Monica Gugliano / O Estado de S. Paulo
Reeleito com quase 80% dos votos no Recife,
prefeito do PSB diz que olhar local definiu o pleito
“Não estamos falando (na disputa deste ano)
de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está
falando de cidade. E acho que é por isso que (os candidatos de centro) também
tiveram um crescimento maior na eleição, porque têm uma pauta menos
ideologizada”
Aos 27 anos, João Henrique Campos se tornou o
prefeito mais jovem do Brasil. E, agora, aos 30, foi reeleito com quase 80% dos
votos no Recife, capital de Pernambuco. Ele é herdeiro de uma família que está
na política desde o início do século 20. Seu bisavô era Miguel Arraes
(1916-2005), um ícone da política brasileira, três vezes governador do Estado.
Seu pai, Eduardo Campos (1965-2014), promissor político do PSB, fazia a
campanha para a presidência da República quando morreu em um desastre aéreo.
Nesta entrevista ao Estadão, João Campos faz uma análise do primeiro turno das
eleições municipais. Diz que, muitas vezes, o discurso da direita captura mais
eleitores do que o da esquerda porque consegue escapar da rota ideológica e ir
para a vida real.
“Por isso eu acho que o caminho não é entrar
nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto”, pontuou o prefeito. “A
esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico
correto de como enfrentar as disputas nos grandes colégios eleitorais.”
Ele afirma que essa visão lúcida não é uma convocação para que as convicções ideológicas sejam abandonadas, mas uma constatação de que os partidos que mais cresceram mostraram capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque ela sai desse campo.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é a avaliação do sr. do 1º turno das
eleições?
Acho que a primeira palavra para falar de
eleição é começar agradecendo a generosidade do eleitor da minha cidade. Agora,
olhando o resultado das eleições Brasil afora, acho que houve crescimento do
centro, da centro-direita. Há uma divisão entre as grandes cidades, as
metrópoles e as cidades menores.
O sr. atribui às emendas parlamentares esse
resultado?
Há influência muito grande da força que os
partidos têm no parlamento. Então, bancadas com muita força de orçamento, de
composições mais pragmáticas de mandato, terminam viabilizando um número maior
de candidaturas de prefeituras.
E o PSB?
No caso do nosso partido, houve um
crescimento. O PSB cresceu mais de 20% no número de prefeitos, se posicionando,
inclusive, como o partido que mais fez prefeitos dentro do campo progressista.
E acho que isso é um sinal de que há um desafio mais ao centro, mas que há
também um caminho de crescimento. Que não necessariamente esse crescimento
precisa se dar pela direita ou pela centro-direita.
Muitos acham que a eleição municipal pode ser
uma espécie de “prévia” do que poderia ser a eleição presidencial de 2026. O
sr. concorda?
O que vejo acontecendo, principalmente nos
grandes centros urbanos, são discussões voltadas para a cidade. A eleição
municipal é diferente de uma eleição de presidente, de deputado que é muito
nacionalizada. Você discute a mobilidade, a infraestrutura, o trânsito, a
drenagem da cidade, a infraestrutura urbana. E não necessariamente esse reflexo
passa pelas pautas nacionais.
E isso aconteceu no primeiro turno?
Houve um crescimento de partidos que tiveram
a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral.
Acredito que os partidos que mais cresceram agora tiveram uma estratégia
eleitoral mais consolidada, voltada ao plano das cidades. E também a maior
correlação de forças que eu faço, sobretudo pelo tamanho dos colégios
eleitorais, é a força que cada um está tendo no Parlamento.
Os governos estaduais também tiveram e têm
força...
Alguns governos estaduais tiveram força. Olha
o caso, por exemplo, do Paraná, em que o governador do PSD elegeu muitos do
PSD. Mas você teve uma dinâmica voltada à presença das presidências de partidos
que têm relação forte no parlamento. E, no nosso campo, acho que o resultado do
PSB mostra que há um campo de centro-esquerda, um campo progressista, mas que
tem diálogo de efetividade de gestão. Essa é a grande questão.
O sr. acha que falta um discurso mais sobre a
vida real aos partidos de esquerda, que o senhor chama de efetividade de
gestão?
A votação que nós tivemos aqui é uma prova
disso. Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla
com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo
progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem a cidade.
Então, eu diria que a esquerda tem uma tarefa pela frente? Tem. Acho que é uma
tarefa de trazer a pauta mais para o concreto. Isso não é uma convocação para
ninguém abrir mão de suas convicções ideológicas. Mas é entender que as pessoas
esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a
vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que
ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque
a pauta concreta sai desse campo.
O sr. acha que a esquerda não está
conseguindo?
Não estamos falando de uma eleição de bancada
de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é
por isso que o centro também teve um crescimento maior na eleição, porque tem
uma pauta menos ideologizada.
Em que sentido?
As pessoas querem saber é o que é que muda na
vida delas no dia a dia. É saber se tem um sistema de saúde funcionando, se a
gente tem um programa de alfabetização de qualidade, se a gente tem um programa
de creche, de ensino integral, de qualificação técnica, de urbanismo social, de
construção de parques e praças, de infraestrutura na periferia. Isso elas
querem saber, a vida concreta de uma cidade. Então, se você se amarra na guerra
ideológica por si só... E, de fato, termina virando uma cortina de fumaça onde
as soluções concretas desaparecem. Não quero dizer que as pessoas têm que
largar aquilo em que elas acreditam.
O sr. não chamaria de largar, chamaria de
rever?
Eu construí a maior frente política desta
eleição e tive uma vitória bastante larga. Eu não perdi tempo buscando dividir
as pessoas, mas juntando.
Sobre a questão ideológica, o que foi este
fenômeno do Pablo Marçal?
Essa questão do Marçal é uma ótica de quem (o
candidato derrotado) já está no limite da lei. Então, quando você tem um
conjunto de regras a serem cumpridas, se você transgride essas regras, deixa de
ser um problema político, passa a ser um problema legal.
Se não vira um vale-tudo...
E na eleição não vale tudo. Eleição não pode
ser um lugar da barbárie, tem que ser um lugar civilizado, onde o debate – eu
lembro porque cresci ouvindo esta frase – é no campo das ideias, não pode ser
no campo pessoal, físico, como chegou a ser em São Paulo. Você perde a essência
da política. Que não é agressão. Isso é antipolítica. É a falta da política que
gera a violência. E principalmente numa turma mais jovem – eu me sinto à
vontade dizer isso porque eu sou jovem, eu tenho 30 anos. A gente tem que ter cuidado
para lidar com essa disposição da juventude... da antipolítica...
Os problemas das grandes cidades estão
ficando muito parecidos?
E por que é isso? Na minha opinião, o principal ponto são os problemas urbanos. Então, se você pegar uma grande região metropolitana do Recife, Salvador, Fortaleza, por exemplo, você vai ter problemas no desafio de mobilidade, de segurança, de combate às drogas, de desafio de habitabilidade, de qualidade de vida; são questões que se assemelham. Então, as pessoas querem que seus problemas sejam resolvidos e, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto (...) Então, nesse componente político das grandes cidades, a esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais.
Ótima entrevista !
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