O Globo
Ao contrário do que israelenses temiam,
Sinwar estava sozinho, não envolto em explosivos ou escudado por reféns num
subterrâneo de Gaza
A forma como morre um terrorista diz muito sobre seu viver. Osama bin Laden, cérebro dos ataques terroristas que abalaram os Estados Unidos em 2001, viveu a década seguinte esgueirando-se de seus caçadores. Quatro anos antes de ser finalmente abatido, o Senado americano havia aumentado para US$ 50 milhões (R$ 280 milhões) a recompensa que levasse ao líder-fundador da Al-Qaeda. Deu resultado. Numa madrugada de breu de maio de 2011, dois helicópteros das Forças Especiais da Marinha (Seals) decolaram do Afeganistão, cruzaram a fronteira do Paquistão e surpreenderam Bin Laden na casa-fortaleza em que se escondia. A operação arrojada, certeira, de alto risco e precisão, durou 40 minutos. O cadáver nunca foi exibido, nem em imagem —permaneceu sob custódia dos Seals até amostras do DNA confirmarem sua identidade. Menos de 24 horas depois, foi jogado no Mar Arábico a mais 1.300 quilômetros da costa. Capítulo fechado.
Bem diferente do final de Yahya Sinwar,
registrado em plena luz do dia na sua Gaza natal em ruínas.
Arquiteto-mor da chacina que deixou Israel às cegas e
sangrando num primeiro momento — mais de 1.200 corpos metralhados, degolados ou
queimados em poucas horas no fatídico 7 de outubro do ano passado —, Sinwar foi
localizado quase por acaso na manhã de quarta-feira, dia 16. Segundo relato das
Forças de Defesa de Israel (FDIs), uma unidade da 828ª Brigada Bislamach,
formada por reservistas e oficiais ainda em treinamento, patrulhava um setor de
Rafah quando deparou com três terroristas do Hamas.
Houve troca de tiros, os palestinos armados se separaram, um deles se refugiou
no segundo andar de um prédio. Por cautela, antes de invadir o imóvel, os
brigadistas o alvejaram com um tiro de tanque e dispararam um minidrone para
vasculhar seu interior — tudo sem suspeitar que ali estava o homem mais
procurado por Israel desde o “Dia da Infâmia”.
Em imagens divulgadas pelas FDIs, veem-se os
últimos instantes de Sinwar vivo: sentado numa poltrona abandonada e coberto de
poeira e sangue, o rosto envolto por panos. Veem-se apenas os olhos, que miram
diretamente o minidrone da morte. Ele ainda tenta abater a engenhoca com uma
insólita vara, sem levantar da poltrona. Segundos depois, dois projéteis de
120mm e um míssil Matador israelenses reduzem a ruínas o prédio em que Sinwar
foi morto. Morreu como mais de 42 mil outros palestinos anônimos de Gaza, entre
escombros.
Foi somente na manhã seguinte, quinta-feira
portanto, quando soldados de um batalhão de infantaria regular retornaram ao
local, que a semelhança do morto com o líder procurado foi percebida. Antes da
remoção do cadáver e do traslado a um laboratório no centro comercial de Tel
Aviv, parte de um dedo do temido inimigo foi cortada para verificação de
impressões digitais e DNA. O primeiro comunicado militar oficial foi lacônico:
— Eliminado: Yahya Sinwar.
Eliminado e sozinho. Ao contrário do que
temia parte do gabinete de guerra do primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu, Sinwar não estava envolto em explosivos, nem escudado por
reféns cativos há 380 dias em algum subterrâneo de Gaza.
A eliminação da figura máxima do grupo
fundamentalista se soma ao assassinato anterior de quatro líderes do Hamas e à
dizimação de milhares de seus jihadistas. Soma-se, sobretudo, à sistemática
destruição física de praticamente toda a vida civil organizada em Gaza.
Hospitais, escolas, universidades, mesquitas, fornecimento de alimentos, água,
medicamentos, esperança — tudo foi pelos ares pela força militar da retaliação
israelense. Capítulo encerrado? Netanyahu poderia declarar “vitória total” e
substituir a continuação da guerra por aquilo que, na visão do jornalista
britânico Jonathan Freedland, é o mais raro dos sentimentos no Oriente Médio: o
otimismo. Seria agora a hora da difícil retomada de negociações de cessar-fogo,
com ampla troca de reféns por prisioneiros em Israel.
Mas negociar com quem, diante da militância
agora acéfala do Hamas? E, mesmo que surjam novos interlocutores, não se pode
excluir a possibilidade de essa militância emergencial querer vingar a morte de
seus líderes executando os reféns que têm em mãos. Não se deve esquecer,
também, que tanto os 36 artigos da fundação do Hamas, em 1988, como os 42
princípios gerais acrescentados em 2017 têm por cláusula pétrea “a completa
destruição de Israel como condição essencial para a libertação da Palestina e o
estabelecimento de um Estado teocrático baseado na lei islâmica”. Esse
radicalismo, como se sabe, sempre serviu de conveniência a Netanyahu e a seu
gabinete de extremistas ortodoxos, para quem o povo palestino é um estorvo.
Só que ele existe e precisa de um Estado
independente para eliminar do século XXI a aberração de um povo dividido,
tutelado, vigiado, controlado e desumanizado há quase 80 anos.
Ninguém resolve nada assassinando alguém.
ResponderExcluirExcelente texto!
ResponderExcluirA croata já deixou de ser ridícula pra ser canalha. MAM
ResponderExcluirO canalha MAM (Muito Asno Mesmo) continua a ser o que sempre foi: canalha e covarde!
ResponderExcluir