Brecha para excluir terceirizados da LRF cria ameaça fiscal
O Globo
Senado precisa barrar projeto aprovado na
Câmara que cria exceção na lei para facilitar contratações
A Câmara aprovou na
semana passada um projeto que muda a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) para excluir dos limites dos gastos com pessoal as despesas com o
pagamento de funcionários terceirizados. A proposta, que será ainda submetida
ao Senado, cria no Orçamento a rubrica “Outras despesas com pessoal”, em que
abriga uma espécie de folha de pagamentos paralela. O risco de descontrole
fiscal é evidente, por isso os senadores precisam derrubá-la.
A mobilização política no Congresso para
facilitar a contratação de terceirizados coincide com o início do entendimento
entre estados e União para renegociar dívidas. Caso o Projeto de Lei seja
aprovado no Senado, as despesas com pessoal tenderão a crescer, pondo em risco,
além do equilíbrio fiscal, a própria operação de socorro financeiro.
As despesas de União, estados e municípios com a folha dos servidores estão na faixa dos 9% do PIB, acima do que gastam Peru (6,2%), Chile (6,8%) e países ricos como Alemanha (5,9%), França (8%) ou Reino Unido (7,3%). A LRF estabelece que os gastos com salários não podem ultrapassar 50% da receita corrente líquida federal e 60% da estadual ou municipal. Essas barreiras de contenção serão demolidas se o projeto for aprovado pelo Senado.
Tais números mostram que não faz sentido
aumentar as despesas com terceirizados. Além disso, o controle da despesa com
pessoal é fundamental para a saúde fiscal do Estado. Brechas na LRF só deveriam
ser abertas em casos excepcionais, como uma crise sanitária ou tragédia
climática.
O Ministério da Gestão e Inovação tem lançado
concursos públicos para repor vagas em repartições federais. Antes disso,
porém, o governo deveria ter promovido uma ampla reforma administrativa das
carreiras, de modo a eliminar as distorções, otimizar o uso dos recursos
humanos e reduzir o peso que a folha de pagamentos dos servidores exerce sobre
os gastos públicos. Preferiu o caminho mais fácil. Errará mais uma vez, de
forma grave, caso use a retirada dos terceirizados das despesas de pessoal para
ampliar o contingente do funcionalismo estável.
Não se trata de estigmatizar a terceirização
de serviços públicos. Vários exemplos mostram que ela pode ser positiva. É o
caso da área de saúde, em que o atendimento tem melhorado quando governos
passam a gestão de hospitais e postos de saúde a organizações sociais. Bem
fiscalizada, a terceirização é uma forma de contornar a rigidez anacrônica da
legislação que rege o serviço público e impede a cobrança de eficiência.
Mas isso não significa que os limites
estabelecidos pela LRF devam ser ignorados. A exclusão dos gastos com
terceirizados das despesas de pessoal incentivaria as contratações oportunistas
com fins eleitorais. Aprovada a lei, o Brasil regrediria na preservação do
interesse público contra a ação de grupos de interesses privados. O Senado tem
de barrá-la.
Melhora de protocolos médicos não evita
tragédia em estádio de futebol
O Globo
Morte de jogador uruguaio no Morumbi revela
que, apesar dos avanços, ainda é preciso fazer mais
A morte
trágica do jogador do Nacional de Montevidéu Juan Izquierdo, de
27 anos, depois de desmaiar em jogo no Morumbi contra o São Paulo na semana
passada, revelou a importância dos protocolos de atendimento a emergências nos
estádios de futebol.
Elas não são frequentes, mas clubes, comissões técnicas e os próprios estádios
precisam ter condições de dar a primeira assistência aos atletas de modo
eficaz.
Nos últimos 20 anos, houve melhora
significativa. Em 2004, no mesmo estádio, o também zagueiro Serginho, do São
Caetano, caiu desacordado em jogo contra o São Paulo. Foi levado ao hospital e
morreu horas depois. Como Izquierdo, ele sofria de arritmia. Na ocasião, a
ambulância estava trancada. Serginho teve de ser levado de carro-maca e esperar
até poder ser transportado ao hospital. Os desfibriladores, que reanimam ou
tentam estabilizar o coração por meio de choques, estavam no centro médico do
Morumbi e não eram portáteis.
Depois da morte de Serginho, passou a haver
exigência de duas ambulâncias nos jogos, equipadas para atender pacientes de
alto risco. Os estádios também tiveram de ser reformados para permitir acesso
rápido ao gramado. Hoje é obrigatório haver dois desfibriladores automáticos em
cada banco de reservas, diz Jorge Pagura, coordenador médico da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF).
As mudanças feitas a partir da experiência
trágica com Serginho puderam ser observadas a partir do momento em que
Izquierdo cambaleou, tropeçou e caiu desacordado. Ele foi logo cercado por
jogadores dos dois times. A ambulância entrou em campo em cerca de 30 segundos
e, em quatro minutos, ele foi levado a um hospital próximo do estádio, onde foi
mantido na Unidade de Terapia Intensiva até morrer no dia seguinte.
A morte trágica mostra que, apesar dos
avanços dos últimos anos, ainda é preciso melhorar os protocolos adotados nos
esportes de alto rendimento. É correta a iniciativa de aumentar o número de
profissionais capazes de prestar socorro em situações de emergência. Mesmo que
o protocolo atual traga alguma segurança, o próprio Pagura acredita que ele
pode ser aperfeiçoado, estendendo a árbitros e integrantes da comissão técnica
o treinamento para atendimento.
Mas só isso não basta. É fundamental também
agir na prevenção. Quanto mais cedo doenças cardíacas são descobertas, melhor.
Já são obrigatórios exames cardiológicos na documentação para o registro dos
atletas. O departamento médico dos clubes tem de atestar junto à CBF que o
jogador está em condições de praticar o esporte e anexar os exames realizados.
A morte de Serginho também criou nos clubes a rotina de fazer exames
periódicos. Mas nem sempre ela é cumprida ou as conclusões negativas — que
podem levar ao fim da carreira do atleta — são respeitadas. A omissão pode ser
fatal.
É preciso bem mais que gastos para enfrentar
crime organizado
Valor Econômico
Falta uma coordenação nacional, com o apoio
da União em íntimo relacionamento com os governos estaduais
Os crescentes gastos dos Estados com
segurança pública impressionam, mas nem sempre são uma resposta eficiente e
bem-sucedida dos governos à altura da preocupação da população com o assunto.
Levantamento feito pelo Valor (30/8)
com base nos relatórios resumidos de execução orçamentária mostra que o gasto
consolidado com segurança pública dos 26 Estados e Distrito Federal no primeiro
semestre somou R$ 55,76 bilhões, 14,2% a mais em termos reais do que no mesmo
período de 2018, e acima dos 9% de incremento das despesas totais. Em relação
ao mesmo período de 2023, cresceram 4%, descontada a inflação.
A segurança pública foi o quarto foco de
despesa que mais cresceu nos Estados nesse período. Somente aumentaram mais os
gastos com saúde, educação e assistência social. Os dois primeiros têm
vinculação obrigatória com a receita orçamentária, mas, juntamente a
assistência social, cresceram ainda mais em consequência da demanda
extraordinária criada pela pandemia.
Os gastos com segurança pública têm
participação expressiva de 9,1% da receita total dos Estados, apenas inferior
aos 16,7% da Previdência Social, dos 15,1% da Educação e dos 13% da saúde.
Em 15 dos 26 Estados mais o Distrito Federal,
as despesas com segurança pública ficaram acima da média de 9,1% das receitas.
O Estado que mais gasta nessa base de comparação é o Rio de Janeiro, com 15,1%
das receitas, seguido de Rondônia, com 14,1%, Alagoas, com 13%, Rio Grande do
Norte, com 12,1%, e Amapá, com 12%. Na outra ponta estão São Paulo, com 4,7%
das receitas, Santa Catarina, com 7,2%, Piauí, com 7,3%, Pernambuco, com 7,4%,
Maranhão e Mato Grosso do Sul, com 7,8% cada um.
Gastar mais não significa ser bem-sucedido no
combate ao crime. Apesar de ser o Estado que mais gasta em segurança, o Rio de
Janeiro está entre os mais inseguros do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo o indicador de
quantidade de mortes violentas por 100 mil habitantes. De acordo com o anuário,
o Estado do Rio teve 28,5 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2023,
acima da média nacional de 23.
O mesmo raciocínio vale para os demais.
Rondônia tem o índice de 29,9 mortes violentas para 100 mil habitantes;
Alagoas, 38,5, Rio Grande do Norte, 31,6. O Amapá é o Estado brasileiro mais
violento, com 69,9 mortes por 100 mil habitantes, e nele fica o município mais
violento do país, Santana, região de porto, rota internacional de drogas.
Já entre os que menos investem em segurança
em relação às receitas estão Estados com menor violência pelo critério do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo marcou no anuário 7,8 mortes
violentas por 100 mil habitantes. Santa Catarina registrou 8,9 mortes por 100
mil habitantes.
As estatísticas de mortes violentas, porém,
não são o único indicador de insegurança da população. Pesquisas de opinião
pública recolhem relatos de temor com crimes como assalto violento nas ruas ou
em casa, roubo de celular, violência de gênero e racial, e até contato
agressivo dos próprios policiais, que ganham espaço nas redes sociais, tornando
a segurança um dos principais temas dos debates políticos nas eleições
municipais deste ano.
Os governadores são favoráveis a uma maior
participação do governo federal na segurança, em especial nas questões mais
complexas como o combate ao crime organizado. Aguardam a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) do ministro da Justiça e Segurança, Ricardo Lewandowski,
apresentado ao presidente Lula no início de agosto e que ainda não veio à luz,
provavelmente aguardando uma costura política bem feita e um espaço na agenda
do Congresso em ano eleitoral.
O principal foco da segurança pública deveria
ser o crime organizado, já ramificado em todo o território nacional e enraizado
em negócios legais para realizar lavagem de dinheiro, tráfico de drogas,
construções clandestinas, grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e
mais uma lista sem fim de ilícitos. A maneira com que as polícias estaduais têm
combatido a violência tem sido mais usar as armas que o cérebro. O crime
ultrapassa as fronteiras estaduais, tornou-se ameaça nacional, e apenas dinheiro
não basta, como tem mostrado a realidade. Falta uma coordenação nacional, com o
apoio da União em íntimo relacionamento com os governos estaduais.
Há a expectativa positiva com a PEC: o
governo federal ficaria responsável por alinhar e coordenar estratégias, e
organizar as informações. Há grave falta de estatísticas confiáveis e
consolidadas. O país não tinha, e só agora está perto de ter, carteira de
identidade única emitida centralizadamente e válida para todo o território
nacional - era possível tirar este documento em vários Estados, facilitando
fraudes. O governo paulista, ao desbaratar células do PCC em empresas de vários
ramos na capital, mostrou o valor da inteligência financeira, retirando das
quadrilhas recursos milionários, estratégia vital para reduzir sua capacidade
de atuação.
Governo petista apresenta mais um Orçamento
ficcional
Folha de S. Paulo
Meta de déficit zero depende de alta
improvável de receitas; previsões frustradas minam credibilidade da política
fiscal
Desde que promoveu, com apoio do Congresso,
uma ampliação inaudita do gasto público antes mesmo da posse presidencial, o
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
segue um mesmo padrão em suas promessas de ajuste orçamentário.
Apresentam-se metas aparentemente ambiciosas
para o saldo das contas do Tesouro; os objetivos, porém, baseiam-se em
estimativas demasiadamente otimistas para a arrecadação de impostos e o avanço
das despesas; quando os resultados desmentem as projeções, mudam-se as metas ou
anuncia-se algum remendo para evitar o pior.
Essa rotina —que evidentemente corrói
cada vez mais a credibilidade da política fiscal—
vem sendo seguida à risca no Orçamento deste ano e já dá as caras no projeto
para o próximo, recém-enviado ao Congresso.
Recorde-se que, quando se aprovou a nova
regra para o controle do gasto federal, fixou-se para 2025 a meta de superávit
primário (cálculo que não inclui os encargos com juros) equivalente a 0,5%
do PIB,
ou cerca de R$ 60 bilhões. Logo ficou claro que o número não seria atingido sem
controle de despesa.
Mudou-se, então, o objetivo, para um mero
equilíbrio entre receitas e dispêndios. Agora, com o projeto de Orçamento
elaborado pelo Executivo para o ano que vem, descobre-se que o prometido
déficit zero depende de
uma arrecadação extra de R$ 166 bilhões —o que corresponde a um
ano inteiro de Bolsa Família.
Essa miragem, como se tornou hábito, é
oficialmente esperada como efeito de medidas já tomadas e propostas de aumento
de impostos apresentadas pela Fazenda ao Congresso, que somam R$ 46,5 bilhões.
Há méritos, sim, em boa parte das iniciativas
do ministro Fernando
Haddad para rever o excesso de privilégios tributários no país.
Entretanto colocar todas as fichas na elevação de uma carga já excessiva é
política e economicamente irrealista.
O governo petista insiste em buscar receita
de 19% do PIB, patamar só atingido em 2007, no segundo mandato de Lula —quando
se vivia o auge do boom de commodities que impulsionava a atividade econômica e
a arrecadação. Mesmo que a cifra seja alcançada, no entanto, a despesa, se nada
for feito, cedo ou tarde será ainda maior.
Mais provável é a repetição do que se observa
neste ano. Tem havido expressiva expansão das receitas, mas não nas proporções
previstas no Orçamento. A estimativa oficial já foi reduzida em R$ 23,7
bilhões, mas os R$ 2,168 trilhões agora esperados ainda estão R$ 30 bilhões
acima dos cálculos mais consensuais entre analistas independentes.
A arrecadação
não tem como vencer a corrida contra os gastos nas condições e
necessidades atuais. A menos que se revejam as regras que impõem alta contínua
de desembolsos de caráter obrigatório, os projetos de lei orçamentária
continuarão sendo meros exercícios de autoengano.
Extremismos emergem na Alemanha
Folha de S. Paulo
Primeira vitória de um partido de
ultradireita desde o nazismo e avanço da esquerda radical em pleitos locais
preocupam
Ecos do passado se fizeram presente na
democracia alemã no fim de semana, com resultados em pleitos locais que favoreceram
partidos extremistas à direita e à esquerda.
O destaque foi a vitória projetada para a AfD
(Alternativa para a Alemanha)
na eleição legislativa da Turíngia; na vizinha Saxônia, a legenda ficou em
segundo lugar.
É o melhor resultado de uma sigla de extrema
direita desde março de 1933, quando os nazistas chegaram ao poder com 43% dos
votos —ante 2,6% em 1928— e deram início a um governo totalitário que só
chegaria ao fim com a obliteração da Alemanha na Segunda
Guerra Mundial, em 1945.
Apesar da tentação de associar ambos os
eventos, o contexto atual é outro. A AfD é um saco de gatos unidos por uma
agenda anti-imigração e de rejeição ao projeto de integração da União
Europeia. Não há também, a exemplo do fascismo de manual, uma única
liderança carismática.
Muitos de seus membros demonstram simpatias
públicas pelo neonazismo, num país que criminaliza qualquer elegia ao regime
violento de Adolf Hitler,
que levou à guerra, ao Holocausto e à divisão do país em metades comunista e
capitalista por 45 anos.
Isso é preocupante, por mais que haja
esforços de normalização de discurso. Não é certo, contudo, que a AfD consiga
governar, dado que com 33% de votos projetados precisaria de um parceiro de
coalizão ora inexistente.
Mas o que importa é a disposição do eleitor
para ouvir os radicais. Evidencia disso também é o bom
desempenho de uma agremiação de extrema esquerda, a BSW (Aliança
Sahra Wagenknecht, nome em homenagem à sua líder), que ficou em terceiro lugar
nos dois estados.
Uma colcha de retalhos política, o grupo
mistura ojeriza a imigrantes, agenda econômica que beira o comunismo,
conservadorismo de costumes e russofilia.
Divide bandeiras com a AfD, lembrando a
dualidade paradoxal dos anos 1930, quando nazistas e comunistas se digladiavam
nas ruas e urnas alemãs. Em comum com aquele tempo, o esvaziamento da política
tradicional.
Os resultados, se não servem para projetar
uma onda nacional, estão em linha com insatisfações
registradas em outros cantos da Europa e do mundo.
Turíngia e Saxônia são estados que integravam
a antiga Alemanha Oriental e têm padrão de vida inferior ao da porção
capitalista do país. Pesquisas apontam ressentimento com isso, o que implica,
como ocorreu no pleito francês deste ano, peculiaridades às suas escolhas —sem
lhes privar do caráter de advertência.
O governo só pensa naquilo
O Estado de S. Paulo
Ao tornar a propor aumento da tributação para
compensar a desoneração da folha, o governo ignora a necessidade de rever
gastos para reequilibrar o Orçamento de forma estrutural
O poeta grego Arquíloco escreveu no século
7.º antes de Cristo que “a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma
única grande coisa”. Atualizando o aforismo, o governo de Lula da Silva é como
o ouriço: só consegue enxergar as contas públicas pela lente da arrecadação,
jamais pelo corte efetivo e estrutural de gastos. Assim, fiel à sua natureza de
ouriço, o Executivo manterá a aposta nas receitas para salvar a meta fiscal de
2025. No mesmo dia em que enviou a proposta de Orçamento ao Congresso, o Executivo
protocolou também um projeto de lei para elevar a tributação dos Juros sobre
Capital Próprio (JCP) e as alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL) – em 1 ponto porcentual (p.p.) para todos os setores e em 2 p.p.
para o setor financeiro.
O projeto, segundo o ministro Fernando
Haddad, servirá como uma espécie de garantia a ser acionada caso as propostas
aprovadas pelo Senado para compensar a desoneração da folha de pagamento de
setores econômicos e dos municípios não sejam suficientes para cobrir a
renúncia. Se forem, “tanto melhor para nós”, disse o ministro.
Não é a primeira vez que o governo tenta
aumentar a arrecadação desses tributos para arcar com a desoneração. No caso da
CSLL, ela foi prontamente rechaçada pelo Senado assim que apresentada pelo
Ministério da Fazenda, enquanto a elevação da alíquota de Imposto de Renda
Retido na Fonte (IRRF) dos Juros sobre Capital Próprio das empresas, de 15%
para 20%, foi retirada do parecer da desoneração quando ficou claro que ela
seria rejeitada.
Como se ainda restasse alguma dúvida sobre a
resistência do Congresso a essas medidas, o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), fez questão de expor sua contrariedade à proposta em um evento de que
participou no fim de semana. Segundo ele, aprová-la é quase impossível.
Mais uma vez, o pretexto do governo para
justificar o envio da medida é a desoneração, embora o problema do
desequilíbrio do Orçamento seja estrutural, ou seja, bem mais profundo e
antigo. Tanto é verdade que especialistas em contas públicas voltaram a manifestar
preocupação sobre o risco da estratégia do governo de contar com receitas
incertas para cumprir a meta fiscal. A diretora da Instituição Fiscal
Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto, disse que a proposta do Orçamento
“não está muito realista”.
Com previsões mais otimistas que as do
mercado para o crescimento do PIB e para a inflação, o governo consegue
projetar receitas maiores e despesas menores no papel. Qualquer mudança nesse
cenário gera a necessidade de bloqueios e contingenciamento de gastos para não
ultrapassar o limite de despesas e cumprir a meta fiscal, o que impõe
dificuldades na execução do Orçamento.
De fato, fica difícil acreditar em um projeto
que estima arrecadar R$ 166,2 bilhões em receitas extras no ano que vem, das
quais R$ 46,8 bilhões dependem da aprovação do Congresso para entrar em vigor,
enquanto prevê um corte de despesas bem menor, da ordem de R$ 25,9 bilhões, boa
parte por meio da revisão do cadastro de benefícios sociais e assistenciais.
Mantém-se uma confiança digna de fé nos
efeitos da retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf). Para 2025, espera-se arrecadar R$ 28,5 bilhões, bem menos que
os R$ 54 bilhões esperados para este ano, mas muito acima dos ínfimos R$ 87
milhões efetivamente gerados pela medida até julho.
São questões amplas, para as quais o governo
não tem resposta e que vão muito além da desoneração da folha de pagamento,
transformada em bode expiatório a obrigar o Executivo a aumentar a carga
tributária para evitar o descumprimento da meta fiscal.
Seria o momento de o governo começar a pensar
no acionamento dos gatilhos do arcabouço fiscal que ele mesmo elaborou e se
propôs a seguir, especialmente o veto à criação de novas despesas obrigatórias.
Mas parece ser melhor investir em um misto de teimosia, otimismo e
enfrentamento para entregar o déficit zero em vez de reconhecer e lidar com a
dura realidade. Quem não acredita não pode ser acusado de estar torcendo
contra.
O cabideiro do PT na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Ao lotear cargos na petroleira entre
indicados de sindicalistas e políticos, governo Lula não surpreende ninguém:
para os petistas, as estatais servem para isso mesmo
Ao menos 35 indicações de nomes ligados ao PT
e a autoridades do governo federal para cargos estratégicos na Petrobras foram
efetivadas nos primeiros cem dias da gestão de Magda Chambriard. A executiva
assumiu o comando da companhia depois que o ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN)
foi demitido por Lula da Silva em meio a uma disputa de poder político no
primeiro escalão do governo. A mudança na presidência foi a deixa para mais uma
rodada de loteamento de cargos, prática corrente que explica, em boa medida, a
obsessão do PT pela intervenção estatal na economia.
Levantamento feito pelo Estadão mostra
que a distribuição de cargos não ocorreu de forma aleatória. Pelo contrário,
além das previsíveis mudanças na alta cúpula, é com precisão cirúrgica que
estão sendo trocados integrantes de cargos-chave nos comitês que assessoram a
diretoria executiva e o Conselho de Administração e nas gerências executivas,
responsáveis pela gestão operacional. Com isso, ao mesmo tempo que tira
proveito da oferta de cargos a apadrinhados políticos, a gestão lulopetista
monta uma rede para facilitar o encaminhamento de questões que lhe são caras
dentro da empresa.
São substituições que atingem, por exemplo, o
Comitê de Pessoas, que avalia se a política de indicações obedece aos
requisitos de governança da empresa. É a instância que, ultimamente, tem
atrapalhado os planos do governo Lula, ao emitir pareceres rejeitando nomeações
pelos mais diversos conflitos. As recomendações têm sido ignoradas pelo
governo, que tem manobrado para burlar as regras internas, mas não sem
desgastar um pouco mais a imagem da empresa.
O aparelhamento chega a setores como o de
auditoria, que avalia os riscos de cada projeto da Petrobras para verificar se
o retorno esperado justifica o investimento – uma precaução imprescindível a
qualquer empresa que pretenda manter equilibrado seu grau de solvência, com um
nível de endividamento que não comprometa o patrimônio. Mas, num governo em que
o equilíbrio fiscal é frequentemente questionado pelo próprio presidente, com
sua recorrente cantilena de que gasto é “investimento”, não há como esperar prudência
na Petrobras.
A indicação de pessoas de confiança de
ministros para cargos em áreas como engenharia e exploração de petróleo,
dispensando qualquer conhecimento prévio sobre a empresa ou mesmo sobre o
setor, é a comprovação absoluta do descaso. Como detalhou a reportagem, a lista
é grande: vai de assessores de ministérios a sindicalistas e delegados,
passando até pela irmã de um doador de campanha eleitoral. É um método em
muitos aspectos semelhante ao que foi adotado nas gestões petistas e que deu
origem ao “petrolão”, com denúncias de propinas, subornos, malversação de
recursos e superfaturamentos de obras.
O PT, como sabemos, finge que o petrolão
nunca existiu, e afeta indignação quando se toca no assunto. É o mesmo espírito
que norteia explicações como a da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que
nega ter participado das escolhas, mas classifica os indicados como donos de
“currículos invejáveis”, o que ofende a inteligência alheia. Sob Lula da Silva,
a FUP ganhou status e poder na Petrobras, atuando quase como uma diretoria à
parte. Do mesmo modo, requer uma dose considerável de ingenuidade crer na versão
do Ministério de Minas e Energia (MME), que informa não ter feito qualquer
indicação – embora 3 dos 11 conselheiros administrativos deem expediente no
MME.
A reportagem mostra que os ministros de Minas
e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, tiveram participação
ativa na mudança na presidência da Petrobras, que não estava atendendo a
contento a todos os anseios do governo, a despeito do esforço de Jean Paul
Prates de colocar em prática decisões do governo, como a mudança na política de
preços dos combustíveis para “abrasileirá-los”.
Na visão do governo Lula da Silva, a
principal função das estatais parece ser a de cabide para pendurar não só os
apadrinhados, como também para dar a essas pessoas a tarefa de atender aos
desejos do governo, sejam quais forem. Não surpreende que bancos de
investimentos, como Citi, UBS e HSBC, tenham distribuído a seus clientes
relatórios alertando sobre a visível deterioração nas regras de governança da
Petrobras.
Candidatos, respeitem o eleitor
O Estado de S. Paulo
Ao que parece, o comportamento do arruaceiro
Marçal se tornou o padrão dos debates na TV
Já está pacificado que Pablo Marçal (PRTB)
lançou sua candidatura à Prefeitura de São Paulo basicamente para promover
vandalismo político, sem qualquer sinal de responsabilidade e nenhum
compromisso com a cidade e seus cidadãos. No entanto, ao invés de ser ignorado
pelos demais candidatos, em nome de uma disputa que priorize os problemas reais
da cidade, Marçal parece ter conseguido converter seu comportamento de
arruaceiro em padrão dos debates. No mais recente, ficou claro que todos os
candidatos ali estavam mais empenhados em atacar uns aos outros, algumas vezes
em termos próprios das brigas de valentões no recreio, do que em falar de seus
planos de governo.
No encontro promovido pela TV Gazeta e pelo
site MyNews, houve em certos momentos uma espécie de competição para ver quem
conseguia ser tão desagradável quanto Marçal. Com exceção de José Luiz Datena
(PSDB), que, como Marçal, nunca exerceu mandato eletivo, os demais ali tinham
todos uma razoável experiência nas lides políticas – em que, a despeito do
calor dos debates, se exige um mínimo de respeito e compostura diante de
opiniões divergentes. Infelizmente, não foi o que se viu: o debate mostrou que
a política paulistana parece ter sido contaminada pelo vandalismo de Marçal.
Houve descumprimento de regras, muitos
pedidos de direito de resposta, gritaria fora dos microfones e até ameaça de
agressão física. É claro que debates eleitorais na TV desde sempre são travados
sob uma atmosfera de confronto, razão pela qual é comum que haja alguma
altercação que mereça a intervenção dos mediadores. A questão é que,
aparentemente, sejam quais forem as regras ou o rigor dos organizadores, os
debates nas eleições paulistanas deste ano estão fadados a se transformar em
rinha: todos parecem ocupar o púlpito como se estivessem no corner antes de um
combate de vale-tudo.
De fato, não é fácil adaptar toda uma
estratégia de campanha e de participação nos debates à presença disruptiva de
um aventureiro profissional como Pablo Marçal, que, como uma criança, não
conhece limites. Ocorre que a resposta dos adultos não pode ser mais infantil
que a do moleque que os desafia. Ao fazer dos debates um torneio de “lacração”,
desses que fazem a alegria das redes sociais irresponsáveis, os candidatos
paulistanos ofendem-se uns aos outros e, com isso, ofendem os eleitores.
De Marçal não se espera nada mesmo, uma vez
que ele só está na campanha para bagunçar. Já os demais candidatos, se
realmente nutrem genuíno desejo de governar a cidade, deveriam refletir se não
seria o caso de desarmar os espíritos e investir numa campanha que olhe para o
eleitor como o pagador de impostos que será afetado por suas políticas, e não
como o frequentador de redes sociais que vibra a cada agressão.
Espera-se que nos próximos debates o bom
senso seja restituído e as propostas sejam, enfim, apresentadas. Os paulistanos
procuram por um prefeito competente, não por um baderneiro destemperado.
Educação contra o endividamento
Correio Braziliense
Os especialistas divergem sobre os perfis
previstos na lei para identificar bons e maus pagadores, mas têm consciência de
que falta educação financeira aos brasileiros de todas as idades
No Brasil e no mundo, o consumo é uma das
forças motrizes da economia. É por esse mecanismo que governos conseguem
irrigar e dar sustento às mais diversas políticas, inclusive sustentar a
máquina pública, e empresas privadas mantêm as portas abertas. Uma parte dessa
engrenagem, porém, é mais vulnerável. Com o incentivo ao consumo, abre-se
caminho para o superendividamento dos cidadãos.
Hoje, estima-se que, dos 72,6 milhões de
brasileiros inadimplentes, 15 milhões compõem o grupo dos superendividados —
aqueles com impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraíram, sem
comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Entre os devedores, de acordo com
a lei vigente, há os que, por um infortúnio, como o desemprego, perderam a
capacidade de honrar os compromissos e se deparam com obstáculos impostos pelos
agentes financeiros que dificultam, ou impedem, a negociação da dívida (devedores
inconscientes ou imprudentes). Mas há também os que, propositalmente, gastam
muito além do que a sua renda permite, ou seja, se tornam devedores de má-fé,
com débitos impagáveis.
O valor médio das dívidas acumuladas é de R$
5.373,46. Até julho passado, a dívida total no país chegou a R$ 72,6 milhões,
segundo o mais recente Mapa da Inadimplência da Serasa, e seguia com tendência
de crescimento, como previsto na reportagem A difícil vida de um
superendividado, publicada, no último domingo, pelo Correio Braziliense. Para
esse grupo, desde 2021, está em vigor a Lei dos Superendividados (Lei nº
14.181). Ela não é voltada à anistia dos devedores, pois seria um incentivo aos
calotes, mas assegura ao endividado "o mínimo existencial" — hoje, no
valor de R$ 600, fixado pelo Decreto nº 11.567/23, assinado pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Não à toa, o valor do "mínimo
existencial" é objeto de severas críticas dos defensores públicos. Eles
levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) por entenderem que R$ 600
não propiciam dignidade humana e impedem que o beneficiado tenha meios de
bancar os gastos com moradia, alimentação, vestuário, tarifas de água, energia
e gás. A lei, no entanto, obriga os bancos a reverem os contratos dos clientes
e pode punir os devedores conscientes.
Os especialistas divergem sobre os perfis
previstos na lei para identificar bons e maus pagadores, mas têm consciência de
que falta educação financeira aos brasileiros de todas as idades — os idosos,
por exemplo, representam quase 19% dos que enfrentam dificuldades para quitar
as dívidas. Instituições bancárias e cooperativas de crédito têm trabalhado no
sentido de educar seus clientes para evitar prejuízos e, ao mesmo tempo,
orientá-los para que não experimentem o dissabor do endividamento impagável, segundo
levantamento do Banco Central.
Esse compromisso com dinheiro deveria ser
válido para todos os demais segmentos da sociedade, alcançando vários setores
produtivos. Mas deveria estar presente, principalmente, na grade curricular das
escolas, para que as novas gerações tenham mais condições para romper esse
ciclo de consumo danoso. Nos casos dos jovens menos abastados, seria, também, a
possibilidade de eles, ao aprenderem a gerir e aplicar seu dinheiro, tornarem
os resultados trampolim para ascensão socioeconômica.
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