segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Sergio Lamucci - Expansão fiscal se combina ao mercado de trabalho aquecido

Valor Econômico

Conjuntura se diferencia não tanto pelo fiscal expansionista ou pelo mercado de trabalho forte, quanto pelo fato de ocorrerem em paralelo, diz Fernando Montero

A economia brasileira passa por um momento de expansionismo fiscal e aquecimento do mercado de trabalho, com alta expressiva do nível de ocupação e da renda. Esse cenário impulsiona a atividade econômica, levando os analistas a projetar um crescimento do PIB no segundo trimestre perto de 1% em relação ao primeiro e de 2,5% ou até mais neste ano [ler mais em PIB pode trazer nova surpresa positiva no 2º tri, estimam economistas). Essa combinação de impulso das contas públicas, especialmente por meio de transferências de renda, e robustez do mercado de trabalho deverá perder força mais à frente, o que obviamente terá efeito sobre o ritmo da economia. Reduzir incertezas, para ter uma cotação mais baixa do dólar e retomar a ancoragem das expectativas de inflação, é fundamental para que a política monetária não jogue com força contra a atividade, num momento em que o estímulo fiscal deverá perder o ímpeto e o emprego e a renda terão menor dinamismo.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, tem chamado a atenção para esse quadro de “enorme expansionismo fiscal” combinado a “um mercado de trabalho aquecido e de rápida recomposição das perdas salariais”, resultando num “tsunami de rendas das famílias na economia”. Com base nos números mais recentes do Tesouro, Montero observa que o gasto primário do governo central, que não inclui despesas com juros, cresceu 14,9% nos 12 meses encerrados em junho na comparação com os 12 meses anteriores, já descontada a inflação. É um ritmo poucas vezes alcançado na série iniciada em 1997, como na pandemia da covid, nota ele.

No caso dos rendimentos, Montero destaca o comportamento da Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias, um agregado calculado pelo Banco Central (BC). Em sua versão restrita, o indicador reúne rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e transferências de programas sociais, excluindo recursos de aluguéis e aplicações financeiras, além de descontar gastos com impostos.

Montero faz uma desagregação da renda do trabalho e das transferências e benefícios fiscais (como programas sociais e aposentadorias). A massa de rendimentos do trabalho está em nível recorde, incluindo aí os funcionários públicos da ativa, que entram nas estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Já os benefícios previdenciários e transferências de programas sociais retomam o pico atingido na pandemia, diz ele.

Montero observa que, nos 12 meses até julho, o conjunto da renda disponível das famílias, no conceito restrito, sobe 18,3% acima da inflação em comparação com 2019, o ano anterior à pandemia. Desagregando os números, os rendimentos do trabalho avançaram 11% nesse período, enquanto as transferências e benefícios cresceram 31,2%, nos dois casos também descontada a inflação, calcula ele. São números que explicam a força da renda e do consumo, resume Montero.

“A conjuntura se diferencia não tanto pelo fiscal expansionista ou pelo mercado de trabalho forte, quanto pelo fato de ocorrerem em paralelo”, afirma ele, em relatório. “O desemprego em mínimos históricos vem juntamente a um dos piores déficits primários fora da pandemia.” Na sexta-feira, foram divulgados os números do mercado de trabalho dos três meses até julho e o resultado fiscal do setor público consolidado de julho. A taxa de desemprego no trimestre até julho ficou em 6,8%, a menor para o período desde o começo da série, em 2012. Já o déficit primário nos 12 meses até julho ficou em 2,29% do PIB, ou R$ 257,7 bilhões, no caso do setor público consolidado, que engloba União, Estados, municípios e empresas estatais, com exceção de Petrobras e Eletrobras. No caso do governo federal, o rombo é ainda maior - 2,42% do PIB, ou R$ 271,7 bilhões.

 

Dado o tamanho do impulso fiscal e da força do mercado de trabalho, há uma força que segura um crescimento ainda mais forte, na visão de Montero. Para ele, é a combinação da política monetária, com juros elevados, e das condições financeiras (o conjunto formado por indicadores como câmbio, juros futuros, bolsa de valores e risco país). “O empurrão de rendas hoje dá enorme impulso que os juros suavizam, mas amanhã precisaremos de espaço para cortar [a taxa de juros]. Até lá, é imperativo que expectativas fiscais e monetárias não dinamitem o cenário para taxas mais baixas”, diz Montero.

Nos próximos meses, o expansionismo fiscal deverá diminuir - o consenso de mercado aponta para um déficit primário de 0,65% do PIB no acumulado de 2024, e hoje o rombo roda na casa de 2,3% a 2,4% do PIB em 12 meses. Além disso, o mercado de trabalho em algum momento deverá perder fôlego. Desse modo, é fundamental preservar o terreno para juros menores, segundo ele.

“O pior dos mundos é um ajuste parcial e pouco crível que combine o contracionismo fiscal com a desancoragem monetária”, adverte Montero.

Hoje, a discussão é se o Banco Central (BC) vai aumentar os juros, que já estão elevados. O dólar caro e as expectativas de inflação desancoradas, com dúvidas sobre o quadro fiscal, apontam para altas da Selic neste ano. Reduzir as incertezas sobre as contas públicas e sobre a atuação do BC a partir de 2025, com a mudança no comando da instituição, seria importante para evitar um novo aperto monetário, ou no mínimo para impedir que ele seja forte e prolongado. Como o resultado das contas públicas deverá ser menos expansionista nos próximos meses e o mercado de trabalho tende a perder gás, a economia poderá sofrer uma desaceleração mais acentuada num ambiente de juros mais altos.

O governo ainda pode agir para que esse quadro não se materialize. No entanto, a falta de disposição para enfrentar estruturalmente o ajuste fiscal pelo lado das despesas, o que seria essencial para reverter expectativas negativas, indica que isso não deverá ocorrer.

 

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