domingo, 1 de setembro de 2024

Victor Missiato - Pablo Marçal e a Ágorapós-moderna

Correio Braziliense

O tempo da política passa a compor outras dimensões sensoriais e participativas, abrindo espaço para lideranças que, inclusive, rechaçam a política

Em entrevista ao projeto Fronteiras do Pensamento, o sociólogo Zygmunt Bauman, em 2011, afirmou que a pós-modernidade é responsável pelo descolamento da relação entre poder e política nas sociedades contemporâneas. Cada vez mais espetaculares e espetaculosos, os discursos políticos e a própria política foram abandonando a dimensão da transformação do poder para centralizar sua estratégia no empoderamento individual em detrimento dos sentidos de povo, revolução ou alargamento de um novo pacto republicano. 

No decorrer do século 20, homens e mulheres de partidos e associações conquistaram o poder por meio de golpes, revoluções e vitórias eleitorais, representadas por partidos que expressavam uma vontade coletiva, criando culturas políticas ligadas a um sentimento de libertação nacional ou um próprio desenvolvimento da cidadania moderna. No Brasil e no mundo, políticos e líderes revolucionários eram confundidos com as próprias causas nacionais que lideravam.

Todavia, a partir da década de 1960, diversos movimentos sociais e culturais começaram a contestar as diversas hegemonias que buscavam criar um "novo homem". A centralização da figura do indivíduo nas relações sociais começou a ganhar força com a internet, a privatização de vários setores públicos, a criação das redes sociais e as mudanças comportamentais na formação das famílias, no lugar da mulher na sociedade do trabalho, além da ideia de globalização e individualização do consumo.

No Brasil, a partir do processo de redemocratização dos anos 1980, mudanças no perfil político, cultural, econômico e religioso da sociedade passaram a conviver, também, com transformações profundas na própria cultura nacional. Um dos principais retratos dessa transformação encontra-se nos parágrafos constitucionais da nossa Carta de 1988, que procurou criar uma ideia de Estado de Bem-Estar Social, em que o indivíduo viu seus direitos e deveres se aproximarem de uma cultura americanista de sociedade, levando em consideração, aqui, a diversa tradição desse conceito tão debatido e analisado por intelectuais da estirpe de Sérgio Buarque de Holanda e Luiz Werneck Vianna.

Tais movimentos americanistas estão presentes na ascensão das novas religiões evangélicas, na aprovação de reformas liberais estruturantes, na cultura do empreendedorismo, assim como nas reivindicações cívicas, que tanto chacoalharam o Brasil em junho de 2013. Desse grande caldo cultural e político, foram surgindo líderes que não mais eram oriundos das tradicionais instituições brasileiras ou partidos políticos. Nomes como Fernando Collor, que se elegeu presidente com um partido minúsculo, em 1989, e Sergio Moro, então juiz de primeira instância na Lava-Jato, assumiram um papel de liderança muito representativo em determinadas conjunturas.

Atualmente, um novo nome vem ganhando espaço no cenário da política nacional. Apesar de estarmos em um período de eleições municipais, os debates envolvendo os candidatos da cidade de São Paulo estão ganhando uma repercussão nacional por conta da ascensão do empresário e coach Pablo Marçal (PRTB) nas últimas pesquisas eleitorais. 

Protagonista de um universo da sociedade em rede, Marçal tinha, antes da campanha, um índice de 5% a 7% das intenções de voto. No entanto, em meados de agosto, seu apoio triplicou, sendo considerado favorito em algumas pesquisas. Visto por alguns como uma ameaça à democracia e, por outros, como um novo líder da direita, Marçal se identifica como um novo representante da direita brasileira, que, ancorada na liderança de Jair Bolsonaro, pluraliza-se desde as eleições de 2022, quando diversos governadores assumiram estados da região centro-sul e, naturalmente, foram colocados como herdeiros do bolsonarismo. 

A velocidade e o impacto que a campanha de Marçal vem causando nas elites políticas brasileiras e na cobertura das diversas mídias corrobora com as impressões destacadas por Bauman na década passada, quando a nova Ágora deixa a esfera das instituições e passa a compor o império decisório do superindivíduo na deliberação momentânea das redes sociais, em que as críticas positivas e negativas são construídas em um ritmo 24/7.

Independentemente do resultado das eleições paulistanas, o efeito meteórico da candidatura de Pablo Marçal não se dissolve no ar e já impactou o solo da política nacional. Diante de tal fenômeno, o tempo da política passa a compor outras dimensões sensoriais e participativas, abrindo espaço para lideranças que, inclusive, rechaçam a política. Esse último capítulo, entretanto, não chega a ser uma novidade.

Analista político, doutor em história e  professor de história no Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) Tamboré (SP)*

 

Um comentário:

  1. Falando em Zygmunt Bauman, comecei a ler A Arte da Vida.

    Livro excelente. Sugiro a leitura.

    😊😊😊

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