiro Marçal se tornou o padrão dos debates na TV

Já está pacificado que Pablo Marçal (PRTB) lançou sua candidatura à Prefeitura de São Paulo basicamente para promover vandalismo político, sem qualquer sinal de responsabilidade e nenhum compromisso com a cidade e seus cidadãos. No entanto, ao invés de ser ignorado pelos demais candidatos, em nome de uma disputa que priorize os problemas reais da cidade, Marçal parece ter conseguido converter seu comportamento de arruaceiro em padrão dos debates. No mais recente, ficou claro que todos os candidatos ali estavam mais empenhados em atacar uns aos outros, algumas vezes em termos próprios das brigas de valentões no recreio, do que em falar de seus planos de governo.

No encontro promovido pela TV Gazeta e pelo site MyNews, houve em certos momentos uma espécie de competição para ver quem conseguia ser tão desagradável quanto Marçal. Com exceção de José Luiz Datena (PSDB), que, como Marçal, nunca exerceu mandato eletivo, os demais ali tinham todos uma razoável experiência nas lides políticas – em que, a despeito do calor dos debates, se exige um mínimo de respeito e compostura diante de opiniões divergentes. Infelizmente, não foi o que se viu: o debate mostrou que a política paulistana parece ter sido contaminada pelo vandalismo de Marçal.

Houve descumprimento de regras, muitos pedidos de direito de resposta, gritaria fora dos microfones e até ameaça de agressão física. É claro que debates eleitorais na TV desde sempre são travados sob uma atmosfera de confronto, razão pela qual é comum que haja alguma altercação que mereça a intervenção dos mediadores. A questão é que, aparentemente, sejam quais forem as regras ou o rigor dos organizadores, os debates nas eleições paulistanas deste ano estão fadados a se transformar em rinha: todos parecem ocupar o púlpito como se estivessem no corner antes de um combate de vale-tudo.

De fato, não é fácil adaptar toda uma estratégia de campanha e de participação nos debates à presença disruptiva de um aventureiro profissional como Pablo Marçal, que, como uma criança, não conhece limites. Ocorre que a resposta dos adultos não pode ser mais infantil que a do moleque que os desafia. Ao fazer dos debates um torneio de “lacração”, desses que fazem a alegria das redes sociais irresponsáveis, os candidatos paulistanos ofendem-se uns aos outros e, com isso, ofendem os eleitores.

De Marçal não se espera nada mesmo, uma vez que ele só está na campanha para bagunçar. Já os demais candidatos, se realmente nutrem genuíno desejo de governar a cidade, deveriam refletir se não seria o caso de desarmar os espíritos e investir numa campanha que olhe para o eleitor como o pagador de impostos que será afetado por suas políticas, e não como o frequentador de redes sociais que vibra a cada agressão.

Espera-se que nos próximos debates o bom senso seja restituído e as propostas sejam, enfim, apresentadas. Os paulistanos procuram por um prefeito competente, não por um baderneiro destemperado.

Educação contra o endividamento

Correio Braziliense

Os especialistas divergem sobre os perfis previstos na lei para identificar bons e maus pagadores, mas têm consciência de que falta educação financeira aos brasileiros de todas as idades

No Brasil e no mundo, o consumo é uma das forças motrizes da economia. É por esse mecanismo que governos conseguem irrigar e dar sustento às mais diversas políticas, inclusive sustentar a máquina pública, e empresas privadas mantêm as portas abertas. Uma parte dessa engrenagem, porém, é mais vulnerável. Com o incentivo ao consumo, abre-se caminho para o superendividamento dos cidadãos. 

Hoje, estima-se que, dos 72,6 milhões de brasileiros inadimplentes, 15 milhões compõem o grupo dos superendividados — aqueles com impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraíram, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Entre os devedores, de acordo com a lei vigente, há os que, por um infortúnio, como o desemprego, perderam a capacidade de honrar os compromissos e se deparam com obstáculos impostos pelos agentes financeiros que dificultam, ou impedem, a negociação da dívida (devedores inconscientes ou imprudentes). Mas há também os que, propositalmente, gastam muito além do que a sua renda permite, ou seja, se tornam devedores de má-fé, com débitos impagáveis.

O valor médio das dívidas acumuladas é de R$ 5.373,46. Até julho passado, a dívida total no país chegou a R$ 72,6 milhões, segundo o mais recente Mapa da Inadimplência da Serasa, e seguia com tendência de crescimento, como previsto na reportagem A difícil vida de um superendividado, publicada, no último domingo, pelo Correio Braziliense. Para esse grupo, desde 2021, está em vigor a Lei dos Superendividados (Lei nº 14.181). Ela não é voltada à anistia dos devedores, pois seria um incentivo aos calotes, mas assegura ao endividado "o mínimo existencial" — hoje, no valor de R$ 600, fixado pelo Decreto nº 11.567/23, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Não à toa, o valor do "mínimo existencial" é objeto de severas críticas dos defensores públicos. Eles levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) por entenderem que R$ 600 não propiciam dignidade humana e impedem que o beneficiado tenha meios de bancar os gastos com moradia, alimentação, vestuário, tarifas de água, energia e gás. A lei, no entanto, obriga os bancos a reverem os contratos dos clientes e pode punir os devedores conscientes.

Os especialistas divergem sobre os perfis previstos na lei para identificar bons e maus pagadores, mas têm consciência de que falta educação financeira aos brasileiros de todas as idades — os idosos, por exemplo, representam quase 19% dos que enfrentam dificuldades para quitar as dívidas. Instituições bancárias e cooperativas de crédito têm trabalhado no sentido de educar seus clientes para evitar prejuízos e, ao mesmo tempo, orientá-los para que não experimentem o dissabor do endividamento impagável, segundo levantamento do Banco Central. 

Esse compromisso com dinheiro deveria ser válido para todos os demais segmentos da sociedade, alcançando vários setores produtivos. Mas deveria estar presente, principalmente, na grade curricular das escolas, para que as novas gerações tenham mais condições para romper esse ciclo de consumo danoso. Nos casos dos jovens menos abastados, seria, também, a possibilidade de eles, ao aprenderem a gerir e aplicar seu dinheiro, tornarem os resultados trampolim para ascensão socioeconômica. 


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