O Estado de S. Paulo
STF deve dosar suas ações para que Brasil não seja confundido com ditaduras
A suspensão do X e a prisão do CEO do
Telegram, Pavel Durov, representam uma escalada na guerra entre os Estados
nacionais e as grandes plataformas digitais. O alcance supranacional dessas
redes representa um desafio à imposição da lei em países democráticos, nos
quais o direito à liberdade de expressão entra em choque com a proteção contra
discursos de ódio, desinformação, pedofilia e outros crimes.
As acusações contra as plataformas de Elon
Musk e de Durov são diferentes. O juiz brasileiro Alexandre de Moraes ordenou a
suspensão do X depois que a plataforma se recusou a tirar contas do ar que
disseminavam desinformação sobre as eleições de 2022, fechar seu escritório e
retirar representantes do Brasil, de modo a não se sujeitar às punições da
Justiça, como multa e, potencialmente, prisão.
Já o Telegram é usado para disseminar pornografia infantil, venda de drogas ilícitas e transações fraudulentas, e recusou-se a compartilhar com os investigadores informações e documentos sobre esses crimes, segundo a Justiça francesa.
Musk e Durov personificam a natureza
transnacional de suas plataformas: o dono do X nasceu na África do Sul, morou
no Canadá e hoje vive nos EUA. Durov nasceu na Rússia e tem cidadanias dos
Emirados Árabes e da França. Ambos são bilionários excêntricos e justificam a
recusa em obedecer às autoridades com base no princípio da liberdade de
expressão.
Paradoxalmente, a prisão de Durov foi
criticada pelo ditador Vladimir Putin, que cerceia a liberdade de expressão dos
russos. E Musk vetou o uso do termo “cisgênero” no X, porque o considera parte
da cultura “woke” que teria transformado seu filho numa mulher transgênero.
Comunista, ela se desfez do sobrenome Musk.
Além disso, Musk cedeu a pedidos do governo
indiano para suspender contas e remover links para um documentário da BBC que
retratava o premiê Narendra Modi como ele realmente é: um supremacista hindu
populista e autoritário, que está solapando os direitos da minoria muçulmana.
Quando ainda se chamava Twitter e não
pertencia a Musk, o X foi banido pelas ditaduras de China, Rússia, Coreia do
Norte, Irã, Mianmar e Turcomenistão, e suspenso provisoriamente na Nigéria e na
Turquia. A China bloqueou a rede em 2009, pouco antes do 20.º aniversário do
massacre da Praça da Paz Celestial.
Quando consultei sobre o massacre na internet
na China, surgiu um alerta de que o usuário tentou acessar conteúdo proibido.
No mesmo ano, o Irã baniu Twitter e Facebook, no calor da fraude que reelegeu
Mahmoud Ahmadinejad, dos protestos e da repressão, que eu cobri para o Estadão.
Na Coreia do Norte, onde estive duas vezes,
os cidadãos não têm acesso à internet. Funcionários públicos que por seu
trabalho podem entrar na rede mundial têm acesso restrito, que exclui todas as
redes sociais. Mianmar bloqueou o acesso ao Twitter, Instagram e Facebook
depois do golpe militar de 2021, que prendeu a governante Aung San Suu Kyi e
outros líderes eleitos democraticamente. Na época, viralizou um vídeo no Tik
Tok no qual uma professora dava aula de educação física na rua, e ao fundo
veículos militares se deslocavam para executar o golpe.
CRÍTICAS. A Rússia baniu Twitter, Facebook,
Instagram e WhatsApp depois de invadir a Ucrânia, em 2022, e impor punições
para quem faz críticas à guerra, que deve ser chamada de “operação militar
especial”. A única plataforma digital permitida no Turcomenistão, IMO, saiu do
ar em agosto de 2023. A internet do país é considerada a mais lenta do mundo.
Em junho de 2021, o governo nigeriano
suspendeu o Twitter por sete meses, depois que a plataforma removeu um post do
então presidente Muhammadu Buhari, que ameaçava punir separatistas do sudeste
do país.
Em 2014, o ditador turco, Recep Tayyip
Erdogan, derrubou o Twitter, por causa de contas anônimas que reproduziam
gravações feitas dentro do palácio presidencial que provavam seu envolvimento
com corrupção. Nas eleições de maio do ano passado, a plataforma, já a cargo de
Musk, concordou em remover 4 contas e 409 posts que incomodavam o regime, para
não ser tirada do ar.
Como se vê, Musk não segue uma posição de
princípio pela liberdade de expressão. Seu confronto com Moraes tem ligação com
sua crescente afinidade com figuras como Donald Trump, Javier Milei e Jair
Bolsonaro. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal deve dosar suas ações,
para que o Brasil não seja confundido com ditaduras.
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