Folha de S. Paulo
País fica travado por adiar decisão óbvia, se
ocupa de ninharia e o direitão toma conta
Quando se assunta com gente do governo o que
seria o plano
de contenção de gastos Haddad-Tebet, o que mais se ouve é
desconversa, desconhecimento ou desprezo. Quando vazam medidas "em
estudo", parte do governo sabota as ideias, até em
público.
Deve ser por isso que Fernando Haddad procura despistar todo o mundo a respeito do que seria seu plano, como o fez nesta terça (29): não haveria data para divulgar o pacote ou tamanho dele. Talvez seja melhor não contar nada, discutir o assunto só com o presidente da República e, assim, evitar sabotagens nas internas. Afinal, governo e PT brigam em público até por picuinhas municipais.
O dólar foi a
R$ 5,76. A moeda americana subira mais um degrau alto da escada de
problema antes mesmo de Haddad dar a tal entrevista do "nada
definido". Não houve rolo maior no mundo; nem nos países pares mais
afetados se deu atenção ao rolinho cambial. De manhã, porta-vozes pouco
relevantes de "o mercado" diziam que a perspectiva do
"pacote" Haddad-Tebet acalmava a praça. No final da tarde, o dólar
saltara por causa do "fiscal". Tudo chute.
De mais certo é que, com a dívida pública
malparada, qualquer coisinha provoca baixa ainda maior do real, moeda que mais
se desvalorizou, de longe, desde abril, entre as três dúzias mais relevantes do
mundo. Estocamos pressão inflacionária.
Com sorte, o preço do petróleo se comporta;
choveu, o que pode aliviar a inflação de comida e eletricidade. Notem, no
entanto, a submediocridade dessa conversa nacional. O Brasil é um tédio
desesperador, desculpem o oximoro.
Mais uma revolução tecnológica passa pela
nossa janela (IA). Os carros chineses balançam a indústria do mundo rico
ocidental e também por aqui, no Extremo Ocidente (ou Ocidente Médio?). Os
Estados Unidos tomam medidas novas na guerra geoeconômica (como explorar mais
lítio ou barrar mais intercâmbios financeiros e tecnológicos
com a China). Todo o mundo faz política industrial, a gente faz favor setorial.
Etc.
Plano ambiental e tecnológico, degradação
amazônica, o crime organizado tomando o Estado, tiroteio nas ruas, reforma do
SUS, nada disso se torna drama nacional consequente, afora em momentos breves
de pico do noticiário.
Nem mesmo uma eleição nacional resulta em
discussão melhor. Lula 3
adia o pacote fiscal para pensar também em como ganhar a eleição de 2026?
Ganhar a eleição de presidente, digo, pois a do resto, governadores inclusive,
vai para o vinagre tinto do direitão que toma conta do país.
Vai se fechando cada vez mais o círculo de
ferro da feudalização da política: barões do Congresso mandam dinheiro para os
feudos, elegem mais prefeitos, que ajudam a eleger mais deputados, já com
orçamentos gordos a facilitar a reeleição e favorecidos pela direitização geral
do povo e pela esquerda desmiolada. O Orçamento vira pó.
O que quer o direitão vitorioso, afora o
óbvio? Não sai uma ideia dali —até Michel Temer tinha programa. Os direitões
não se articulam com setor social mais prestante e pensante ou com grupos de
tecnocratas ou estudiosos nem para fingir que se ocupam de dar rumo a essa
nossa mixórdia. No máximo, os que se ocupam da política-politiqueira tratam de
"bastidores", fofocas e ninharias sobre o que vai fazer um desses
tipos do direitão para levar mais poder e dinheiro.
Pois é.
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