domingo, 22 de setembro de 2024

Rolf Kuntz - Em busca de crescimento sem inflação

O Estado de S. Paulo

Ganham destaque no anúncio do Copom a atividade resiliente, as pressões no mercado de trabalho e o sinistro hiato do produto, desta vez positivo

Crescer é muito perigoso, poderia dizer Riobaldo, se escapasse do Grande Sertão e virasse personagem de um informe do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). O Brasil tem crescido mais do que sua economia pode suportar sem desarranjo inflacionário, segundo afirmou o comitê, na quarta-feira, ao anunciar a alta de juros de 10,50% para 10,75% ao ano. O quadro internacional, o dólar instável e a famosa desancoragem das expectativas são mencionados, como sempre, mas ganham destaque a atividade resiliente, as pressões no mercado de trabalho e, é claro, o sinistro hiato do produto, desta vez positivo.

“Hiato positivo” indica, em linguagem de iniciados, um ritmo de atividade acima da capacidade produtiva. A solução convencional é tirar o pé do acelerador e, talvez, pisar no freio. Mas o crescimento brasileiro tem sido, mesmo, tão exagerado? Se isso for verdade, será preciso aceitar um desempenho menos vigoroso que o de outros emergentes e até de países desenvolvidos? Talvez seja o caso, para variar, de um maior esforço de investimento para aumentar a capacidade produtiva e, portanto, o potencial de expansão da economia. Pode ser a chance de escapar da maldição dos 2%, ainda presente nas projeções de crescimento, e de normalizar um avanço econômico mais acelerado.

O Brasil cresceu 2,9% em 2023 e as projeções do mercado para este ano têm-se aproximado de 3%. No Ministério da Fazenda, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2024 já subiu de 2,5% para 3,2%. Em discurso mais entusiasmado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva profetizou, na quarta-feira, um resultado superior a 3,5%. Mas, em seu novo cenário, os técnicos da Fazenda elevaram também a inflação esperada até dezembro – de 3,9% para 4,25%.

Se essa revisão do cenário dos preços estiver correta, a inflação ficará bem mais distante do centro da meta, fixado em 3%, e muito perto do limite de tolerância, 4,5%. Com esses cálculos, o Ministério da Fazenda revela preocupações muito parecidas com as do Copom, embora sem defender um possível aperto da política monetária. Ao contrário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem mostrado desconforto diante da hipótese de juros mais altos e crédito mais curto.

O ministro, no entanto, mostra-se cauteloso ao falar do assunto, evita pronunciar-se a respeito da gestão monetária e tenta manter uma posição respeitosa em relação ao BC. Até o presidente Lula tem evitado criticar a autoridade monetária. O BC ainda é chefiado pelo economista Roberto Campos Neto, criticado com dureza e até com grosseria, em outros momentos, pelo presidente da República.

O presidente Lula tem procurado, aparentemente, manter um ambiente pacífico até a transferência do posto para Gabriel

Galípolo, por ele indicado para a sucessão. Mas Galípolo, já diretor de Política Monetária do BC, tem exibido, em vários pronunciamentos, a disposição de levar a sério a chefia da instituição e de valorizar sua autonomia operacional, garantida por lei.

Para cumprir a tarefa principal do BC, a manutenção de preços estáveis, Galípolo terá de cuidar, inicialmente, de conduzir a inflação à meta oficial. Em seguida, será preciso mantê-la próxima desse valor. Também é função da política monetária preservar o emprego e, portanto, algum dinamismo econômico, mas a obrigação principal é mesmo cuidar da estabilidade dos preços.

Crescimento e desenvolvimento econômico devem permanecer, portanto, como responsabilidades atribuídas principalmente ao Executivo e ao Legislativo, dentro dos limites da estabilidade monetária. Esses limites serão estreitos, por vários meses, se o BC de fato se dedicar a um sério esforço de preservação da moeda. Mas crescimento econômico e controle monetário poderão coexistir mais facilmente, nesse período, se as contas públicas forem administradas com prudência, sem arroubos presidenciais, sem lances populistas e sem desmandos impostos por grupos parlamentares. O Executivo terá de retomar e exercer com seriedade o indispensável poder sobre o Orçamento, em grande parte perdido na gestão anterior.

Será complicado combinar equilíbrio fiscal e uso produtivo do dinheiro público, mas essa tarefa será incontornável, se o presidente se dispuser, de fato, a repor o Brasil no caminho do crescimento duradouro e da modernização. Alguns ministros têm-se mostrado capazes de enfrentar esse trabalho e até de buscar cooperação no Congresso. Mas dependerão de um firme apoio presidencial, porque haverá obstáculos no Congresso, interesses divergentes no Executivo e pressões de petistas agarrados a velhas bandeiras.

Velhas bandeiras também são agitadas, com alguma frequência, por um presidente Lula ainda atraído por ditadores supostamente de esquerda, ainda preso a noções obscuras, como a de um estranho “Sul Global” (China e Índia serão mesmo países do “sul”?), e aparentemente incapaz de vencer a velha antipatia às grandes potências ocidentais. Mas Lula tem mudado e poderá deixar um legado respeitável, se evitar a recaída no velho petismo.

 

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