Folha de S. Paulo
Será preciso reinventar a forma de fazer
política para enfrentar ameaças à democracia
Estamos completando 200 anos de uma
trajetória constitucional intensa e acidentada. Intensa pois o corpo das
sucessivas Constituições e Cartas Constitucionais têm sido o campo onde se
travaram as principais disputas em torno do destino da nação. Da unidade
nacional à Abolição, passando pelo federalismo, a construção da ordem
conservadora, o desenvolvimentismo, assim como a promoção da democracia e dos
direitos, tudo passou pela arena constitucional.
Essa constante disputa gerou, no entanto, uma história constitucional acidentada, que nos levou a adotar diversas linhagens de constituição. Quatro Cartas centralizadoras e conservadoras, impostas por governantes autoritários; e quatro Constituições liberais ou progressistas, resultantes de processos mais ou menos inclusivos.
Além das cicatrizes deixadas pelas rupturas, há, de um lado, sequelas crônicas das promessas constitucionais não cumpridas, como a violência, as profundas desigualdades e as dificuldades econômicas. De outro lado, um forte ressentimento com tudo aquilo que ameace privilégios e a hierarquia social.
Nosso constitucionalismo sempre esteve
submetido a uma forte tensão entre aqueles que apostam no aprofundamento da
democracia, do federalismo, do Estado de Direito e da ampliação de direitos e
os que acreditam que apenas o fortalecimento do poder central e da ordem
conservadora serão capazes de promover o desenvolvimento. Em comum, ambos os
polos parecem tolerantes com um ineficiente capitalismo de compadrio.
A Constituição de 1988 foi, em grande medida,
uma resposta a essa tensão. Ponto culminante do processo de transição, resultou
de um compromisso entre as principais correntes que povoaram nosso terreiro
político. Adotou um sistema político consensual, como resposta à tradição
populista e autoritária do presidencialismo. Fortaleceu o Parlamento, o
Judiciário e a federação. Ampliou direitos, especialmente dos grupos
vulneráveis e tradicionalmente discriminados. Olhou para a frente, determinando
investimentos obrigatórios em educação e saúde e protegendo o meio ambiente.
Fez tudo isso sem, no entanto, remover privilégios, mecanismos regressivos e um
capitalismo impotente.
Nos últimos anos, esse projeto de
Constituição, de linhagem pluralista e social-democrática, vem sendo desafiado
não apenas pelas tradicionais forças da ordem conservadora e hierárquica como
por uma concepção libertária e pré-política. Um individualismo radical, focado
no sucesso individual, que não aceita regras e despreza valores democráticos.
Figuras como as do multibilionário Musk e
do multimilionário Marçal,
que capturaram o noticiário político brasileiro nesta semana, ameaçando e
debochando das instituições, simbolizam os novos desafios que as democracias
constitucionais, não apenas a brasileira, terão que enfrentar na próxima
quadra.
A defesa da democracia constitucional não
pode ser deixada apenas sob a responsabilidade de suas instituições. A Justiça
não substitui a política. Sem que o campo democrático seja capaz de reinventar
a forma de fazer política e cumprir suas promessas, dificilmente legará às
futuras gerações o seu patrimônio constitucional, ainda que imperfeito, que
recebeu.
Muito bom! Nossa Democracia e nossa constituição foram ameaçadas pelo GENOCIDA Bolsonaro e pelos seus apoiadores golpistas e milicianos. Agora fortalecidos por criminosos como Trump, Musk e Marçal.
ResponderExcluirHá anos defendo a primasia estratégica programática da questão econômica. Está no Art 174 da Constituição. Sem Planejamento e crescimento acelerado, base portadora das mudancas estrtuturais, a Democracia não se legitima.
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