sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Andrea Jubé - A lição do eleitor recalcitrante para o PT

Valor Econômico

Salvo uma reviravolta, somente a arca de Noé impediria a derrota do PT em São Paulo e Porto Alegre

Gênesis, 6, versículo 17: “Eis que vou trazer águas sobre a terra, o Dilúvio, para destruir debaixo do céu toda criatura que tem fôlego de vida”, anunciou Deus a Noé, em uma das passagens mais trágicas do Antigo Testamento.

É exagero comparar o desastre ao dilúvio bíblico, mas a cheia do Guaíba que deixou Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e cidades da região metropolitana submersas, gerou cenas de filmes de terror: moradores e animais domésticos refugiados nos telhados, esperando socorro por dias a fio. De fato, foi uma catástrofe sem precedentes: superou as inundações de 1941, quando o nível das águas chegou a 4,76 metros. Desta vez, ultrapassou os 5 metros.

Estimam-se 2,3 milhões de pessoas afetadas em todo o Estado, cerca de 160 mil em Porto Alegre, sendo 11 mil distribuídos em abrigos. Será preciso reconstruir redes de esgoto e águas pluviais, diques de proteção, comportas, estruturas de bombeamento de água.

Diante da calamidade, o governo federal despejou bilhões em recursos para socorrer o Estado, considerado um feudo do bolsonarismo: mais de R$ 18 bilhões em créditos extraordinários, auxílio reconstrução de R$ 5,1 mil para cada família desabrigada, linha de crédito para empresários de R$ 15 bilhões do BNDES.

Nada disso bastou para convencer o eleitor gaúcho a dar um voto de confiança à deputada petista Maria do Rosário, adversária do prefeito Sebastião Melo (MDB), que deve se reeleger no dia 27.

O maior susto que o eleitor impôs ao emedebista foi impedi-lo, por pouco, de vencer no primeiro turno: ele alcançou 49,72% dos votos - por menos de 0,3 ponto percentual Melo não liquidou rapidamente a fatura.

Em outro desastre climático - menos trágico do que o de Porto Alegre, mas também em níveis alarmantes - os moradores de São Paulo foram submetidos nos últimos dias ao segundo grave apagão de energia do ano. Desta vez, mais de 2,6 milhões de residências, lojas e escritórios ficaram até cinco dias sem fornecimento de energia, sem explicações razoáveis da concessionária Enel, da prefeitura, do governo estadual e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Mas a expectativa no comitê de campanha do deputado federal Guilherme Boulos (Psol) de que o efeito das tempestades influenciasse o eleitor frustrou-se com o resultado das mais recentes pesquisas Quaest e Datafolha. Realizadas após a pane de energia, indicaram vantagem de mais dez pontos percentuais do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre o adversário, que carrega a pecha de radical, e tem o apoio do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Após as tempestades com ventos de mais de 100 km/h, que promoveram o caos, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê mais chuvas fortes para São Paulo, embora os piores cenários envolvam outras cidades, como Taubaté e Sorocaba. Para a capital, a previsão é de chuvas com raios e trovoadas, mas ventos sem a potência dos que derrubaram árvores no fim de semana.

É difícil comparar uma metrópole do porte de São Paulo com Porto Alegre, mas os cenários eleitorais de ambas convergem em alguns aspectos, que ajudam a explicar a recalcitrância do eleitor. Em ambos os casos, as campanhas dos prefeitos que buscam a reeleição são impulsionadas pelas máquinas públicas. Nunes tem a força da máquina da prefeitura e do governo estadual, que tem o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como influente cabo eleitoral - mais do que o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Nas duas capitais, os postulantes do MDB concorrem coligados com forças do Centrão, como PL, PP e Republicanos, campeões de emendas parlamentares, inclusive do orçamento secreto, e que lhes proporcionaram os maiores tempos de televisão.

Um fator inegável, todavia, é a força do antipetismo nesta eleição, somada à aversão do eleitor ao candidato associado ao radicalismo. Boulos adotou um figurino moderado, inspirado no “Lula Paz e Amor” de 2002, mas não convenceu. Maria do Rosário despejou críticas à gestão Melo, principalmente em razão da calamidade provocada pelas enchentes, mas também não convenceu. Salvo uma reviravolta, somente a arca de Noé impediria a derrota do PT em São Paulo e Porto Alegre.

Cuiabá

Em contrapartida, Cuiabá, no Mato Grosso, é dos exemplos mais ilustrativos de derrota das máquinas públicas municipal e estadual. Um resultado ainda mais inusitado porque o autor da proeza é um deputado estadual do PT, o médico Lúdio Cabral, que chegou ao segundo turno em um reduto ultraconservador.

O adversário do petista é o deputado Abílio Brunini (PL), conhecido pelo radicalismo e alinhamento incondicional a Bolsonaro. Cabral, entretanto, teve apoio da máquina federal - sua candidata a vice é a jornalista Rafaela Fávaro (PSD), filha do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

Segundo pesquisa Quaest divulgada na quarta-feira (16), eles estão em empate técnico: Brunini tem 44% das intenções de voto para o segundo turno, e Cabral aparece com 41%.

Vários fatores beneficiaram Cabral. O candidato apoiado pelo governador Mauro Mendes (União), que ficou em terceiro lugar, manteve-se neutro. E segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, a eleição não se nacionalizou. O candidato do PT desponta como “moderado” diante do radicalismo de Brunini. Mas uma ida de Lula a Cuiabá não é desejável, para não polarizar a disputa na reta final.

 

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