O Globo
Ficou claro que saber gastar em obras
importantes para os moradores é fundamental para obter resultados eleitorais
A eleição municipal que terminou domingo
ficou conhecida como a “das emendas parlamentares”. Mas poderia também ser
chamada de “eleição dos fundos”. Nunca ficou tão claro o poder do dinheiro na
definição dos resultados finais, especialmente na reeleição da maioria
esmagadora dos prefeitos de capitais.
O sistema de reeleição ficou consolidado com
a vitória de quase 80% dos incumbentes. Pode ser bom por garantir a permanência
de gestores bem avaliados, mas também ser reflexo da máquina estatal,
impulsionada pelas verbas públicas. Os prefeitos, de costume, são fundamentais
para a eleição do Congresso e, como chamou a atenção o diretor da Quaest,
Felipe Nunes, podem impedir que a renovação política se faça a partir das
bases.
A supervisão do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais será cada vez mais necessária, para que o abuso do poder político e econômico não distorça os resultados das urnas. Ao mesmo tempo, ficou claro que saber gastar o dinheiro em obras importantes para os moradores é fundamental para obter resultados eleitorais positivos. A mudança essencial é que os partidos políticos ganharam independência ante o governo central, cujo partido não detém o controle do Congresso.
Nos tempos em que o Executivo controlava a
distribuição de verbas e emendas parlamentares, era tradicional que seus
partidos, fosse o PSDB, fosse o PT, ganhassem também as eleições, tanto
municipais quanto federais. Mesmo não fazendo maioria absoluta, tinham as
maiores bancadas e atraíam deputados e senadores para suas legendas. Hoje, com
as emendas parlamentares impositivas e os fundos eleitoral e partidário, a
autonomia dos partidos permite que façam seus projetos eleitorais sem depender
do governo central. E o governo central não ousa se meter nas disputas
regionais, como mostraram tanto Lula quanto Bolsonaro nas campanhas.
Situação mais difícil hoje para Lula, que tem
na sua base congressual partidos cujos objetivos de médio prazo não batem com o
seu, são de centro-direita ou mesmo de direita. O PSD foi o partido que mais
elegeu prefeitos, mas apenas o quarto que mais recebeu dinheiro por meio das
emendas parlamentares. Tem um pé na canoa petista e outro na bolsonarista, com
Tarcísio de Freitas. E não quer abrir mão de nada.
O PT foi o que recebeu mais verbas
parlamentares, mas elegeu apenas 252 prefeitos em todo o país, ante 887 do PSD.
Segundo o Portal do Orçamento, R$ 617,8 milhões foram liberados à bancada
petista, que tem 68 deputados. O volume destinado ao PL, maior partido da
Câmara, foi de R$ 367 milhões. O total recebido pelas legendas por meio dos
fundos aumentou de R$ 2,5 bilhões em 2018, ano da primeira eleição com as novas
regras, para R$ 6 bilhões em 2024, fortuna usada pelas siglas para bancar as
campanhas de candidatos a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.
Pelo tamanho das bancadas no Congresso, o PL,
que elegeu 99 deputados em 2022, foi a primeira legenda a ter mais de R$ 1
bilhão num único ano, quase 30% a mais do que o segundo colocado, o PT, que
deveria ser seu principal adversário se a polarização tivesse prevalecido. O
MDB foi a legenda que mais elegeu vereadores, 8.113, enquanto o PT elegeu
apenas 3.130, embora tenha se saído melhor que na eleição municipal anterior.
Na mesma proporção em que as verbas foram
distribuídas entre os 25 partidos que concorreram, também os resultados foram
compartilhados. Mas sem dúvida partidos como PSD, MDB e PL foram os mais
vitoriosos. Certamente receberão adesões ou farão federações com outras siglas
que terão de cumprir as cláusulas de barreira nas eleições para o Congresso em
2026.
O povo não tem a menor noção dessa sopa de siglas.
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