O Globo
O governo tem errado no setor de energia em
decisões que podem favorecer grupos privados e elevando a conta para o
consumidor
Na energia o governo tem errado muito. Erros que podem aumentar a conta de luz no futuro. Esse setor é um campo minado de interesses privados e tem um único pagador de todas as promessas: o consumidor. Todo o cuidado é pouco. Decisões erradas do governo têm riscos e custos. Entrar em briga para que a Aneel aceite o acordo das térmicas e da Amazonas Energia é mandar o consumidor pagar R$ 8 bilhões a mais do que pagaria para viabilizar um negócio que só favorece o J&F, dos notórios Joesley Batista e Wesley Batista.
Para entender as confusões do setor é preciso
separar os fios. Alerta: alguns deles são desencapados. Como já foi bem
explicado neste jornal
pela colunista Malu Gaspar, a Âmbar, empresa
de energia do grupo J&F comprou térmicas que não recebiam do seu cliente, a
Amazonas Energia, uma empresa falida. Uma medida provisória
tornou o negócio viável, repassando o custo ao consumidor. Então, o grupo ficou
também dono da Amazonas. O J&F quer que o custo a ser repassado na conta de
energia seja de R$ 16 bilhões, a Aneel calculou que metade disso é o
suficiente. Contudo, uma decisão da Justiça, em primeira instância, mandou a
Aneel aceitar os termos do acordo. O Ministério de
Minas e Energia fez pressão, e a agência admitiu rever seus
cálculos. Mas, vejam bem, é um acordo privado, fazendo política tarifária, com
consequência para o consumidor. O ministro Alexandre
Silveira deveria ter acionado a AGU para defender o menor custo
para a população.
Há barões da energia no Brasil. Um deles é o
J&F, que comprou outras térmicas pelo Brasil, inclusive a de Candiota, à
base de carvão, no Rio Grande do
Sul. A pressão no Congresso é para renovar o subsídio a essa
termelétrica, da mesma forma que foi feito com outra usina de carvão em Santa
Catarina. Outro barão da energia é Carlos Suarez que comprou aquelas
distribuidoras de gás em estados que não têm gás. Suarez é o S da antiga OAS.
Tanta pressão ele fez que o Congresso colocou aquele jabuti na venda da Eletrobras,
obrigando o país a construir gasodutos para viabilizar esse negócio. O
candidato à presidência da Câmara Elmar Nascimento foi o grande defensor da
proposta.
Isso também será pago pelo consumidor e dará
lucros privados. Esses dois barões têm interesses conflitantes e o governo não
deveria tomar o lado de nenhum dos dois. Ambos querem lucros privados às custas
de prejuízo público.
— Os irmãos Batista compraram térmicas velhas
já conectadas ao sistema elétrico como Araucária, Cuiabá, Uruguaiana e têm
interesse que elas sejam contratadas. Suarez precisa de térmicas novas e
gerando na base para a construção de gasodutos novos. Simplesmente, não dá para
atender a nenhum dos dois. É muita térmica. E ainda tem no setor de gás a
presença de Rubens Ometto e André Esteves — explica uma fonte do setor.
Quando a venda da Eletrobras foi desenhada no
governo Temer, uma boa proposta foi a de que quem comprasse a estatal pagaria
bônus ao consumidor por 20 anos, para reduzir a tarifa. O governo antecipou
esse bônus para ser pago em dois anos. Isso derruba a tarifa agora, mas é como
tomar emprestado do futuro. Por outro lado, tem também Itaipu. A hidrelétrica
encerrou o pagamento da sua velha dívida, contraída para a construção, e dois
terços do custo da energia da binacional eram derivados dos juros da dívida. Deveria
então ter caído o preço.
— Estão mantendo o preço da energia e
transformando Itaipu numa agência de fomento do Paraná, do Mato Grosso. É
promotora de eventos. E de lá sairá R$ 1 bilhão para a COP. Virou um orçamento
paralelo — diz uma fonte do setor.
No governo passado, houve a contratação de
energia emergencial de térmicas a um preço alto. Essas empresas não conseguiram
fornecer a tempo. Portanto, tinham que pagar multa, não? Pois é. Está sendo
negociado um acordo que beneficia as empresas que não entregaram a energia no
prazo estabelecido. Isso vai aumentar também a conta de luz. Retomar as obras
de Angra 3 será outro custo alto.
— Terminar Angra é muito mais caro. Angra 3
deveria ser um custo afundado. Terminar essa obra custa três ou quatro vezes
comprar a mesma energia de fonte renovável — diz uma fonte.
Tudo aumenta a conta de energia e piora o
emaranhado de subsídios e lobbies no setor. O aumento do vale-gás será
financiado por recursos da PPSA, empresa do pré-sal, sem passar pelo orçamento.
Isso parece pedalada. Deveria ser evitado.
Pois é.
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