O Globo
As urnas e as pesquisas mostraram mudanças,
especialmente em relação ao voto evangélico, feminino e dos jovens
A escolha de prefeitos termina como começou:
com muita emoção e uma vasta incerteza. Em dez das 15 capitais, a eleição está
bem apertada. Qual é a chance de uma virada em relação à ordem dos candidatos
que foram para o segundo turno? Baseado em dados, Felipe Nunes, da Quaest, diz
que em 20 anos, houve virada em 26% das disputas, uma a cada quatro. E onde
chover? Aumenta a abstenção, principalmente dos mais pobres e dos mais velhos,
elevando a dúvida sobre o resultado.
A imprevisibilidade faz bem à democracia. As urnas trazem recados novos. Os jovens estão mais conservadores, as mulheres têm inclinações políticas diferentes das dos homens, a direita fraturou-se de olho em 2026, a esquerda precisa pensar no seu destino, os evangélicos começam a não querer ser um rebanho eleitoral e a abstenção continua sendo uma variável importante.
A análise dos segmentos eleitorais é
reveladora. Muitas pesquisas informaram que o eleitorado jovem, de 16 a 34
anos, na Quaest, ou 16 a 24 anos, no Datafolha, dava maioria das intenções de
votos a candidatos conservadores. Em São Paulo, na última semana, Guilherme
Boulos, do PSOL, ganhou pontos nesse eleitorado e, na Quaest, chegou a passar
Ricardo Nunes. Por razões etárias, eles são os eleitores que terão mais
encontros com as urnas nas próximas décadas, e essa inclinação de voto na
direita pode ser apenas uma onda ou representar um risco grave, porque parte da
direita está dominada pelo pensamento antidemocrático, antiambiental e contra a
vacina. Se forem esses os valores da maioria da juventude, o país está bem
encrencado.
Em 2022, abriu-se uma divergência entre a
maioria do voto feminino em Lula e a maioria do voto masculino em Bolsonaro. Em
2024, isso se aprofundou. Nas cidades em que o segundo turno está sendo da
direita contra a direita, elas preferem a mais moderada e eles, a mais
extremada. Felipe Nunes chama isso de polarização de gênero, acha que veio para
ficar e credita o fato às mudanças sociais das mulheres, mais independentes,
mais capazes de denunciar agressões e mais donas do próprio dinheiro.
A briga da direita é um fenômeno bem
interessante, porque foi provocada, em grande parte, pelas decisões de Jair
Bolsonaro de atacar o governador Ronaldo Caiado e desagradar o governador
Ratinho Jr, entre outros políticos do seu próprio campo com ambições
eleitorais. Caiado disse que vai concorrer ao Planalto em 2026 e Ratinho foi
apontado como candidato pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab. Divisão na
direita é tão velha quanto o Arena I e Arena II, dos tempos da ditadura, mas
desta vez é curioso porque o mais inteligente para Bolsonaro seria tentar unir
a direita para se fortalecer, em vez de entrar em disputa extemporânea com seus
aliados. Ele conseguiu desagradar até a sempre fiel Tereza Cristina, que lhe
pediu, em vão, apoio à candidata dela em Campo Grande. Bolsonaro sonha com o
nome dele na urna de 2026, mas pode estar na lista de moradores de algum
presídio. Os inquéritos em que é investigado estão chegando ao fim.
A esquerda chega nessa eleição com muitas
derrotas e alguma esperança. Acreditava que, por ser portadora do sonho de
justiça social, naturalmente arrastaria multidões, mas desentendeu-se com o
mundo atual. Durante a prisão de Lula, o PT foi mais para a esquerda, para
resistir na porta do presídio. Naquele tempo era o que ele tinha a fazer. Mas
perdeu o rumo, a chance de renovação e o diálogo com partes da sociedade.
Hostilizou potenciais aliados e gastou munição em brigas internas. Em 2022, foi
beneficiado pelo repúdio a Bolsonaro, mas precisa buscar o centro. Encastelado,
vai continuar encolhendo.
Os evangélicos têm sido vítimas de abuso do
poder religioso. Pastores agem como os coronéis do voto da época do curral
eleitoral. Interessante observar o fenômeno iniciado por algumas lideranças que
apontaram o erro doutrinário da adoração ao “mito”. Esse “culto” afronta o
primeiro mandamento “Não terás outros deuses”. A ver se haverá distância entre
púlpito e palanque, em religiões que começaram há 507 anos com a separação
entre Igreja e Estado.
A abstenção é uma decisão. O não-voto é voto.
Mas ele desafia os democratas a pensar em formas de aumentar o interesse do
eleitor nas escolhas cívicas. O maravilhoso na democracia é essa inquietude que
ela provoca. As urnas sempre trazem um espelho no qual o país se olha e tentar
se entender.
Pois é.
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