quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O presente de Maduro para Lula - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Ao atacar a política externa brasileira, presidente venezuelano oferece a Lula a possibilidade de se reconciliar com a frente ampla que o elegeu

Nicolás Maduro deu um presente a Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente não o merecia, mas só tem a agradecer. A hostilidade venezuelana à diplomacia brasileira não poderia ter vindo em momento mais alvissareiro. Foi a carona que Lula precisava para alcançar o vento à direita que varreu o Brasil no domingo.

Maduro convocou o embaixador da Venezuela no Brasil, Manuel Vadell, e, na ausência da embaixadora, o encarregado de negócios da Embaixada Brasileira em Caracas, Breno Hermann, para pedir explicações. A atitude ainda está separada por alguns degraus do rompimento de relações, mas dá pro gasto.

Trata-se de uma guinada da rota traçada a partir de 30 de maio de 2023. Naquele dia, Lula recebeu Maduro no alto da rampa do Palácio do Planalto, honrando o chefe do Estado com o qual seu antecessor rompera relações. Não ficou por aí. O presidente disse que havia se construído uma “narrativa” contra a Venezuela nos últimos anos, que o regime de Maduro tinha problemas “de democracia” e que trabalharia para a entrada do país no Brics.

No dia seguinte já surgiriam os sinais de que estava na contramão. Anfitrião de um encontro de presidentes sul-americanos, foi rechaçado da direita à esquerda. O presidente uruguaio, Lacalle Pou, disse que Lula estava “tapando o sol com a peneira” e o chileno Gabriel Boric, que não se podia fazer “vista grossa” aos problemas da Venezuela.

O rechaço dos vizinhos não impediu que Lula dobrasse a aposta. O Brasil entrou de cabeça num acordo com vistas obter garantias da Venezuela por eleições íntegras em 2024 em troca do levantamento de sanções americanas. A Venezuela voltou a fechar contratos e as petroleiras americanas conseguiram o óleo que queriam num momento de turbulência do mercado provocado pela guerra da Ucrânia, mas Maduro não entregou as atas que comprovariam o compromisso por eleições íntegras.

Os sinais de que não o honraria já estavam claros. Em março, a candidata de oposição Corina Yoris, foi impedida de se registrar. O Itamaraty registrou desagrado, Maduro disse que a manifestação era “padrão Departamento de Estado americano”. A tréplica veio de Lula, que subiu o tom e chamou de “grave” o veto ao registro.

A tensão não impediu o presidente de mandar seu assessor especial à Venezuela para acompanhar a votação em julho. Ao fazê-lo, contrariou a vontade, segundo Celso Amorim disse à Comissão de Relações Exteriores da Câmara, expressa pelo próprio Maduro.

O presidente venezuelano trucou e deixou o Brasil num beco sem saída até que, no Brics, Maduro ofereceu, de bandeja, uma saída para Lula lhe dar o troco. Um ano e cinco meses depois de dizer que trabalharia pela entrada da Venezuela no Brics, o Brasil vetou sua inclusão na lista de 13 países a serem consultados pela Rússia, atual presidente do bloco, para se tornarem “parceiros” do Brics, categoria dos sem-voto.

O acidente doméstico que privou Lula de viajar a Kazan lhe permitiu operar o troco à distância. Maduro desembarcou de surpresa no encontro, quando a lista de países já estava fechada. Na quarta, 23, pela manhã, a Putin anunciou aos integrantes do Brics. Até a quinta, Maduro tentou dar uma carteirada. Quando percebeu que não teria sucesso, apostou na cizânia interna da política externa brasileira. Na primeira das notas que dirigiu contra o veto brasileiro mirou no embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty.

Buscava o apoio da ex-presidente Dilma Rousseff, presidente do banco do Brics. Durante a visita de Lula à China, em abril, a ex-presidente avistou Saboia e manifestou seu desagrado, sem eco. Não foi a primeira vez que uma investida de Dilma contra o diplomata fracassou. Durante seu primeiro governo, Saboia era o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil na Bolívia quando decidiu montar uma operação, com a ajuda de fuzileiros navais, para tirar o senador de oposição, Roger Molina, do país.

Refugiado havia 452 dias na Embaixada brasileira, Molina não conseguia obter, do governo Evo Morales, salvo-conduto para viajar, a despeito de o governo brasileiro ter aceito seu pedido de asilo. A operação de fuga, que Saboia justificaria pela definhamento do senador, levaria a uma crise com a Bolívia que custaria o cargo do chanceler Antonio Patriota.

A segunda investida de Maduro foi em cima do próprio chanceler, Mauro Vieira, nesta segunda, em entrevista à televisão venezuelana, ao acusar o Itamaraty de “conspirar” contra a Venezuela. E, finalmente, nesta quarta, chegou em Amorim. Na véspera, o assessor especial do presidente, em audência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, falou em “mal-estar” com a Venezuela, disse que o país havia “quebrado a confiança” do governo brasileiro e que sua presença “não contribui” para o Brics.

A única autoridade venezuelana a atacar o presidente foi Tarek Saab, chefe do Ministério Público, que acusou Lula de ser um “cooptado pela CIA”, mas, ao chamar Amorim, de “mensageiro do imperialismo” americano, Maduro prestou enormes serviços - à diplomacia brasileira, que, desgastada por cizânias internas, se uniu, e ao próprio presidente, cuja política para a Venezuela abriu, desde a posse, um fosso com a frente ampla de partidos que o elegeu. Num momento em que a direita, agigantada, se divide, a sorte passou selada e, agora, só resta a Lula administrá-la.

 

5 comentários:

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  2. Quem diria...

    Lula, de brother e parceirão no Foro de São Paulo, a agente da CIA e do imperialismo yankee estadunidense.

    O mundo não gira, ele capota.

    😎😏

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  3. Isto são as tais narrativas, tão ao gosto de bolsonaristas e petistas, que se igualam e irmanam ao menos nisto.

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  4. Nas eleições venezuelanas, a narrativa da extrema imprensa era classificar Maduro como extrema direita, como não colou, agora a narrativa vai ser que Maduro rompeu relações com Lula, sabemos que é mentira, mas nas próximas eleições, se não for Bolsonaro quem vai disputar com Lula, essa relação de Lula com Maduro vai tirar alguns milhões de votos do molusco, e como nas duas últimas eleições que o PT ganhou a presidência foi por poucos 1000 votos, essa perda de eleitorado vai fazer a diferença a favor do adversário de Lula, e isso já provoca desespero na extrema imprensa que não vive sem o PIX do planalto......

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