sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Vera Magalhães - A força do cargo na reta final

O Globo

Meios tradicionais da política e avaliação entre regular e boa ainda impulsionam prefeitos em capitais importantes

Depois de representar uma das maiores rupturas em pleitos municipais nos últimos anos, com o incêndio Pablo Marçal tendo virado assunto e modelo para candidatos em todo o país, a eleição vai chegando à reta final com a onda aparentemente contida e os incumbentes, prefeitos que disputam a reeleição, demonstrando a força do cargo e dos meios tradicionais da política.

Quando se faz um sobrevoo nas capitais do país, mesmo mandatários que enfrentaram problemas graves e não se saíram tão bem, como Sebastião Melo (MDB), da devastada Porto Alegre, se mostram competitivos a menos de 20 dias do primeiro turno.

O tira-teima da eleição de 2022, que, se imaginava, seria uma das tônicas da campanha, vai se mostrando um pouco mais complexo. Nem Lula nem Bolsonaro brilham como indutores de votos, com seus candidatos mais próximos tendo dificuldade de herdar a maioria do eleitorado que ambos reuniram há menos de dois anos.

Não que as questões ideológicas estejam fora dos palanques, muito pelo contrário. Nas principais cidades, como a capital paulista, a divisão que tem pautado a política nacional está presente nos debates e nas sabatinas, muitas vezes deixando em segundo plano a discussão mais urgente dos temas que dizem respeito ao dia a dia dos cidadãos.

Mas nuances inesperadas apareceram para mostrar que nem Lula nem Bolsonaro têm assegurada a primazia de ditar os rumos do eleitorado de esquerda e de direita e que circunstâncias específicas da disputa em cada cidade e as características pessoais de seus ungidos também pesam, afinal.

O caso de Ricardo Nunes é um exemplo tanto da força do instituto da reeleição, conjugado a ferramentas da velha política como a grande coalizão capaz de levar ao domínio da propaganda de rádio e TV, quanto da relativização do peso de Bolsonaro. A hesitação do ex-presidente levou o apadrinhamento a mudar de mãos para Tarcísio de Freitas.

Daí por que seja lamentável que, quando já se recupera da debandada de apoios e de votos a que foi submetido justamente pela hesitação de Bolsonaro, Nunes tenha resolvido se curvar no altar da radicalização e renegar a condução correta da pandemia que seu antecessor Bruno Covas fez, com uma declaração negacionista a um extremista bolsonarista investigado pelo STF. Faz isso no momento em que o favoritismo dos incumbentes cujas gestões têm avaliação regular ou positiva começa a ficar claro em todo o país. Um contrassenso.

É um tipo de erro que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, tem conseguido evitar de forma inteligente. O candidato do PSD apresenta rejeição surpreendentemente baixa depois de três mandatos e tantas eleições, inclusive algumas derrotas duras, como a que sofreu ao governo, em 2018, ou a da própria sucessão na Prefeitura, em 2016.

Um desavisado que não saiba que Lula apoia Paes não ficará sabendo. O presidente aparece apenas em leves pinceladas na campanha de um prefeito que faz questão de se apresentar como “síndico”, como diria Tim Maia. Com isso, e a bordo de uma coligação ampla, Paes se mostra à vontade como receptor de boa parcela dos votos de Bolsonaro em 2022, sem precisar pagar o tipo de pedágio vexaminoso a que Nunes se dispôs, justamente por entender a vantagem enorme que representa ser candidato no cargo, tendo o que mostrar.

O mesmo caminho de hackear a polarização a partir do foco na gestão é seguido pelo prefeito do Recife, João Campos (PSB), que emerge como principal nova liderança do país com potencial de representar, enfim, uma alternativa de centro para a política nacional num futuro não tão distante.

 

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