segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Urnas trouxeram más notícias a Lula e Bolsonaro

O Globo

Eleições municipais registraram avanço notável de partidos de centro e centro-direita, desafiando polarização

Depois da abertura das urnas do segundo turno neste domingo, ficou claro que a eleição municipal trouxe más notícias ao presidente Luiz Inácio da Silva e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Tanto um quanto outro se revelaram pouco eficazes como padrinhos de candidatos — enquanto partidos de centro e centro-direita conquistaram avanços notáveis, em desafio à polarização ideológica.

O PSD é o partido que comandará o maior número de prefeituras: 887, seguido de MDB (854), PP (747) e União Brasil (584). O PL de Bolsonaro, que planejava fazer das eleições municipais um trampolim para consolidar sua força nacional, ficou em quinto, com 517. E o PT, de Lula, ficou em nono com 252, atrás até do PSDB (274).

MDB e PSD administrarão cinco capitais cada um, entre elas as mais importantes: São Paulo (Ricardo Nunes, MDB, reeleito), Rio de Janeiro (Eduardo Paes, PSD, reeleito no primeiro turno) e Belo Horizonte (Fuad Noman, PSD, reeleito agora). Somando as prefeituras de União (quatro), Podemos (duas), PP (duas), Avante e Republicanos (uma cada), partidos de centro ou centro-direita ganharam em 20 capitais.

A esquerda venceu em duas: Recife (João Campos, PSB, reeleito no primeiro turno) e Fortaleza, onde o PT conquistou sua única capital no segundo turno, por diferença inferior a 11 mil votos (perdeu em Cuiabá, Porto Alegre e Natal). O PL de Bolsonaro, que colhera alguns louros em 6 de outubro, desta vez amargou derrotas em Belo Horizonte e Goiânia e venceu só em Cuiabá e Aracaju, somando quatro capitais. Bolsonaro ainda perdeu em Curitiba, onde apoiou a candidata do PMB.

Na eleição mais importante, em São Paulo, a reeleição de Nunes deve mais ao apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que ao de Bolsonaro. Com a vitória, Tarcísio se fortalece como pré-candidato na corrida presidencial de 2026. Para Lula, a eleição paulistana trouxe a derrota mais sofrida: Guilherme Boulos (PSOL) perdeu por quase 19 pontos percentuais (59,4% a 40,6%), proporção idêntica à de 2020, quando também foi derrotado por Bruno Covas.

Depois de ser desafiado por Pablo Marçal no primeiro turno, Nunes contou com as obras de sua administração — principalmente na periferia — e com a alta rejeição a Boulos para vencer. O fiasco petista se revelou também em Porto Alegre, onde o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), venceu sem susto a petista Maria do Rosário, apesar do desgaste provocado pelas enchentes no início do ano. Das capitais, Lula venceu apenas em Fortaleza, onde fez uma espécie de gol de honra. Bolsonaro, em Cuiabá e Aracaju. Nenhum dos dois se revelou grande cabo eleitoral.

Estabelecida a nova correlação de forças nas prefeituras, com o avanço de partidos de direita e centro-direita e o enfraquecimento da esquerda, é hora de o Brasil deixar para trás o clima bélico que dominou as campanhas e se unir em torno das agendas prioritárias para o país: a conclusão da reforma tributária, o controle de gastos, o combate ao crime organizado, melhorias na saúde e na educação. Há recados claros saídos das urnas. Um deles, reforçado pelo alto índice de reeleição dos prefeitos, é que, independentemente de posições ideológicas, os cidadãos querem respostas mais concretas a seus problemas cotidianos e menos promessas vazias. O governo federal deveria ouvi-los.

Uso da internet por crianças e adolescentes exige supervisão adulta

O Globo

Maioria dos pais acredita que diálogo basta para evitar o pior. Realidade mostra que não é bem assim

Metade das crianças de 9 e 10 anos assiste a vídeos e participa de jogos na internet sem supervisão de adultos, constatou a pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). A maioria dos pais e responsáveis (77%) tem a ilusão de que os filhos estão seguros na web. Ao mesmo tempo, parcela semelhante diz conversar sobre os riscos com as crianças e adolescentes. De acordo com Luisa Adib, coordenadora da pesquisa, os pais acham que apenas falar no assunto resolve a questão. Mas é necessário supervisionar, monitorar e proibir.

“As pessoas não entenderam que a internet não é um diário. É a rua. Rede social é uma praça pública escura cheia de estranhos”, disse em entrevista ao GLOBO a juíza do Rio Vanessa Cavallieri, titular da maior Vara da Infância e Adolescência do país. “Quando entenderem isso, se comportarão na rede digital como na vida real. Ninguém deixa uma criança sozinha numa praça pública e vai embora.”

De acordo com ela, as redes sociais mudaram o perfil dos menores criminosos. Há nove anos, quando assumiu suas funções, adolescentes de classe média ou alta eram minoria, em geral casos de estupro de vulnerável entre colegas. Hoje, Cavallieri afirma ter de lidar com um número “altíssimo, crescente” deles. “Quase todas as melhores escolas do Rio têm casos”, diz ela. “Sempre num contexto de violência que vem do uso da internet sem supervisão.”

Multiplicam-se episódios de pornografia infantil, vingança ou distribuição de nudes. Há crimes de pedofilia investigados pela Interpol. Há adolescentes respondendo por crimes contra honra, ódio, racismo, misoginia, supremacismo branco, ideologia nazista e neonazista. Até a Lei Maria da Penha tem sido acionada para proteger meninas.

Uma medida correta, segundo ela, é proibir o celular nas escolas. Mesmo nos intervalos ele precisa ser evitado, para incentivar a sociabilidade dos alunos. Caso haja necessidade de dar um aparelho às crianças, que seja um “telefone burro”, sem recursos para navegar nas redes. “Crianças não devem usar celular”, afirma. “A idade mínima para acesso a redes sociais é 13 anos.” Ela destaca que as próprias plataformas digitais dizem não ser seguro antes disso. Mas falta também, no entender de Cavallieri, as redes sociais evitarem que crianças e jovens adolescentes se registrem. “Há tecnologia para isso.” Ela cita a usada pelos bancos. Além disso, as plataformas precisam ser responsabilizadas por não monitorar o conteúdo criminoso que circula nas redes.

Em qualquer circunstância, não basta apenas empresas ou autoridades agirem. Famílias e educadores são vitais para impedir o efeito devastador que a internet pode ter em crianças e adolescentes e incentivar o que ela tem de bom.

 Velhos e novos problemas desafiam prefeitos eleitos

Valor Econômico

Prefeitos ou candidatos que apostaram em arcos mais amplos de alianças acabaram prevalecendo nas urnas, em um pleito que mostrou o maior índice de reeleição desde 2008

Acabada a eleição, cabe aos prefeitos executar as principais tarefas que lhes incumbiram os eleitores e cumprir suas promessas nos próximos quatro anos. As eleições mostraram que há um núcleo de temas recorrentes - como segurança e saúde - e outros novos e importantes - como empreendedorismo e mudanças climáticas - que exigem respostas atentas do poder público municipal.

As grandes questões ideológicas tiveram escassa repercussão entre os eleitores, que deram importância aos problemas que mais os afligem em seu cotidiano. Prefeitos ou candidatos que apostaram em arcos mais amplos de alianças acabaram prevalecendo nas urnas, em um pleito que mostrou o maior índice de reeleição desde 2008. O centro e a centro-direita saem como grandes vencedores, com destaque para o PSD (que vai comandar o maior número de prefeituras, 887) e o MDB (que vai governar mais gente, 27,7 milhões de pessoas).

Em São Paulo, onde Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (Psol) se enfrentaram, prevaleceu a moderação do prefeito, que, sem desprezar o patrocínio de Jair Bolsonaro, no geral deixou de lado as pautas da extrema direita para centrar-se nas obras que realizou. Em Porto Alegre, outra cidade onde a ameaça ao incumbente veio da esquerda, Sebastião Nunes (MDB) derrotou com facilidade a petista Maria do Rosário.

Onde a ofensiva partiu da direita bolsonarista, esta teve insucessos. Em Belo Horizonte, o prefeito Fuad Noman (PSD) obteve confortável vantagem sobre Bruno Engler (PL), assim como Eduardo Pimentel (PSD) eliminou pelo voto o flerte de Bolsonaro com a radical Cristina Graeml, do PMB. No primeiro turno, Eduardo Paes (PSD) derrotou o bolsonarista Alexandre Ramagem (PL) no Rio.

O apoio a administrações consideradas boas ou razoáveis foi mais forte do que a aposta em candidatos com discursos extremistas que representariam um salto no escuro, diante de velhos e novos problemas que desafiam as administrações municipais.

A primeira preocupação dos paulistanos e cariocas, comuns aos habitantes das maiores cidades do país, é a segurança (20%), seguida pelo constante binômio saúde e educação, com 18% (Datafolha, 24/8). Ainda que a segurança não esteja entre atribuições dos prefeitos, mas dos governadores, e subsidiariamente da União, a demanda por proteção e melhoria da sensação de tranquilidade recai sobre o Executivo municipal, um fenômeno agravado pela expansão do crime organizado para o interior e para pequenas cidades. A grosso modo, só a educação primária compete à Prefeitura, e a saúde tem responsabilidades compartilhadas com Estado e União.

As mudanças climáticas, que provocam temporais cada vez mais intensos e destruidores ou secas graves, estiveram ausentes das campanhas. Elas também não foram identificadas diretamente com relevo pelos eleitores, que, no entanto, a apontaram indiretamente, ao mostrarem inquietações com seus efeitos: inundações, deslizamentos, perdas materiais e mortes. Caberá aos prefeitos a liderança no esclarecimento e na ação para enfrentar um problema grave, que só tende a piorar.

A expansão das cidades e o uso do solo são vitais na adaptação às mudanças do clima e à mitigação de suas consequências, que hoje apenas atraem escasso interesse dos vereadores e peregrinações de lobbies interessados em fazer negócios com mudança em planos diretores.

Em decorrência das mudanças climáticas e das transformações no trabalho, os prefeitos têm de realizar o redesenho complexo da expansão da cidade e da mobilidade urbana. O transporte individual tem de ser inteligentemente desestimulado pela oferta compatível de transporte coletivo funcional, o que ainda não acontece. Ao mesmo tempo, a proliferação dos trabalhos por aplicativos trouxe às ruas uma multidão de motociclistas, hoje vitais na logística de consumidores e empresas e as maiores vítimas do trânsito nas capitais.

A transformação do emprego e dos serviços fez emergir o empreendedorismo como peça cada vez mais importante da economia, magnificada pelo avanço da digitalização dos negócios. Boa parte dos prefeitos não se deu conta disso, e a questão foi objeto claro de disputa na campanha paulistana. Os empreendedores precisam de modernização da burocracia, que demora a chegar aos municípios, também assolados por voracidade fiscal ou ilegalidade de máfias exigindo propinas. A agilidade na criação e fechamento de negócios tem passado ao largo de prefeitos e vereadores, tornando-se obstáculo relevante ao aumento da produtividade da economia local e nacional.

A digitalização do setor público deveria abrir uma avenida de oportunidades, entre elas a de ampliação da participação democrática dos cidadãos, e tornar-se prioridade dos prefeitos. Não só é possível eliminar a burocracia de documentos e certidões em várias setores da vida municipal, como também obter a opinião dos cidadãos sobre projetos de lei e diagnósticos precisos das carências e melhorias necessárias aos bairros das cidades.

As campanhas deixaram a desejar no debate mais profundo sobre propostas de governo. A democracia nasceu e se exerce na pólis (a cidade-Estado grega), e a participação pública tende a ser ampliada e celebrada em eleições nas quais prevaleçam cada vez mais o voto informado e consciente dos cidadãos.

Que Nunes faça por merecer o voto de confiança

Folha de S. Paulo

Prefeito de SP obtém novo mandato graças à rejeição aos adversários; terá orçamento para enfrentar carências da cidade

Está claro que o prefeito Ricardo Nunes (MDB), reconduzido neste domingo a um novo mandato, não entusiasmou até aqui a ampla maioria do eleitorado paulistano.

Sua gestão é considerada ótima ou boa por não muito mais de um quarto dos moradores da cidade mais rica e populosa do país. Essa proporção pouco se alterou durante uma campanha de vastos recursos e tempo de propaganda. Não por acaso, um percentual similar dos votantes viu no emedebista sua opção preferencial no primeiro turno do pleito.

Na véspera da abertura das urnas, 63% dos entrevistados que declaravam ao Datafolha a disposição de manter o prefeito no posto diziam fazê-lo por falta de opção melhor, ante 36% que o apontavam como o candidato ideal.

O prefeito ganhou um voto de confiança da metrópole graças, em grande parte, à rejeição a seus principais adversários —o arruaceiro Pablo Marçal (PRTB), que por pouco não chegou ao segundo turno, e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que não conseguiu superar o patamar de sufrágios da eleição anterior.

Nada disso, obviamente, reduz a legitimidade da vitória de Nunes, merecedor de quase 60% dos votos válidos na rodada final. Cabe a ele compreender, entretanto, que as urnas cobram um desempenho mais marcante e inovador a partir do próximo ano.

A prefeitura vive um momento de relativa bonança financeira. Suas dívidas foram equacionadas em condições favoráveis, e o Orçamento de 2025 prevê um recorde de R$ 122,7 bilhões em despesas. Se a conjuntura nacional não descambar para uma crise, vislumbra-se uma quadra favorável para o mandato municipal.

A cidade sofreu nos últimos anos tanto com a falta de recursos quanto com descontinuidades administrativas. Prefeitos como José Serra (PSDB) e João Doria (ex-PSDB) usaram o posto como trampolim para buscar o governo do estado. Uma fatalidade —a morte do também tucano Bruno Covas— levou Nunes à administração da cidade.

As carências metropolitanas vão muito além dos recentes apagões provocados pelas chuvas, que tendem a ser mais intensas com a mudança climática. Educação fundamental e saúde básica, que lideram os gastos municipais, não são exceção ao padrão nacional de gestão deficiente.

O nó da mobilidade urbana e da violência no trânsito não mereceu a devida atenção na campanha —com medo de perder apoios, Nunes nem mesmo se animou a defender a necessária redução de velocidade nas vias. Há o desafio de recuperar o centro e conter as chagas sociais dos moradores de rua e da cracolândia.

O prefeito reuniu em torno de si uma vasta rede de apoio partidário, que vai dos tradicionais adesistas do centrão ao PL de Jair Bolsonaro, passando pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Que tal aliança seja empregada em prol de reformas ambiciosas, não de interesses fisiológicos e políticas reacionárias.

Incerteza prevalece na eleição americana

Folha de S. Paulo

Empate entre Trump e Kamala alimenta cálculos sobre riscos da vitória do republicano para economia e geopolítica globais

A apenas oito dias da eleição presidencial dos Estados Unidos, prevalece uma incerteza inquietante quanto ao resultado. A democrata Kamala Harris e o ex-presidente republicano Donald Trump mantêm-se em empate técnico na maioria das pesquisas nacionais e, especialmente, nas consultas em estados com potencial para definir a disputa.

O quadro causa temores devido à possibilidade de retorno de Trump ao comando da nação mais poderosa do planeta.

Considerando seu histórico na Casa Branca de 2017 a 2021 e sua agenda para o próximo ciclo, sua vitória impõe riscos à economia e à geopolítica globais, que já estão sendo calculados por União Europeia e demais potências.

A média ponderada das últimas 13 pesquisas, calculada pelo Real Clear Politics, mostra Trump com 48,5% das intenções de voto e Kamala com 48,3%. Na mesma fase final do pleito de 2020, Joe Biden mantinha 7,4 pontos de vantagem sobre o republicano.

Mas, no sistema eleitoral americano, vencer na votação popular não é suficiente. O Colégio Eleitoral, pelo qual o vitorioso em cada estado leva as cadeiras correspondentes, é que define o futuro presidente dos EUA. Tampouco há clareza nessa instância.

Neste momento, Trump conta com mais votos previstos (219) que Kamala (215). A batalha para alcançar o número mínimo de 263 envolve nove estados onde o eleitorado, tradicionalmente, não tem compromisso partidário. A média das pesquisas em oito deles aponta empate técnico. A democrata aparece com vantagem apenas em Minnesota.

Causa espécie o fato de Kamala, apesar de ter recebido doações bem mais volumosas para sua campanha do que o republicano, não ter aberto vantagem nos últimos dois meses.

Em boa medida, a situação reflete preocupação do eleitor com a economia. Paradoxalmente, a política para o setor da gestão Biden-Kamala, que baixou a inflação sem mergulhar o país em recessão, não tem se traduzido em votos. Suas promessas de redução do custo de vida também não conquistam os indecisos.

Como demonstram sondagens recentes, parte expressiva do eleitorado acha que Trump lhes entregará melhor situação material do que Kamala. Qualquer que seja o resultado, por óbvio, não se espera panaceia. No entanto a incerteza agora alimenta riscos que se imaginavam superados.

A velha agenda trumpista com negação da crise do climaflertes com Vladimir Putin e contra o multilateralismo será retomada. Se eleito, pode incluir novidades ainda mais alarmantes.

Muito trabalho pela frente

O Estado de S. Paulo

Que fique claro: Nunes foi reeleito não porque paulistano aprove sua gestão, mas porque seu adversário era muito rejeitado. Se reconhecer isso, terá chance de fazer um governo melhor

A maioria dos paulistanos optou por conviver com os problemas conhecidos ao invés de dar uma guinada na administração da capital paulista. Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo. Se deseja começar bem o planejamento de seu futuro mandato, Nunes deve receber esse voto de confiança com muita humildade. Está claro que o prefeito seguirá no cargo a partir de 1.º de janeiro de 2025 não pelo suposto sucesso de sua gestão, mas, como indicaram as pesquisas, pelo alto índice de rejeição ao nome de seu adversário na disputa, Guilherme Boulos (PSOL), e por falta de opção melhor no campo da centro-direita.

Qualquer eleição para cargo do Poder Executivo em que o incumbente é candidato à reeleição é um referendo sobre a sua administração. Nesse sentido, não se pode dizer que o governo de Nunes tenha sido aprovado pela maioria dos paulistanos. No primeiro turno, o prefeito recebeu apenas 29,48% dos votos válidos. Por estreita margem, ficou à frente de Boulos, que obteve 29,07%, e do terceiro colocado, Pablo Marçal (PRTB), com 28,14%. Ou seja, foram alguns milhares de votos que fizeram a diferença, o que é quase nada em um universo de 9,3 milhões de eleitores. Tendo recebido menos de um terço dos votos na primeira rodada de votação, é possível dizer que, para ser medíocre, a gestão de Nunes ainda precisa melhorar um bocado.

Mas o fato é que o prefeito foi legitimamente reeleito e esses números, agora, só têm uma serventia: relembrar a Nunes que ele deve governar no melhor interesse de todos os paulistanos. Trabalho não vai faltar. Malgrado sua pujança política e econômica, são muitas e renitentes as carências da cidade de São Paulo, particularmente nas áreas de saúde, educação, mobilidade e zeladoria urbana – sem esquecer, é claro, da tragédia social dos cerca de 80 mil cidadãos que vivem largados à própria sorte nas ruas da capital paulista, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Qualquer paulistano que dependa do serviço municipal de saúde sabe a odisseia que é tentar agendar uma consulta médica ou exame simples, que dirá um procedimento mais complexo, como uma cirurgia. Qualquer mãe que precise matricular seu filho numa creche ou escola administradas pela Prefeitura sabe que dificilmente terá a sua demanda atendida a contento sem uma boa dose de paciência e perseverança.

A despeito de sua condição de cidade mais rica do País, dotada, portanto, de alta capacidade para investimentos, São Paulo até hoje não conseguiu reverter os prejuízos à aprendizagem de crianças e adolescentes que dependem da educação pública causados pela pandemia de covid-19. “Os municípios que foram determinados em recuperar o que foi perdido têm hoje resultados muito superiores a São Paulo”, disse ao Estadão a presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz. Entre as 26 capitais, São Paulo ocupa um vergonhoso 14.º lugar no ranking de 2023 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O trânsito na metrópole, por sua vez, está cada vez mais caótico e mortal, na linha “salve-se quem puder”. Semáforos apagam aos primeiros pingos de chuva, como se fossem feitos de papel. A falta de fiscalização tornou as ciclovias, na prática, vias expressas para motociclistas arrogantes e irresponsáveis. Acidentes são frequentes, muitos fatais. Como sublinhamos há poucos dias, mortes evitáveis se acumulam nas ruas e avenidas da capital paulista. Apenas entre janeiro e setembro deste ano, 786 pessoas morreram em acidentes de trânsito na cidade de São Paulo.

Ao longo da campanha, Nunes apresentou uma série de números para demonstrar suas supostas “entregas” para a cidade. Nenhum deles, porém, foi capaz de constituir uma marca de sua gestão. Basta dizer que muitos paulistanos, quando perguntados, não sabem sequer dizer o nome do atual prefeito. Cabe ao prefeito reeleito decidir se, enfim, realizará um governo digno do nome ou se seguirá como um ilustre desconhecido para parcela expressiva de seus governados.

A escalada da dívida não é questão de fé

O Estado de S. Paulo

Governo prefere simplesmente não acreditar na projeção do FMI segundo a qual a dívida bruta em relação ao PIB deve subir incríveis dez pontos porcentuais até o fim do mandato de Lula

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que a dívida bruta brasileira na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) deve aumentar mais de 10 pontos porcentuais ao longo do mandato do presidente Lula da Silva, de 83,9% do PIB, no fim de 2022, para 94,7% do PIB, em 2026. Superávit primário, se houver, só a partir de 2027, e bastante modesto – o equivalente a 0,1% do PIB.

A relação entre dívida e PIB é um indicador importante para aferir a solvência de um país e comparar sua situação à de outras nações semelhantes. No caso brasileiro, o endividamento, segundo os critérios do Fundo, subiu de 86,7% do PIB no relatório divulgado em abril para 87,6% do PIB no de outubro. E até 2029, a dívida na proporção do PIB chegará a 97,6%.

Antes mesmo dessa revisão, o indicador brasileiro já destoava da média dos países emergentes, hoje em 70,8%, atrás apenas de China, Egito, Ucrânia, Bahrein e Argentina. Mas o alerta do FMI não vale somente para o Brasil. A dívida bruta global deve atingir 93% do PIB, em média, e superar US$ 100 trilhões neste ano. Até 2030, ela deve alcançar 100%, 10 pontos porcentuais acima do registrado em 2019, um ano antes da pandemia.

Com a covid-19, países desenvolvidos e emergentes aumentaram gastos para lidar com os desafios sanitários e evitar que suas economias desabassem. O estímulo resultou em inflação elevada e juros mais altos. Para completar, tensões geopolíticas ampliaram incertezas no mundo todo.

A receita mais segura em um cenário turbulento, segundo o FMI, é apostar na credibilidade e na transparência das políticas fiscal e monetária. Para o Fundo, é preciso aproveitar o ciclo de flexibilização da política monetária nas principais economias do mundo para elaborar políticas fiscais cuidadosas, que protejam as famílias mais vulneráveis e não prejudiquem o crescimento. Do contrário, os ajustes necessários terão de ser bem mais duros no futuro.

As projeções do FMI para a dívida brasileira foram mal recebidas pelo governo, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse esperar que esse cenário não se concretize. “Não acredito nessa trajetória. Se você está descrevendo o que está no documento, eu não acredito que ela vá acontecer”, afirmou o ministro, em entrevista a jornalistas em Washington.

Um dia antes, quando o FMI melhorou a estimativa para o crescimento do PIB de 2,1% para 3% neste ano, a receptividade foi muito diferente. Haddad celebrou a revisão sem questioná-la, negou que o avanço estivesse relacionado ao estímulo fiscal do governo e não deu muita atenção à previsão do FMI para o PIB de 2025, embora o crescimento tenha sido reduzido de 2,4% para 2,2%.

A questão é que o crescimento econômico, no caso brasileiro, tem sido muito influenciado pelo consumo, o que tem tudo a ver com o aumento da dívida bruta. Dados do Banco Central (BC), embora calculados de forma um pouco diferente, corroboram a trajetória traçada pelo FMI.

Pelo critério do BC, a dívida bruta atingiu 78,55% do PIB em agosto, o maior patamar desde outubro de 2021, quando ela estava em 79,5% do PIB. Desde janeiro deste ano, a dívida bruta calculada pelo BC já subiu 4,1 pontos porcentuais, e desde o início do governo Lula da Silva, quase 7 pontos porcentuais.

No FMI, Haddad defendeu o arcabouço fiscal como instrumento para conter a trajetória da dívida e seu fortalecimento como a melhor maneira de dissipar a desconfiança do mercado. O único gasto que teria ficado fora do arcabouço, de acordo com o ministro, teria sido o novo Auxílio Gás, rebatizado de Gás para Todos, que será redesenhado pela Fazenda. Ora, se isso fosse verdade, a dívida bruta não teria subido tanto em tão pouco tempo.

Ao contrário do que acontece nos países ricos, o Brasil acaba de iniciar um novo ciclo de aumento da taxa básica de juros, o que só reforça a recomendação do FMI sobre a necessidade de um ajuste fiscal e a projeção do fundo de desaceleração da economia no ano que vem. Mais do que nunca, impedir que a profecia do FMI se realize requer alinhamento entre as políticas fiscal e monetária.

Toga de tornozeleira eletrônica

O Estado de S. Paulo

Afastamento de cinco desembargadores muito bem pagos pelo TJ-MS constrange a sociedade

Tornou-se corriqueiro no Brasil o uso de tornozeleira eletrônica por criminosos de colarinho-branco, mas espanta quando quem deveria zelar pela aplicação das leis e da Constituição é afastado da toga e passa a circular com o aparelho. Pois esta é a situação à qual foram submetidos de uma só vez cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) em meio a uma investigação da Polícia Federal (PF) sobre um suposto esquema de venda de sentenças. Se são culpados ou inocentes, só o devido processo legal, com amplo direito de defesa, poderá dizer mais à frente. O constrangimento, contudo, é imediato.

A Operação Ultima Ratio mira magistrados e seus parentes, servidores, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS) e advogados. A ordem para o afastamento partiu do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão, e os litígios envolvem disputas de terra. O celular de um advogado que era conhecido como “lobista dos tribunais” e que foi assassinado no fim do ano passado levou à investida da PF. Dele foram recuperados 5 mil diálogos, com potencial para deflagrar uma grande crise.

Essa rede teria ramificações interestaduais. A operação da PF é desdobramento de uma investigação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), onde dois desembargadores e um juiz de primeira instância já haviam sido afastados. Há ainda citação a um ministro do STJ, e já houve afastamento de servidor da Corte. O caso também corre no Supremo Tribunal Federal (STF), e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimentos.

A operação encontrou R$ 3 milhões em dinheiro na casa de um desembargador aposentado do TJ-MS, e os diálogos revelam, ao que parece, relações promíscuas. Um advogado diz que há um “leilão danado”, em que “cada um quer mais que o outro”, o que, para a PF, indica propina. Uma servidora dá a entender que o esquema era conhecido, haja vista que “todo mundo fala: ‘ai, não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”.

Apesar de certamente não representarem a maior parte do Judiciário, casos como o de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso não são isolados. Suspeitas já alcançaram magistrados da Bahia, do Tocantins, do Rio de Janeiro e de São Paulo, a despeito do fato de que os juízes já são muito bem remunerados. Em Mato Grosso do Sul, o tribunal que paga melhor no País, os afastados receberam neste ano mais de R$ 1 milhão cada. Nenhum deles embolsou em um mês menos do que R$ 81,3 mil, fazendo troça do teto constitucional de R$ 44 mil.

A nata da magistratura do Brasil ganha 15 vezes mais que o rendimento médio dos brasileiros. Como se isso não fosse suficiente, os magistrados são especialistas em encontrar maneiras de ganhar ainda mais, com todo tipo de auxílios e gratificações sobre os quais não incide Imposto de Renda. Além disso, diferentemente do resto dos mortais brasileiros, têm 60 dias de férias e aposentadoria integral. E quando são pilhados em malfeitorias, são “punidos” com aposentadoria compulsória – ou seja, terão a infelicidade de ganhar sem trabalhar pelo resto da vida. Mas, ao que parece, para alguns juízes isso não basta.

Compromisso assumido nas urnas

Correio Braziliense

Não há espaço para perda de tempo. O cidadão não pode mais esperar que demandas antigas sigam sem resoluções

Em 1º de janeiro de 2025, as cidades brasileiras partem para uma nova etapa de suas histórias. Problemas relacionados à saúde, segurança, educação, moradia, transporte público, emprego, serviços, limpeza urbana, lazer e outros passam a ter, mais uma vez, a chance de serem solucionados. Isso, com o pleno engajamento da população e o cumprimento das promessas de campanha dos prefeitos eleitos.

No último domingo (27/10), as votações de segundo turno foram concluídas. Agora, começa o processo de transição para as equipes dos gestores que assumem no lugar dos atuais e, para os reeleitos, é a fase de avaliar o que precisa mudar. Um período de extrema importância e que pode ser determinante para o sucesso das futuras administrações.

A escolha dos secretários e dos assessores precisa ser feita com celeridade, assim como a definição das primeiras ações. Não há espaço para perda de tempo. O cidadão não pode mais esperar que demandas antigas sigam sem resoluções. As reivindicações são conhecidas e o Executivo municipal tem a obrigação de, desde a largada do trabalho no próximo ano, corresponder à confiança depositada nas urnas.

A classe política possui o hábito de apresentar muitas saídas para as necessidades que afligem a população durante a disputa pelo voto. Planos de governo são divulgados em programas de TV e rádio, entrevistas em jornais, debates e propagandas eleitorais, mas depois parece que a maioria das propostas não passavam de devaneios. Na prática, muito do que foi colocado não é desenvolvido e o discurso vira uma sequência de justificativas para tentar amenizar as frustrações dos eleitores.

Já passou da hora de interromper esse ciclo no Brasil, e iniciar a virada pelas cidades é um bom caminho. É na participação diária nas ações políticas que os cidadãos passam a fazer valer a Constituição Federal, cumprindo a determinação de que o poder emana do povo.

A iniciativa popular de identificar os problemas, organizar-se e cobrar dos seus representantes é essencial na democracia. Em nível municipal, o contato fica muito mais possível, podendo alcançar resultados de forma ágil. A partir daí, o país pode começar a garantir avanços no campo da execução dos compromissos de campanha.

Os moradores têm todo o direito de ir às câmaras e prefeituras exigir as soluções para as questões que são da alçada dos vereadores e do prefeito. Em suas comunidades, bairros e regiões, os cidadãos podem criar comitês para identificar as maiores carências e apresentá-las aos que se comprometeram em trabalhar para aprimorar a cidade.

Dentro dos gabinetes, a conduta de quem foi eleito tem de ser efetiva. As portas devem estar abertas para receber a população e ouvir suas demandas. Os municípios brasileiros necessitam progredir em diversos aspectos. De saneamento básico à implantação de tecnologias para facilitar a vida dos cidadãos, há inúmeros atrasos a serem superados.

As administrações municipais precisam assumir suas responsabilidades. O que não foi feito no passado e as heranças indesejadas não podem ser empecilhos. A transformação para um Brasil melhor passa pelo cotidiano das cidades. Que os eleitores cobrem e os prefeitos cumpram suas funções.

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