Folha de S. Paulo
Diversos ministros do STF estão entre os
principais responsáveis pela difusão da ideia de que o respeito aos direitos do
trabalhador é voluntário
Pablo Marçal tem
feito da carteira de trabalho uma arma de sua campanha para Prefeitura de São Paulo.
Quando perguntado sobre o fato de algumas de suas empresas não terem
nenhum empregado com carteira assinada, respondeu sem
cerimônia: "a maior parte é terceirizada, pois a gente mexe com muita
tecnologia". Como se a economia digital não estivesse subordinada às
regras da Constituição.
A resposta fala não apenas dos princípios do controvertido candidato, ou da falta deles, mas reflete também uma percepção, cada vez mais generalizada, de que o regime dos direitos fundamentais do trabalhador, tal como estabelecido pelo artigo 7º da Constituição Federal, tornou-se facultativo. Respeita quem quiser.
Entre os principais responsáveis pela difusão
dessa ideia de que o respeito à Constituição é voluntário, encontram-se,
paradoxalmente, diversos ministros do Supremo Tribunal Federal.
O fato é que nos últimos anos temos
testemunhado um crescente desacordo entre ministros do Supremo Tribunal Federal
e magistrados trabalhistas, em torno de novas formas de contratação de mão de
obra. No centro da controvérsia estão questões como terceirização, contratação
de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas e, mais recentemente, do
trabalho no âmbito da economia digital, além da própria competência da Justiça
do Trabalho.
Embora o Supremo Tribunal Federal venha
reconhecendo diversas formas de contratação de trabalho, deixou claro na ADPF
324 e no tema de repercussão geral 725 que esses contratos não podem ser
utilizados para encobrir fraudulentamente autênticas relações de emprego, em
que haja subordinação, pessoalidade, constância e onerosidade.
Na prática, entretanto, inúmeros ministros
têm proferido decisões monocráticas, em sede de reclamações constitucionais,
afastando da Justiça do Trabalho a tarefa de verificar, a partir dos fatos
narrados no processo, a ocorrência de fraudes contratuais.
O próprio ministro Alexandre de
Moraes, empenhadíssimo em impedir que as redes sociais e plataformas
se transformem em uma terra sem lei, parece confortável que as relações de
trabalho no âmbito da economia digital ocorram à margem da Constituição e fora
do alcance da Justiça do Trabalho (Reclamação constitucional 59795/MG).
As mudanças tecnológicas e econômicas devem
evidentemente vir acompanhadas de reformas que atualizem a legislação
trabalhista. Não podemos ignorar que numa economia globalizada e altamente
competitiva os modelos institucionais que regulam o mercado de trabalho são
relevantes para o desempenho da economia e, consequentemente, para a
prosperidade dos trabalhadores.
Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, no
entanto, promover essas reformas, ainda mais quando suas decisões se encontram
em conflito com cláusulas pétreas da própria Constituição.
Ao transformar os direitos fundamentais do
trabalhador em um regime facultativo e ao afastar a Justiça do Trabalho de sua
missão constitucional, o Supremo estará não apenas premiando o oportunismo dos
que desrespeitam a lei, como também colocando em risco uma série de conquistas
civilizatórias do trabalhador, indispensáveis à manutenção da coesão social e
da própria estabilidade democrática.
Muito bom!
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