quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Zeina Latif - Saída pelo setor privado

O Globo

Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Mercado financeiro é mais desenvolvido e dá maior acesso ao crédito

As classes populares anseiam por boas moradias, em locais seguros, com acesso a serviços públicos e ao trabalho, e que caibam bem em seu orçamento. As demandas vão muito além do chamado déficit habitacional.

Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Não só pelas restrições fiscais (vide o Minha Casa, Minha Vida – faixa 1), mas por dependerem de um custo de captação (funding) baixo, inferior à Taxa Selic, desfavorável ao poupador. No caso do FGTS, é uma poupança forçada do trabalhador com carteira. Já a caderneta de poupança vem encolhendo com a busca dos indivíduos por produtos financeiros com melhor rendimento.

O Brasil não é mais aquele dos anos 1960, quando esses instrumentos foram criados. Hoje o mercado financeiro é mais desenvolvido, havendo maior acesso ao crédito. A saída é aprofundar o mercado privado, para ganhar eficiência e escala, reduzindo assim os juros cobrados.

Nesse contexto, os bancos vêm utilizando cada vez mais instrumentos do mercado de capitais (como LCI e LIG) como funding. O movimento tende a impulsionar a competição bancária, pois permite aos bancos menores, sem depósito de poupança, entrar nesse mercado.

O caminho é fortalecer o financiamento privado, por meio de medidas para reduzir as falhas de mercado. Vale recordar os avanços proporcionados pela alienação fiduciária (o credor tem a propriedade do imóvel até sua quitação), em 1997; pelo patrimônio de afetação (em caso de falência da incorporadora, os compradores do imóvel podem dar continuidade à obra, com outro construtor), em 2004; e pela lei do distrato (disciplina casos de desistência pelo comprador), em 2014.

Mais recentemente, em 2023, a regulação do Banco Central de registro de recebíveis imobiliários provê mais segurança ao mercado, beneficiando especialmente as incorporadoras de médio e pequeno porte; e o marco legal das garantias poderá dar impulso ao crédito imobiliário, pela possibilidade de uma segunda alienação fiduciária do imóvel (torna possível contrair novas dívidas com o mesmo credor original, tendo a casa como garantia).

É importante, por outro lado, afastar artificialismos que contratam crises futuras. É o caso da proposta contida no programa Acredita. Ele cria a possibilidade de o banco repassar a carteira imobiliária para a empresa estatal Emgea, que fará sua securitização (transformar em títulos de investimento, para venda ao mercado). Sem fortes restrições, o programa poderá virar uma bola de neve de financiamentos de elevado risco, e a conta irá para o erário.

A maior participação do setor privado precisa ir além do financiamento. São necessários marcos jurídicos adequados para viabilizar a maior oferta de moradia, dirimindo três problemas principais.

Primeiro, o elevado custo da construção. A adoção do IVA poderá contribuir para elevar a eficiência produtiva e a (baixa) produtividade do setor. As regras tributárias atuais penalizam a construção civil industrializada, mais eficiente. Segundo, o preço da terra é muito elevado em algumas regiões, principalmente onde é maior a presença da agropecuária.

Isso demanda políticas de uso e ocupação do solo para aumentar o adensamento urbano, o que também ajudaria a preservar o meio ambiente. Terceiro, há grandes vazios urbanos por conta de regulações inadequadas, muitas vezes resultantes de pressão de grupos (por exemplo, associações de bairros que rejeitam qualquer verticalização). Com a justificativa de conter efeitos indesejados do adensamento, ignoram os efeitos colaterais da rigidez regulatória.

Regulações excessivas e equivocadas, como nas regras de zoneamento, funcionam como um imposto regulatório, ensina Edward Glaeser, encarecendo bastante os preços das moradias em relação ao custo de construção de uma nova unidade. Nas regiões mais reguladas, a oferta de imóveis pouco responde à maior demanda, elevando preços e criando vazios urbanos.

Ao final, o alto preço das moradias dificulta a mobilidade de pessoas para regiões com maiores produtividade e salários — a propósito, as políticas habitacionais deveriam ter maior flexibilidade, sem impor onde o mais pobre deve morar.

Esses pontos provavelmente explicam as grandes manchas urbanas — na Grande São Paulo, perto de 80% das residências são casas —, com moradias inadequadas do ponto de vista econômico, social e ambiental, causando a baixa qualidade de vida de muitos.

 

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