Correio Braziliense
O tempo da política passa a compor outras
dimensões sensoriais e participativas, abrindo espaço para lideranças que,
inclusive, rechaçam a política
Em entrevista ao projeto Fronteiras do
Pensamento, o sociólogo Zygmunt Bauman, em 2011, afirmou que a pós-modernidade
é responsável pelo descolamento da relação entre poder e política nas
sociedades contemporâneas. Cada vez mais espetaculares e espetaculosos, os
discursos políticos e a própria política foram abandonando a dimensão da
transformação do poder para centralizar sua estratégia no empoderamento
individual em detrimento dos sentidos de povo, revolução ou alargamento de um
novo pacto republicano.
No decorrer do século 20, homens e mulheres de partidos e associações conquistaram o poder por meio de golpes, revoluções e vitórias eleitorais, representadas por partidos que expressavam uma vontade coletiva, criando culturas políticas ligadas a um sentimento de libertação nacional ou um próprio desenvolvimento da cidadania moderna. No Brasil e no mundo, políticos e líderes revolucionários eram confundidos com as próprias causas nacionais que lideravam.
Todavia, a partir da década de 1960, diversos
movimentos sociais e culturais começaram a contestar as diversas hegemonias que
buscavam criar um "novo homem". A centralização da figura do
indivíduo nas relações sociais começou a ganhar força com a internet, a
privatização de vários setores públicos, a criação das redes sociais e as
mudanças comportamentais na formação das famílias, no lugar da mulher na
sociedade do trabalho, além da ideia de globalização e individualização do
consumo.
No Brasil, a partir do processo de
redemocratização dos anos 1980, mudanças no perfil político, cultural,
econômico e religioso da sociedade passaram a conviver, também, com
transformações profundas na própria cultura nacional. Um dos principais
retratos dessa transformação encontra-se nos parágrafos constitucionais da
nossa Carta de 1988, que procurou criar uma ideia de Estado de Bem-Estar
Social, em que o indivíduo viu seus direitos e deveres se aproximarem de uma
cultura americanista de sociedade, levando em consideração, aqui, a diversa
tradição desse conceito tão debatido e analisado por intelectuais da estirpe de
Sérgio Buarque de Holanda e Luiz Werneck Vianna.
Tais movimentos americanistas estão presentes
na ascensão das novas religiões evangélicas, na aprovação de reformas liberais
estruturantes, na cultura do empreendedorismo, assim como nas reivindicações
cívicas, que tanto chacoalharam o Brasil em junho de 2013. Desse grande caldo
cultural e político, foram surgindo líderes que não mais eram oriundos das
tradicionais instituições brasileiras ou partidos políticos. Nomes como
Fernando Collor, que se elegeu presidente com um partido minúsculo, em 1989, e
Sergio Moro, então juiz de primeira instância na Lava-Jato, assumiram um papel
de liderança muito representativo em determinadas conjunturas.
Atualmente, um novo nome vem ganhando espaço
no cenário da política nacional. Apesar de estarmos em um período de eleições
municipais, os debates envolvendo os candidatos da cidade de São Paulo estão
ganhando uma repercussão nacional por conta da ascensão do empresário e coach
Pablo Marçal (PRTB) nas últimas pesquisas eleitorais.
Protagonista de um universo da sociedade em
rede, Marçal tinha, antes da campanha, um índice de 5% a 7% das intenções de
voto. No entanto, em meados de agosto, seu apoio triplicou, sendo considerado
favorito em algumas pesquisas. Visto por alguns como uma ameaça à democracia e,
por outros, como um novo líder da direita, Marçal se identifica como um novo
representante da direita brasileira, que, ancorada na liderança de Jair
Bolsonaro, pluraliza-se desde as eleições de 2022, quando diversos governadores
assumiram estados da região centro-sul e, naturalmente, foram colocados como
herdeiros do bolsonarismo.
A velocidade e o impacto que a campanha de
Marçal vem causando nas elites políticas brasileiras e na cobertura das
diversas mídias corrobora com as impressões destacadas por Bauman na década
passada, quando a nova Ágora deixa a esfera das instituições e passa a compor o
império decisório do superindivíduo na deliberação momentânea das redes
sociais, em que as críticas positivas e negativas são construídas em um ritmo
24/7.
Independentemente do resultado das eleições
paulistanas, o efeito meteórico da candidatura de Pablo Marçal não se dissolve
no ar e já impactou o solo da política nacional. Diante de tal fenômeno, o
tempo da política passa a compor outras dimensões sensoriais e participativas,
abrindo espaço para lideranças que, inclusive, rechaçam a política. Esse último
capítulo, entretanto, não chega a ser uma novidade.
Analista político, doutor em história e
professor de história no Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) Tamboré (SP)*
Falando em Zygmunt Bauman, comecei a ler A Arte da Vida.
ResponderExcluirLivro excelente. Sugiro a leitura.
😊😊😊