domingo, 27 de outubro de 2024

Linha de montagem - Bernardo Mello Franco

O Globo

Separados por uma peruca, aliados do capitão tentam vencer em Cuiabá e Belém; em Curitiba, candidata bolsonarista promete entregar Saúde a "Doutora Cloroquina"

Um candidato que se diz inimigo do sistema ensaia um discurso messiânico, descola um partido de aluguel, monta uma campanha de guerrilha nas redes e promete libertar o povo dos políticos tradicionais.

Aconteceu em 2018, quando um extremista que defendia a ditadura chegou à Presidência. Aconteceu em 2024, quando um coach de passado nebuloso quase foi ao segundo turno na maior cidade do país.

Pablo Marçal reciclou a fórmula de Jair Bolsonaro com algumas vantagens comparativas. Não dependeu de generais, não precisou de um Carluxo e não teve nem os 7 segundos de horário eleitoral que o finado PSL ofereceu ao capitão.

Sem acesso à propaganda em rádio e da TV, o ex-candidato do PRTB fez uma campanha 100% digital — turbinada, é verdade, por sua atitude delinquente nos debates televisivos. Por uma diferença de apenas 56 mil votos, ficou fora do duelo final pela Prefeitura de São Paulo.

Os relatos sobre o desaparecimento de Marçal após a derrota nas urnas foram levemente exagerados. A dois dias do segundo turno, o ex-candidato do PRTB ressurgiu ao promover uma exótica sabatina on-line com o desafeto Guilherme Boulos.

Anunciada nas redes do coach, a live foi assistida ao vivo por meio milhão de pessoas só em seu canal no YouTube. As urnas dirão se o psolista ganhou algo ao se submeter a uma “entrevista de emprego” com o sujeito que falsificou um laudo médico para mentir que ele teria sido internado com overdose.

Para Marçal, o saldo já é positivo. Sem interromper as férias na Itália, ele voltou aos holofotes e usou Boulos como escada para se lançar ao Planalto em 2026.

A campanha de Ricardo Nunes disseminou a tese de que o início da propaganda na TV barrou a ascensão de Marçal e garantiu a ida do prefeito ao segundo turno. É uma versão interessada, que valoriza o papel de marqueteiros contratados a peso de ouro.

Outros fatores ajudaram a salvar Nunes, que chegou a ser visto como derrotado após semanas de superexposição na TV. O principal parece ter sido o uso escancarado da máquina municipal. Enquanto o prefeito pedia votos para se reeleger, secretários percorriam a cidade entregando apartamentos, inaugurando asfalto, prometendo escola e posto de saúde.

Embora Marçal tenha monopolizado a cena, outros personagens usaram a mesma receita para prosperar nas urnas em 2024. Em Curitiba, a bolsonarista Cristina Graeml chegou ao segundo turno a bordo do extremismo digital.

Se vencer, promete entregar a secretaria de Saúde a uma médica que militou contra a vacina e ganhou o apelido de “Doutora Cloroquina”. Refugo da Jovem Pan, a candidata é filiada ao Partido da Mulher Brasileira, o nanico PMB.

Em outras capitais, o PL ofereceu legenda e fundo partidário a aventureiros profissionais. Os exemplos mais caricatos são Abílio Brunini, em Cuiabá, e Delegado Éder Mauro, em Belém. Separados por uma peruca, os dois apostam no populismo de extrema direita para tentar vencer neste domingo. Saíram da linha de montagem do capitão.

 

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