O Globo
Desde o século passado, quando começou o
processo de privatização de serviços públicos, armou-se um debate sobre o
tamanho do Estado
O ministro Rui Costa, da Casa Civil, anunciou
que o governo prepara um projeto para alterar as normas de funcionamento das 11
agências reguladoras de serviços públicos. A ideia é boa e acontece num momento
em que São Paulo rivaliza com os apagões cubanos. No Rio, o laboratório Saleme
tem um dono e servidores presos por conta de laudos falsos para transplantes de
órgãos. Numa outra ponta da questão, os servidores do IBGE estão mobilizados
contra a criação de uma fundação anexa à entidade.
Esses três fatos nada têm a ver entre si, mas compartilham a mesma origem: o enfraquecimento do Estado brasileiro. Desde o século passado, quando começou o processo de privatização de serviços públicos, armou-se um debate sobre o tamanho do Estado. Sem dúvida, ele deve ser pequeno, porém parrudo. O tempo passou e ele não encolheu, mas perdeu musculatura.
A Enel tornou-se um legítimo bode expiatório
de privatizações mal desenhadas, mal negociadas e mal conduzidas. O laboratório
Saleme fazia parte de um feudo e seus contratos vinham da Fundação Saúde, onde
estava a irmã do operador político. Exposto o escândalo, a diretoria da
Fundação foi afastada.
Os funcionários do IBGE lidam com dados e
veio deles a descoberta de que o estatuto da Fundação IBGE + tem dezenas de
trechos copiados e colados a partir do estatuto da Fundação Saúde. Até aí, nada
de mais, porém o copia-e-cola resultou num artigo que exige maioria de dois
terços do Conselho Curador para a aprovação de determinadas matérias. Na
Fundação Saúde esse Conselho tem nove membros e os dois terços resultam em seis
votos. Na IBGE+ o Conselho teria cinco integrantes e o quorum exigiria o voto
de 3,333 conselheiros.
O processo de emasculação do Estado
brasileiro criou fundações, organizações sociais e outros penduricalhos com
objetivos claros: contratar pessoas livremente, firmar convênios e contratar
serviços sem fiscalização.
Numa reunião com Rui Costa, os empresários da
saúde artilharam-se contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Queixaram-se dos prazos que ela demanda para liberar remédios. Podem até ter
razão, mas durante a pandemia, a Anvisa teve uma atuação exemplar, muito melhor
que a do setor privado. Os planos de saúde tentaram eximir-se da cobertura para
a aplicação de vacinas.
As agências reguladoras foram criadas no
governo de Fernando Henrique Cardoso. Numa conversa privada, ele se arrependeu
do formato que sua ideia tomou. As agências foram capturadas pela política e
pelos interesses de algumas empresas. Estão aí as farras de renovações de
contratos com concessionários que não cumpriram as metas acordadas. Há
organizações sociais que capturaram serviços públicos contaminadas por
parentelas e, em alguns casos, com cheiro de milícias.
Mesmo que a promessa de Rui Costa vá em
frente com suas melhores intenções, resultará num esparadrapo para tratar uma
doença grave. Os descalabros da Enel, como os do laboratório Saleme, mostram
que o Estado brasileiro continua grande e, no processo de privatizações, foi
emasculado.
A resistência dos servidores do IBGE contra o
parto da Fundação IBGE + é maior que uma briga setorial. Trata-se de um grito
contra um processo de metástase do Estado brasileiro.
Um exemplo americano
Ethel Kennedy, a viúva de Robert, irmão do
presidente John Kennedy, morreu no dia 10 de outubro, com o desejo de ser
sepultada ao lado do marido.
Problema: Robert Kennedy está no cemitério
Nacional de Arlington, ao lado do irmão. Lá são sepultados veteranos de todas
as guerras, militares que morreram em serviço e personalidades ilustres. Disso
resulta uma fila de defuntos à espera da cerimônia de sepultamento.
Não passou pela cabeça dos Kennedy furar a
fila. O caixão com o corpo de Ethel está num salão de Arlington, onde uma
guarda de honra vela a fila, e será sepultado no dia 25 de novembro.
O celular do doutor Zampieri
Em dezembro de 2023 o advogado Roberto
Zampieri foi assassinado a tiros na porta do seu escritório, em Cuiabá. Durante
os trabalhos da perícia, uma mão caridosa colocou ao lado do corpo o seu
celular. Nele, podia-se ler uma mensagem esquisita tratando de mutretas na
Justiça do estado. Graças a esse gesto, uma série de coincidências e malfeitos
desembocaram no afastamento de desembargadores e na implosão de um esquema de
traficâncias de assessores de ministros do Superior Tribunal de Justiça.
A turma da mutreta conseguiu uma decisão que
bloqueava o acesso aos dados de celular de Zampieri e colocou toda a
investigação sob sigilo. O Judiciário funcionou, os dados do celular foram
anexados ao processo e o caso expandiu-se. Apareceu até um mercador que seguiu
a mulher até Portugal e achou-a com um amigo. Para sua infelicidade, ele era um
lutador de MMA.
A Polícia Federal trabalhou em silêncio e
rastreou todas as malfeitorias guardadas no celular. Puxando as linhas de
Zampieri, desabou o esquema de comércio de sentenças e formou-se um processo
cinematográfico.
A documentação, que a princípio deveria ter
sido bloqueada, irá para o gabinete do ministro Cristiano Zanin, do Supremo
Tribunal Federal.
O policial que pôs ao lado do corpo de
Zampieri o celular com a mensagem esquisita sabia o que estava fazendo.
Notícia falsa, porém verdadeira
A Secretaria de Comunicação do Planalto
divulgou uma nota informando que eram falsas as notícias segundo as quais a
ekipekonômika queria garfar uma parte do seguro-desemprego.
Parabéns. O conteúdo da nota cria uma nova
modalidade de notícia falsa: a verdadeira. Todas as reportagens que tratavam do
assunto saíram da ekipekonômika.
Talvez fossem um simples balão de ensaio, mas
tinham um componente tóxico: demonizavam o seguro-desemprego.
Na sua nota, a Secom lembrou que o seguro e a
multa de 40% sobre o valor do FGTS do trabalhador demitido sem justa causa “são
direitos que os trabalhadores possuem nos casos de demissões sem justa causa e
são instrumentos de proteção social com previsão legal e constitucional”.
Talvez os çábios não soubessem disso.
Bolsonaro dinástico
O senador Flávio Bolsonaro já admitiu que, se
o seu pai continuar inelegível em 2026, ele disputará a Presidência.
As pragas do Egito no Rio
As pragas do Egito foram dez e o Rio parece
ainda estar na quarta. A cidade já passou por Sérgio Cabral, Pezão, Wilson
Witzel e agora aguenta Cláudio Castro. Todos eleitos e dois deles, Cabral e
Castro, reeleitos.
Cláudio Castro supera todos no quesito do
ridículo. Depois do colapso policial de quinta- feira, ele reuniu sua equipe,
com dois titulares vestindo tenebrosas fardas negras, e tentou trazer o governo
federal para a frigideira:
—É preciso que o presidente Lula ouça os
governadores.
Perdeu uma oportunidade de ficar calado. Sua
entrevista, dada horas depois do vexame, foi mais uma prova de que ouvi-lo é
perda de tempo.
As pragas do Rio: o colunista poderia incluir Jair Bolsonaro e os bolsonarinhos, inclusive Flávio, o provável novo candidato à presidência já citado antes na coluna.
ResponderExcluirConcordo. Praga de dimensão nacional.
ExcluirJeová!
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