quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O complexo processo de reflexão interna do PT - Fernando Exman

Valor Econômico

Avanço nas eleições, além de reduzido, foi muito concentrado e frustou o Palácio do Planalto

A reação de parte da cúpula do PT ao balanço eleitoral feito pelo ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha, evidencia como vai ser complexo o processo de reflexão interna que o partido inevitavelmente enfrentará.

Complexo e intenso. Ele terá como pano de fundo as articulações para a sucessão da presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). Uma disputa que definirá, entre outros aspectos, qual será a postura da sigla nas negociações com os partidos de centro para as eleições de 2026 e seu discurso em relação à política econômica do Ministério da Fazenda e, também, ao Banco Central sob o comando de Gabriel Galípolo.

De forma franca, Padilha colocou o dedo na ferida. Após reunir-se com Gleisi e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio da Alvorada na segunda-feira (28), avocou a condição de filiado e integrante da bancada federal do PT para defender que a sigla faça “uma avaliação profunda” do resultado das eleições. Disse que a legenda permanece na zona de rebaixamento em que entrou nas eleições municipais de 2016, o que irritou os correligionários e provocou o embate.

Em público, o PT destaca que elegeu 252 prefeitos ante os 183 de 2020 e 3.118 vereadores contra 2.668 quatro anos antes. Como o planejado, conseguiu mais estrutura para tentar eleger o maior número possível de senadores em 2026.

Isso não afasta, contudo, o fato de que há no Palácio do Planalto uma grande frustração.

Acredita-se que esse avanço, além de reduzido, foi muito concentrado. O PT ainda é um partido nacional por causa de representativas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, além de estar, claro, à frente da Presidência da República. Mas, argumenta-se, está se tornando uma agremiação com intensa atuação em apenas determinados Estados, como Ceará, Piauí, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Enfrenta severas dificuldades nas médias e grandes cidades.

Justamente por isso havia grande expectativa em relação aos resultados no segundo turno em Fortaleza, Cuiabá e Natal. O PT venceu por muito pouco em Fortaleza, única capital que será administrada pela legenda. Estava claro para todos que em São Paulo seria muito difícil Guilherme Boulos (Psol) ganhar.

Porém, se no campo governista existe a avaliação de que foi difícil emplacar uma bandeira nacional em uma disputa local, por outro lado não há dúvidas de que é preciso uma revisão profunda da estratégia para 2026. Impõe-se a discussão sobre como o partido deve abordar temas sensíveis que permanecerão em pauta.

Um exemplo é a agenda de costumes. Ela não será abandonada, mas, ao mesmo tempo, episódios como o uso de linguagem neutra em evento de campanha de Boulos ao lado de Lula tendem a ser evitados. Mas também vai crescer a pressão para que governo e partido apresentem melhor à população o que já estão fazendo e, em paralelo, inovem em outras áreas que afetam o cotidiano do cidadão - segurança pública, mobilidade urbana e habitação, ampliação da oferta de creches. Existe uma busca por novas marcas.

Será ainda preciso encontrar uma fórmula para dialogar com empreendedores e trabalhadores por aplicativos. Aos empregados com carteira assinada, defender uma redução da jornada. E também modelar o discurso voltado aos evangélicos, que têm nas igrejas instituições substitutas ao Estado. Algumas dessas pistas foram dadas pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) em entrevista nessa terça-feira (29) à GloboNews.

Ainda há incerteza quanto à disposição do partido de enfrentar esse debate, que será desgastante, mas, ao mesmo tempo, determinará o futuro do PT. É por isso que algumas lideranças insistem em começar a falar mais abertamente sobre as dificuldades enfrentadas nas últimas eleições municipais e como os próximos candidatos precisam conseguir passar a mensagem de que a sigla é, entre todas as outras, a mais capaz de propor soluções reais para a população.

Algo semelhante disse o rapper Mano Brown seis anos atrás, em uma participação que tem sido lembrada em Brasília nesses últimos dias, quando discursou durante comício no segundo turno da eleição presidencial de 2018. Ao receber o microfone, disse que não havia motivo para comemoração, pois via muita dificuldade na missão de conquistar milhões de votos para levar Fernando Haddad à vitória. “Se [o PT] não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, afirmou, para espanto dos presentes. “O partido do povo tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta para a base e vai procurar saber.”

Brown foi vaiado. Sentados atrás dele estavam Haddad, Manuela d´Ávila, candidata a vice, e um atônito Guilherme Boulos.

Sua mensagem foi se perdendo ao longo do tempo. Mas, no domingo (28), após sacramentada a vitória de Ricardo Nunes (MDB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo, foi a vez de Boulos falar à multidão.

O deputado ponderou que não faria um discurso de perdedor, pois, apesar do resultado, sua campanha havia recuperado a dignidade da esquerda ao mostrar que era possível fazer política olho no olho e debatendo com o povo nas ruas sobre as verdadeiras angústias da população. Ao seu lado, em uma pequena estrutura elevada no meio dos apoiadores, figuravam apenas Marta Suplicy, sua candidata a vice, e o ministro Alexandre Padilha. Mais ninguém do PT.

 

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