quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Entrevista | Maria Hermínia Tavares*: ‘Boulos precisará construir uma outra persona política’

Hugo Henud / O Estado de S. Paulo

Encerrada a eleição, esquerdas têm de pensar em como atrair ‘centristas’, diz professora da USP

“Para superar a rejeição da maioria, ele (Guilherme Boulos) precisará construir uma outra persona política. A de líder de movimento social que aposta na ação direta tem alta rejeição dos eleitores”

Em meio aos desafios enfrentados pela esquerda nas eleições de 2024, a cientista política e professora emérita da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida defendeu em entrevista ao Estadão uma tática mais eficaz para atrair o eleitor centrista, considerando o fortalecimento das legendas de direita e de centro, e sugeriu que Guilherme Boulos (PSOL) terá de construir nova “persona política” para superar a rejeição.

O pragmatismo da política local ganhou mais força do que projetos ideológicos?

Tudo indica que Ricardo Nunes fez coisas, que a Prefeitura esteve presente nos bairros mais pobres e que o prefeito tem o que mostrar. Mas não é possível deixar de lembrar que o que parece estar acontecendo aqui – ou seja, a reeleição – ocorreu em muitas outras cidades e costuma ocorrer. Prefeitos se reelegem. Nunes tem uma enorme coalizão e muitos recursos do fundo eleitoral. A máquina da Prefeitura é poderosa. Entre um prefeito que mostra o que fez e um candidato que diz que fará, o eleitor prudente pode estar inclinado a votar no primeiro.

O que acha que faltou à campanha de Boulos para obter um desempenho mais favorável?

Não teve a ver com a campanha propriamente. Para superar a rejeição da maioria, ele precisará construir outra persona política. A de líder de movimento social que aposta na ação direta tem alta rejeição.

Quem sai mais fortalecido na chamada “primária” da direita em São Paulo?

Em São Paulo, saem fortalecidos o prefeito e o governador (Tarcísio de Freitas). No País, do PSD de Gilberto Kassab, a direita pragmática, ávida de recursos e poder. Direita pragmática que sempre predominou nas eleições municipais e para a Câmara Federal desde 1985.

Tarcísio pode consolidar uma nova liderança à direita, fora do bolsonarismo?

O governador apostou e ganhou. Saiu com uma imagem mais nítida. A liderança à direita está em disputa: há outros candidatos fortes, como o governador (Ronaldo) Caiado (de Goiás). Jair Bolsonaro tem força e catalisa eleitores de extrema direita. Por enquanto, tem que ser levado em conta por qualquer político que aspire a ser governador ou presidente unificando as forças de direita. O discurso do governador continua mostrando sua lealdade ao ex-presidente e sua identificação com propostas caras aos bolsonaristas, na educação especialmente. O empenho de separá-lo de Bolsonaro é maior entre os analistas, que buscam figuras de direita mais “razoáveis”, do que do próprio governador.

Os resultados municipais podem influenciar a eleição presidencial de 2026?

Não creio. O pleito presidencial tem outra lógica. De toda forma, essas eleições confirmaram que as direitas são muito fortes, o centro tende a gravitar em torno delas, e as esquerdas são minoritárias e precisam pensar em como atrair, de maneira consistente, centristas mais resistentes a ideias escancaradamente reacionárias como escolas cívico-militares, cura gay, proibição total do aborto, predação ambiental.

*Cientista política, é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora emérita da USP

 

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