quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Eleição não muda jogo para Lula e Bolsonaro - Christopher Garman

Valor Econômico

É preciso ter muita cautela para não extrapolar para a disputa presidencial de 2026 conclusões exageradas sobre as eleições municipais

Passado o segundo turno das eleições municipais, comentaristas e lideranças partidárias estão tirando duas conclusões sobre os resultados das urnas - ambas tremendamente exageradas.

A primeira é que a dominância dos partidos de centro e direita mostraria que o país está migrando para a direita, criando um cenário difícil para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores em 2026. A segunda é que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria perdido força, já que não conseguiu eleger seus candidatos em várias cidades (particularmente Goiânia e Belo Horizonte), indicando que o eleitorado estaria começando a privilegiar candidatos mais ao centro e a rejeitar a polarização.

De fato, o resultado das urnas sinaliza que partidos de centro e direita reforçaram sua posição nas prefeituras locais, o que vai ajudá-los a eleger deputados em 2026. Mas diz pouco sobre a eleição presidencial de 2026, e não deve ser visto como um sinal de fragilidade - nem de Lula, nem de Bolsonaro.

Conclusões de que Lula e Jair Bolsonaro perderam força, baseadas nos resultados das eleições, são muito exageradas

O que este ciclo eleitoral mostrou foi uma enorme onda que beneficiou quem já estava governando. Nesse sentido, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi feliz ao afirmar que o grande vencedor dessa eleição foi a “reeleição”.

Ser prefeito é tradicionalmente uma tarefa difícil: o gestor está na linha de frente de serviços públicos que são difíceis de entregar, como saúde, educação, segurança, transportes e coleta de lixo. Não por acaso, a taxa de reeleição para prefeitos estava historicamente em 59% até esta eleição - abaixo do índice para governadores (70%) e para presidente (75%). Mas desta vez, os dados impressionaram: a taxa de reeleição chegou a de 82%, superando o pico histórico de 70% de 2008, quando o país surfava em um crescimento econômico bastante robusto.

Parte desse bom desempenho é explicada pela distribuição de emendas parlamentares. Entre municípios que receberam recursos das chamadas emendas Pix, o índice de eleição foi de quase 94% (embora a amostra seja pequena). Mas o principal motivo do sucesso foram as finanças municipais. Depois da pandemia, os salários dos servidores foram congelados, fazendo com que os gastos crescessem menos que as receitas. Um estudo feito pelo Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo mostra que, entre 2018 e 2022, a receita das 600 cidades com mais de 50 mil habitantes cresceu 24% acima da inflação, enquanto o gasto aumentou metade disso. Com isso, as prefeituras mais que dobraram suas despesas com investimentos nos últimos dois anos. Diante disso, e com um crescimento real da renda em dois dígitos no último 1,5 ano, o eleitor votou pela continuidade.

A métrica que melhor mostra a força dessa continuidade é comparar o número de prefeituras que cada partido venceu com quantas governava na véspera da eleição - e não com as vitórias obtidas em 2020. Isso porque, nos últimos quatro anos, houve muita migração partidária. Assim, comparar apenas os resultados das urnas ao de quatro anos atrás não traz um retrato fiel do desempenho dos partidos.

Por essa ótica, houve muito mais continuidade que mudança. O resultado obtido pelo PSD é ilustrativo dessa diferença. O partido elegeu 654 prefeitos em 2020, e 887 este ano, o que o fez ser visto como o grande vitorioso. Mas, na véspera do pleito, governava 1.040 municípios - logo, perdeu 153 prefeituras (14%). Já o MDB entrou na disputa com 916 prefeituras e saiu com 853, uma perda de 63 municípios. PL e Republicanos tiveram os maiores ganhos, mas menores que os obtidos em 2020. Enquanto isso, o PT tinha 265 prefeituras na véspera da eleição, e conquistou 252.

Partidos de centro, como PSD e MDB, e centro-direita, como Progressistas e União Brasil, tiveram bons desempenhos porque já controlavam a maior parte das prefeituras, e o eleitor médio está contente com seus governantes. O PT e os partidos de esquerda, como o PSB, tiveram votações inexpressivas porque estavam na oposição. O país de fato dá sinais de ser mais conservador. Mas o resultado das urnas nas eleições municipais não é um indicador desse fenômeno, até porque o eleitor escolhe seus prefeitos baseado em temas locais (como coleta de lixo, saúde, segurança) e não nacionais.

Olhando por essa ótica, há poucas evidências que sugiram que o capital político do ex-presidente Jair Bolsonaro ou do presidente Lula sofreram um revés. Para Lula, um cenário de “continuidade” não é razão para preocupação em relação a 2026. O presidente foi eleito com uma taxa de aprovação média de 52% (no aprova/desaprova). Essa taxa está hoje em 50%, o que não sugere desgaste. O Palácio do Planalto deve focar sua preocupação em relação às próximas eleições exclusivamente na economia e em criar condições para uma recuperação no final do mandato - e isso passa por um ajuste nas contas públicas.

Dados da Atlas Intel mostram que a aprovação de Bolsonaro tampouco sofreu abalos: está em patamar quase idêntico ao que ele gozava na eleição de 2022, ao redor de 42%. O ex-presidente não conseguiu que seus candidatos saíssem vitoriosos em cidades como Goiânia e Belo Horizonte, mas levou-os ao segundo turno. Além disso, a eleição municipal deu sinais de que o profundo desencanto contra o sistema que elegeu Bolsonaro em 2016 segue bastante vivo. Isso ficou claro em São Paulo, onde o candidato antissistema Pablo Marçal quase chegou ao segundo turno, apesar dos gastos extraordinários do prefeito Ricardo Nunes. Foi um alerta para qualquer candidato da direita que venha a disputar a Presidência: se o discurso não refletir a revolta dos eleitores do Bolsonaro contra o sistema, abrirá um flanco para quem o faça.

Sem dúvida nenhuma, os resultados das urnas fortaleceram o poder dos partidos de centro na estrutura partidária brasileira, o que vai reforçar suas bancadas na Câmara de Deputados em 2026. Qualquer governo vai depender do apoio desses partidos para governar. Mas é preciso ter muita cautela para não extrapolar conclusões exageradas sobre a disputa presidencial de 2026.

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