quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anulação de sentenças contra Dirceu reflete desmonte da Lava-Jato

O Globo

Tijolo por tijolo, vai ruindo a maior operação contra a corrupção da História brasileira

Em 2021, no julgamento que anulou a condenação do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato, por suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a decisão valia apenas para Lula: “A suspeição do julgador se fundamenta em fatos concretos e específicos contra Luiz Inácio Lula da Silva em razão de interesses políticos próprios do ex-juiz Sergio Moro. Assim, a suspeição declarada não é aqui estendida a outros processos ou réus da denominada Operação Lava-Jato”.

A História mostrou que não seria assim. Outros se beneficiaram dessa jurisprudência. No episódio mais recente, o próprio Gilmar anulou, na última segunda-feira, as condenações do ex-ministro José Dirceu, estendendo a ele os efeitos da decisão sobre Lula. Foram anuladas também as condenações de Dirceu noutros tribunais baseadas nas decisões de Moro. Com isso, Dirceu fica desimpedido para concorrer nas próximas eleições.

No entendimento de Gilmar, os processos contra Dirceu serviram de “ensaio” às acusações contra Lula. As denúncias apresentadas pela força-tarefa em três casos contra Lula atribuíram a Dirceu, segundo ele, “papel central e decisivo na narrativa urdida para acusar o atual presidente da República de crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais”. Ainda de acordo com Gilmar, a mesma falta de isenção em relação a Lula “impediu que José Dirceu tivesse direito a um julgamento justo e imparcial”. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, se opôs. Ele considera que não cabe estender a Dirceu os efeitos da decisão sobre Lula, por se tratar de casos distintos. Se recorrer, o caso será analisado pela Segunda Turma, e a anulação poderá ser revista.

Tijolo por tijolo, vai ruindo a Lava-Jato, maior operação contra a corrupção na História brasileira. No ano passado, o ministro Dias Toffoli invalidou as provas do acordo de leniência firmado pela antiga Odebrecht. Meses depois, suspendeu o pagamento das multas. Em maio deste ano, anulou decisões contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa, réu confesso e protagonista de um dos maiores esquemas de corrupção já desbaratados. Em setembro, anulou todas as condenações do empresário Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, um dos principais colaboradores da Justiça e figura central nas investigações. É improvável que o desmonte fique por aí. Como se tem visto, uma anulação puxa outra.

É verdade que Moro e a força-tarefa de Curitiba cometeram excessos. Mas as evidências desses excessos são baseadas em conversas obtidas de forma criminosa, por meio da invasão de um aplicativo de mensagens. E, apesar das alegações de parcialidade no julgamento, a Justiça não deveria simplesmente ignorar provas inequívocas de corrupção, como os dados do “departamento de propinas” da antiga Odebrecht. Desprezam-se relatos de réus confessos, ignoram-se as somas bilionárias devolvidas por empresas e empresários que reconheceram atos ilícitos.

Com todos os seus equívocos, a Lava-Jato teve o mérito de expor ao país como o dinheiro do contribuinte se esvai, para benefício de poucos e prejuízo de muitos. Trata-se de problema grave, longe de resolvido. Se não há punição, fica a sensação de que a chaga nunca será curada. Ainda que possa ter base jurídica, o desmonte da Lava-Jato no STF só faz incentivar a leniência com corruptos.

Punição por assassinato de Marielle não pode ficar apenas nos executores

O Globo

Júri começou a julgar ex-policiais que confessaram crime. Acusados de ser mandantes não devem ser esquecidos

Num país conhecido pela leniência diante da criminalidade, o julgamento dos assassinos confessos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, iniciado ontem, é uma oportunidade para que se faça justiça. Mais de seis anos depois do crime, começaram a ser julgados pelo tribunal do júri os ex-policiais militares Ronnie Lessa, que reconheceu ter sido autor dos disparos, e Élcio Queiroz, que confessou ter dirigido o carro usado no crime. Depois de os jurados se pronunciarem, a juíza titular do 4º Tribunal do Júri, Lucia Glioche, definirá a pena.

O caso precisa de um desfecho exemplar que não pode se restringir aos executores. Em delação premiada, Lessa e Queiroz contribuíram para reconstituir passo a passo um assassinato cometido sob encomenda de figuras políticas relevantes do Rio: os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ambos estão presos. A cassação do mandato de Chiquinho, aprovada no Conselho de Ética da Câmara, ainda não foi a plenário.

Na versão narrada pela acusação, Marielle foi assassinada pela atuação na Zona Oeste da cidade contra uma indústria de grilagem de terrenos para o lançamento de projetos imobiliários ilegais, sob o comando de milícias. O crime contou, segundo essa versão, com a participação do próprio chefe da Polícia Civil à época, o delegado Rivaldo Barbosa, que prejudicava as investigações para evitar que chegassem aos mandantes. Elas só andaram depois que o caso foi assumido pela Polícia Federal. A suspeita que pesa sobre Barbosa é sintoma da contaminação do aparelho de segurança do Estado pela criminalidade. Ainda na condição de chefe da Polícia Civil, ele foi visitar os pais de Marielle para confortá-los e garantir que o assassinato não ficaria impune. Hoje também está preso.

Os irmãos Brazão e Barbosa investem contra a delação premiada feita por Lessa e denunciam como mandante o ex-vereador Cristiano Girão, também ex-policial militar, que chegou a ser preso e condenado por se envolver com milícias na Zona Oeste. Mas todas as evidências conduziram a PF a Domingos e Chiquinho.

A punição dos culpados precisa ser dura pelo crime em si e para transmitir um sinal claro de que não haverá leniência com crimes cometidos sob as sombras do Estado. Por isso é importante que seja célere o processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (com a Corte ficou o julgamento dos denunciados como mandantes, pois, como deputado, Chiquinho tem prerrogativa de ser julgado lá). No processo, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, os acusados começaram a ser ouvidos na semana passada.

No julgamento de Lessa e Queiroz, o Ministério Público do Rio pedirá pena máxima de 84 anos, embora o acordo de delação feito por eles preveja pena unificada entre 20 e 30 anos. A condenação, tanto dos executores quanto dos mandantes, precisa ser um marco no combate a esse tipo de crime.

Fragilidade fiscal abre espaço para a disparada do dólar

Valor Econômico

Quase ao fim de seu segundo ano de seu novo mandato, Lula ainda precisa ser convencido de que há que sustentar a meta fiscal

Após o novo pico nas cotações na terça-feira, quando atingiu R$ 5,761, o dólar chegou à sua maior cotação diante do real desde março de 2021. O real já exibe no ano maxidesvalorização de 18,7% até 28 de outubro, uma disparada que está em desacordo com a performance do setor externo. Há oscilações provocadas pelo cenário global, com as incertezas sobre as eleições americanas e o ritmo de crescimento da China, mas elas ocorrem em grande medida pela vacilação do governo em apresentar um plano confiável de corte de gastos, como foi prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Enquanto o dólar dispara, as reservas internacionais do Brasil cresceram US$ 17 bilhões no ano, chegando a US$ 372 bilhões, praticamente a melhor marca no terceiro mandato de Lula.

Assim como os juros futuros estão subindo a um nível muito acima do que poderia ser referendado pelas expectativas de inflação, a moeda americana tem se valorizado para além do que sugerem os fluxos de ingresso e saída de divisas. O saldo do câmbio comercial tem se reduzido pelo recuo das exportações e pelo aumento das importações, mas, ainda assim, não em uma magnitude que empurre o dólar às alturas que ele está. O fluxo financeiro é diferente e tem saldo negativo de US$ 52,4 bilhões. Ainda assim, até setembro, o saldo cambial total foi positivo, para se transformar em um pequeno déficit de US$ 7,2 bilhões em outubro, até o dia 24, segundo dados do Banco Central.

Parte dos recursos dos exportadores usualmente fica fora do país, parcela que pode ser quantificada pela diferença entre o câmbio contratado físico e o montante de divisas correspondente ao saldo comercial da balança de mercadorias. Os recursos mantidos no exterior já chegaram a US$ 70 bilhões até o ano passado, mas nos nove primeiros meses de 2024, eram semelhantes aos do saldo da balança. Houve, portanto, significativo ingresso de dólares ao longo do ano, parcela dele, possivelmente, para aproveitar os generosos juros pagos no mercado interno.

Algum ruído na terça-feira foi provocado também pelo resultado das contas externas. O déficit em transações correntes (que engloba a conta de serviços, mercadorias e pagamentos feitos ao exterior e recebidos pelo país) subiu para US$ 45,8 bilhões, ou 2,07% do PIB nos 12 meses encerrados em setembro. No mês anterior, havia sido de US$ 39 bilhões e em setembro de 2023, de US$ 25,3 bilhões. O aumento ocorreu porque a economia está crescendo em bom ritmo, o que amplia a demanda de serviços externos e o pagamento de juros, dividendos e lucros com investimentos em carteira.

No entanto, os investimentos diretos no país, acumulados em 12 meses, somaram US$ 70,7 bilhões, ou 3,2% do PIB, e há anos se situam firmemente acima de 3% do PIB. Têm coberto com folga todo o rombo em transações correntes e não há sinais de que isso vá mudar a curto prazo.

Até setembro pelo menos, mesmo os investimentos em carteira (incluem aplicações de capital que vêm de fora em renda fixa, títulos etc.), mostravam resultado positivo, de US$ 5,8 bilhões em 12 meses. Tanto os fluxos mensais como o acumulado em 12 meses mostraram forte saída de recursos do país em abril, não por acaso quando o governo Lula anunciou que mudaria as metas fiscais, poucos meses depois de implantá-las. O dólar deu um salto naquele mês.

Há ainda questões técnicas relevantes. O volume de recursos que giram no mercado de derivativos é muito superior ao do mercado à vista, fazendo com que as cotações do segundo determinem as do primeiro e, em momentos de incerteza, amplifiquem a volatilidade e a direção do câmbio. No dia 28 de outubro, as apostas de que o dólar se fortalecerá ante o real atingiram US$ 71,9 bilhões, ante US$ 63 bilhões ao fim de setembro. Mesmo com reservas internacionais grandes, o Banco Central não interveio com afinco ao longo da escalada do dólar no ano.

Os prêmios de risco estão altos tanto nos juros futuros quanto no câmbio também porque o governo adiou o ajuste fiscal que dê solidez à meta, já mais flexível, que ele próprio estabeleceu. Ela é possível de ser cumprida este ano (com R$ 42,3 bilhões fora da meta gastos, com auxílio ao Rio Grande do Sul após as enchentes). Nem os investidores nem o Fundo Monetário Internacional, no entanto, acreditam que as metas dos próximos anos serão cumpridas, e acham que as contas públicas seguirão no vermelho, quando precisariam ir rapidamente para algum superávit.

A desconfiança de que o governo continuará a desdenhar do corte de gastos não advém do ministro da Fazenda, mas do presidente Lula. A equipe econômica voltou a se reunir com o presidente para apresentar cortes possíveis. Haddad disse ontem que não há data para o anúncio, e o dólar disparou de novo. A oposição da ala da gastança no governo parece ter sido silenciada, porque o ministro da Casa Civil, Rui Costa, assegurou que haverá contenção de despesas. Quase ao fim de seu segundo ano de mandato, Lula ainda precisa ser convencido de que há que sustentar a meta fiscal, em nítido contraste com o que fez em seu primeiro mandato, quando o país exibiu altos e sucessivos superávits.

Estreitam-se as condições para um ajuste do Orçamento

Folha de S. Paulo

Protelada por Lula, corte de gastos será difícil perto da eleição; enquanto isso, dólar, inflação, juros e dívida sobem

O mau desempenho do PT e de seus aliados à esquerda nas eleições municipais decerto não contribui para a já muito duvidosa disposição do governo Luiz Inácio Lula da Silva de promover medidas para o controle dos gastos públicos.

Para uma administração que apostou sua sobrevivência política na expansão de despesas desde o primeiro dia, a perspectiva de uma desaceleração orçamentária e econômica na segunda metade do mandato presidencial pode ser assustadora. Até aqui, o desempenho da atividade tem sido acima do esperado, mas ninguém sabe ao certo por quanto tempo isso se manterá.

Foi nesse contexto que o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, deu na terça-feira (29) declarações frustrantes sobre os muito aguardados planos do governo para conter o déficit do Tesouro a escalada da dívida pública.

Com franqueza imprudente, Haddad disse não haver prazo para o anúncio de medidas. Segundo ele, as propostas —desconhecidas— estão sob análise de Lula, que tem pedido informações e tomará a decisão. Como foram as equipes da Fazenda e do Planejamento que semearam a expectativa de providências após as eleições, a decepção foi inevitável.

Nesta quarta (30), depois de mais uma rodada de alta da cotação do dólar, Brasília tentou remediar o estrago. Arranjou-se um encontro de ministros e outras autoridades com o presidente da República, e fez-se saber que há convergência em torno de um pacote fiscal a ser definido.

Fato é que essa cantilena tem sido repetida desde julho, depois que se agravaram as incertezas quanto ao futuro das contas federais, e nada de palpável foi feito. De lá para cá, as condições financeiras se deterioraram e tornaram o ajuste mais urgente.

O dólar, que começou o ano em torno de R$ 4,90, ultrapassa agora os R$ 5,70. No mesmo período, a expectativa mediana para a inflação deste 2024 passou de 3,9% para 4,55%, acima do teto de 4,5% determinado pela política monetária (meta de 3% mais 1,5 ponto percentual de tolerância).

Não por acaso, caiu por terra a projeção de queda dos juros. Em janeiro, acreditava-se que a taxa do Banco Central seria reduzida de 11,75% para 9% anuais. Agora a Selic está de novo em alta e não será surpresa se ultrapassar os 12% nos próximos meses.

Com um governo que depende de dinheiro emprestado para despesas cotidianas e investimentos, juros mais altos significam expansão acelerada da dívida pública, o que amplia as dimensões do ajuste necessário. Ademais, o tão celebrado crescimento da economia fica ameaçado.

É para esse círculo vicioso que o governo Lula corre o risco de arrastar o país com a relutância em tomar as inevitáveis medidas para o equilíbrio orçamentário. Elas serão politicamente mais difíceis a cada dia que se aproximam as eleições presidenciais, e a procrastinação tende a gerar crise maior num desejado novo mandato —se é que demorará tanto.

Mais uma decisão que mina a credibilidade do STF

Folha de S. Paulo

Gilmar segue mau exemplo de Toffoli ao anular de forma monocrática condenações de José Dirceu no âmbito da Lava Jato

O despacho do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que anulou os processos do âmbito da Lava Jato contra o ex-ministro petista José Dirceu é mais uma decisão da corte que contribui para erodir sua credibilidade e alimentar a polarização política.

O problema está menos no mérito. Se o STF entendeu que o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores entraram em conluio com o objetivo político de perseguir Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o raciocínio, ao menos em tese, também poderia valer para Dirceu.

O que não parece razoável é que o magistrado tenha tomado uma decisão de alta octanagem política como essa monocraticamente. Gilmar, afinal, tornou-se um notório desafeto de Moro. Uma decisão coletiva afastaria suspeitas de motivações pessoais ou ideológicas contra o ex-juiz.

Ademais, a força de uma corte superior vem da colegialidade. O que mais mina sua credibilidade é a percepção de que seja só uma superposição de 11 magistrados singulares perseguindo seus próprios objetivos. É essa, contudo, a imagem que o STF vem projetando para a sociedade brasileira.

Se há uma matéria com a qual o Supremo lidou especialmente mal, é a Lava Jato. No início, quando a operação gozava de forte apoio popular, a corte chancelou todos os atos que vinham de Curitiba, incluindo alguns que já pareciam abusivos.

Com as mudanças no cenário político, o STF pendeu acriticamente para o outro lado. O ministro Dias Toffoli, em sua coleção particular de medidas monocráticas, vem anulando tudo que seja oriundo da operação —inclusive confissões assinadas por empresários assistidos por alguns dos melhores advogados do país.

Trata-se de tentativa de reescrever a história. Não há dúvida de que Moro e procuradores, em diversas ocasiões, extrapolaram limites do devido processo legal. Tal conduta, porém, é motivo para rever casos específicos, não para anulações no atacado que Toffoli vem promovendo, nas quais se insere a decisão de Gilmar.

O fato inescapável é que os casos de corrupção na Petrobras foram realíssimos, como provam as enormes somas de dinheiro devolvidas aos cofres públicos.

O STF deveria ter cuidado para preservar o esforço de combate à corrupção, mas faz o contrário. O acúmulo de decisões desconjuntadas só reforça a polarização e estimula distorções jurídicas.

As nulidades que beneficiaram Dirceu, por exemplo, podem ser usadas por bolsonaristas como argumento falacioso para forçar uma revisão da inelegibilidade ou uma anistia ao ex-presidente.

Acabou a paciência

O Estado de S. Paulo

Governo Lula manda mensagens contraditórias sobre sua disposição efetiva de cortar despesas, razão pela qual o mercado cobra um preço cada vez mais alto na forma de juros e do dólar

A equipe econômica alimentou expectativas de que o governo apresentaria um consistente pacote de corte de gastos para reequilibrar as contas públicas assim que as eleições municipais fossem encerradas. Ventilou-se um cardápio de medidas a ser apresentado ao presidente que poderia gerar uma economia estimada entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões. Obstinado com a recuperação do grau de investimento, Lula da Silva estaria disposto a acatá-las. Findas as disputas regionais, as discussões voltaram ao ramerrão de sempre, deixando claro que nada mudou no governo.

Há duas semanas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dizia que enfrentar a dinâmica de crescimento do gasto público e seu impacto na dívida pública era algo premente e que estava na ordem do dia do governo. As medidas, segundo ele, seriam submetidas ao Congresso antes mesmo do envio da reforma tributária sobre a renda.

Na última terça-feira, no entanto, o ministro disse que ainda terá muitas reuniões com Lula da Silva sobre o assunto e que não há prazo para a apresentação do tal pacote. Afirmou não haver veto do presidente sobre essas propostas, mas evitou fazer qualquer projeção sobre a economia gerada pelas ações a serem adotadas. “Nunca divulguei o número para vocês”, afirmou.

Foi um balde de água fria. Como esperado, o mercado reagiu mal a tanta indefinição e o dólar fechou a R$ 5,76, maior valor desde 2021. No dia seguinte, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tentou apaziguar os ânimos, disse que o plano deve ficar para novembro e afirmou que a prioridade será rever políticas públicas ineficientes – um ato para o qual, segundo ela, é preciso ter “coragem”. Haddad, por sua vez, afirmou que a Casa Civil está alinhada com a equipe econômica e que haverá um esforço para compatibilizar os gastos aos limites do arcabouço fiscal.

É com fastio que este jornal volta a debater a necessidade óbvia de corte de gastos. Mas, ao contrário do que se esperava, o desfecho das eleições municipais não fará essa agenda avançar. As vitórias da centro-direita e o desempenho sofrível dos candidatos apoiados pelo PT nas urnas acenderam o alerta para a disputa presidencial de 2026. Certamente haverá quem defenda aumentar ainda mais os gastos para fazer frente a esse cenário político desafiador, o que dificulta, em vez de facilitar, os planos da equipe econômica.

Há, por óbvio, motivos externos para a instabilidade da moeda. O dólar se fortaleceu com as indicações do Federal Reserve (banco central americano) de que o ciclo de corte de juros nos Estados Unidos não será tão rápido quanto se imaginava. As chances de que Donald Trump vença as eleições não são desprezíveis, e os planos do republicano de sobretaxar as importações e deportar imigrantes aumentariam a pressão sobre o mercado de trabalho, a inflação e, portanto, sobre os juros americanos.

Mas o Brasil também tem suas próprias questões internas. A expectativa do mercado para a inflação deste ano já superou o teto da meta, os juros futuros continuam a subir a despeito das sinalizações de aumento da Selic pelo Banco Central e a dívida bruta deve superar o patamar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2032, fazendo picadinho do arcabouço fiscal.

Por melhores que tenham sido os resultados da arrecadação, não será possível apostar apenas na recuperação de receitas para zerar o déficit primário. O governo, no entanto, não demonstra pressa e afirma que as medidas de corte visam a cumprir a meta de 2026. As poucas ações em estudo e que vêm a público são imediatamente rechaçadas por ministros do governo e parlamentares do PT, quando não desmentidas pela própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

A resistência de Lula da Silva é evidente e ele não parece nada convencido sobre a necessidade de rever gastos públicos de uma maneira estrutural. Bloqueios, contingenciamentos e pentes-finos em benefícios sociais, previdenciários e assistenciais não enganam mais ninguém. Nessas idas e vindas, o mercado cobra um preço cada vez mais alto na forma de juros e dólar – basta lembrar que o câmbio estava cotado em R$ 4,85 no fim do ano passado.

Cruzada para destruir as agências reguladoras

O Estado de S. Paulo

Cresce no Planalto o empenho para enfraquecer as agências e submeter a atividade regulatória aos interesses do governo Lula, proposta que embute alto risco para os investimentos

Há 21 anos, desde que assumiu pela primeira vez a Presidência, Lula da Silva tenta acabar com as agências reguladoras. Sempre travestidas de aperfeiçoamento da lei, as investidas para mudar o aparato regulatório acabaram por esbarrar no Congresso. Agora, aproveitando-se da comoção causada pelo apagão da Enel em São Paulo – pelo qual o governo, sem pestanejar, crucificou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) –, Lula arquiteta um novo projeto para, em teoria, avaliar o desempenho das agências e, na prática, demitir e nomear diretores a seu bel-prazer.

A essência intervencionista da campanha do governo é cristalina. Mas, para que não restasse a menor dúvida, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, em recente encontro com empresários em São Paulo, revelou a razão central da ofensiva: “Todo mundo que está nas agências hoje foi indicado pelo governo anterior”. Como noticiou a Coluna do Estadão, Costa declarou aos presentes que o Planalto e os ministros envolvidos na proposta estão de pleno acordo sobre a necessidade de acabar com a estabilidade e a assincronia dos mandatos, prerrogativas que garantem a autonomia dos reguladores.

O viés antirrepublicano patente na reação do governo parte do inconformismo lulopetista em conviver com organizações de Estado que não estejam submetidas às ordens de seu governo. Ocorre que a independência é o ponto central de atuação das agências, criadas a partir de 1997 para regular, fiscalizar e garantir a qualidade de serviços públicos em setores que deixaram de ser monopólio estatal.

O fato de os mandatos dos diretores de agências não serem coincidentes com o do presidente da República é fundamental para assegurar tratamento técnico às decisões, sem quaisquer suspeitas de pressão política. Ao buscar enfraquecer a autonomia dos reguladores, Lula da Silva se arrisca a intensificar a crise de confiança que sua gestão já enfrenta, por atos e ideias que pesam mais do que os indicadores econômicos, como o antagonismo ao Banco Central e à política monetária, o desprezo à escalada da dívida pública e o apreço à gastança – como se fosse um endividado que incorpora ao orçamento os limites de seu cheque especial.

Para acentuar a insegurança de investidores, concessionários e usuários de serviços públicos, o governo estuda reativar um mecanismo que permitirá aos Ministérios avaliarem o desempenho das agências a eles vinculadas. Caso o Congresso aprove o contrato de gestão que Lula quer impor às agências, dará apenas o revestimento legal que o governo precisa para enquadrar a atuação das agências a seus interesses.

Ao Estadão, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), que preside a Comissão de Infraestrutura do Senado, se disse “radicalmente contra” a cláusula de desempenho do contrato de gestão, por ser de difícil avaliação, em especial na atividade de regulação. “Não existe fórmula, é muito subjetivo”, comentou o parlamentar, que se identifica como membro da base de apoio do governo.

A medida daria aos ministros – e ao presidente Lula da Silva – poder incontestável sobre os reguladores. Antes mesmo do blecaute em São Paulo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já ameaçava a Aneel de intervenção e os diretores da agência de demissão, mesmo não tendo essa atribuição legal. Reclamava da “inércia” da Aneel para avaliar propostas do governo, entre elas a regulamentação dos termos da medida provisória que beneficiou a Âmbar, do Grupo J&F, pertencente aos irmãos Wesley e Joesley Batista. Imagine-se o que faria se tivesse mais poder.

Na contramão do governo federal, o Estado de São Paulo acaba de sancionar uma lei que dá a três agências reguladoras estaduais (de transportes, de serviços públicos e de águas) mais autonomia administrativa, orçamentária e de planejamento. Diretores serão indicados seguindo regras de governança das próprias autarquias, que terão independência inclusive para realizar concursos públicos. Essa legislação poderia servir de base para Lula da Silva, caso o real interesse de seu governo fosse o de aperfeiçoar a regulação das agências.

Lá se vai outra meta

O Estado de S. Paulo

Inflação deve estourar teto da meta de novo, e o presidente do Banco Central pede ‘choque fiscal’

O estouro da meta de inflação em 2024 passou a integrar o rol de projeções para os indicadores econômicos compilados pelo Banco Central (BC). O Relatório Focus, que resume semanalmente estimativas de mais de 160 instituições financeiras, passou a indicar para o ano um IPCA de 4,55%. A dois meses do fechamento do ano, é difícil que a tendência seja revertida, mesmo com eventuais altas de juros nas reuniões de novembro e dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) para conter o processo inflacionário.

Se confirmada a previsão, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que termina em dezembro um mandato de quase seis anos à frente do banco, terá de assinar sua terceira carta ao Ministério da Fazenda para justificar o descumprimento da meta de inflação. As duas anteriores foram em 2021 e 2022, com a economia fortemente impactada pelos efeitos da covid. A julgar pela defesa recorrente que ele tem feito de um “choque fiscal positivo”, a incapacidade do governo de fazer as contas públicas tomarem o rumo do equilíbrio terá destaque no documento.

Em 2022, quando a inflação bateu 5,79%, furando o limite máximo de tolerância de 5%, o Banco Central identificou entre as maiores causas a inércia em relação a 2021, a retomada de serviços e empregos com o declínio da covid, a elevação do preço do petróleo no mundo e os choques de preços de alimentos por questões climáticas. Outros fatores contribuíram para conter um avanço inflacionário ainda maior, como a apreciação cambial e a produção menor do que a demanda, cenário inverso ao atual.

Em 2024, o mais próximo que a inflação rodou próximo à meta de 3% foi em abril, com 3,69% no acumulado em 12 meses. Em meados daquele mês, a mediana das previsões do Relatório Focus girava ao redor de 3,71% e ainda apontava para uma taxa de juros de um dígito ao fim de 2024. A Selic ainda estava em seu ciclo de baixa, com 10,75%.

O cenário mudaria rapidamente, empurrado por fatores que têm fugido ao controle, como o clima, e outros cujo descontrole vem da própria gestão Lula da Silva, como a escalada dos gastos do governo. Mais despesas, mais endividamento, mais custos com o pagamento do serviço da dívida, por sua vez elevado pelos juros altos usados para conter a inflação. É uma espiral perniciosa que precisa de ações urgentes para ser contida. O caminho, amplamente sabido, é o corte de gastos. A receita já foi preparada pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda. Se será adotada pelo presidente Lula da Silva, é outra história.

De qualquer forma, o estouro da meta inflacionária parece já estar contratado. Resta buscar as metas de 2025 mirando exatamente no centro do alvo como, aliás, o BC tem feito, ao contrário do Planalto, que se contenta com suas bordas, o que aumenta sobremaneira as chances de erro. Será o primeiro ano do escolhido de Lula, Gabriel Galípolo, à frente do BC e o primeiro sob o regime de meta contínua de inflação, com aferição mês a mês. Espera-se que Galípolo consiga se livrar, sem mágicas, de endereçar nova carta à Fazenda.

Crise climática e também de saúde

Correio Braziliense

Nortear soluções para a cise climática considerando apenas a mitigação dos impactos econômicos e a adoção de medidas de preservação ambiental não é mais suficiente. A urgência é também de saúde pública

Divulgado na semana de encerramento da 16ª edição da COP da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e a poucos dias do início da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão, uma pesquisa traz dados consistentes sobre a necessidade de o debate sobre a crise climática ganhar novos contornos. Nortear soluções considerando apenas a mitigação dos impactos econômicos e a adoção de medidas de preservação ambiental não é mais suficiente. A urgência é também de saúde pública.

Na renomada revista científica The Lancet, 122 especialistas de 57 instituições acadêmicas alertam que as ameaças à saúde chegaram aos níveis mais preocupantes da história, com recordes de custos humanos. É o pior cenário traçado pelo grupo de especialistas nos oito anos de análise. O grupo é enfático: o tempo perdido está sendo pago em vidas. Principalmente as dos mais vulneráveis. 

Globalmente, as mortes relacionadas ao calor em pessoas com mais de 65 anos aumentaram 167%, considerando o período de 2014-2023 e a década de 1990. Se as temperaturas não tivessem mudado, esperava-se uma elevação de 65% no período, sobretudo em razão das mudanças demográficas. A crise climática, porém, atropelou líderes mundiais, gestores em saúde e as soluções por eles adotadas. Na avaliação de Wenjia Cai, copresidente do grupo de cientistas, as respostas institucionais apresentadas não conseguem acompanhar o ritmo crescente das ameaças às vidas humanas.

A situação do Brasil é destaque no relatório. No país, a exposição ao calor aumentou 250% entre menores de 1 ano e 231% entre maiores de 65 anos, comparando os períodos de 2014-2023 e 1986-2005. Essa temperatura em alta é extremamente favorável ao Aedes aegypti — o risco de transmissão da dengue é 11% maior considerando os dois intervalos de tempo analisados. Há de se ressaltar que os brasileiros enfrentam o pior ano da série histórica de mortes em razão da doença — são 5.661 em 10 meses, contra 1.179 em 2023 e 1.053 em 2022 — e medidas para inverter o gráfico de 2025 precisam ser adotadas o quanto antes.

Também é para agora, segundo os pesquisadores, que mais dólares gastos em combustíveis fósseis sejam redirecionados para proteger a saúde e o bem-estar da população. É verdade que há sinais de uma maior abertura para o tema na conferência do clima. A COP do ano passado, nos Emirados Árabes, debateu, pela primeira vez, em uma sessão oficial, os impactos dos gases de efeito estufa na saúde humana. O documento final, também de forma inédita,  cita a necessidade de "redução dos impactos à saúde em comunidades vulneráveis". Mas, diante da gravidade do quadro, é preciso mais. 

Espera-se que o documento deste ano seja mais direto sobre as medidas capazes de mitigar os impactos da crise ambiental sobre a saúde humana. Relatório inédito divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em janeiro estima que, até 2050, os eventos climáticos podem levar à morte 14,5 milhões de pessoas no planeta. São quase meio milhão de mortes por ano. "Nenhum indivíduo ou economia do planeta está imune", alerta a equipe de Wenjia Cai. É extremo o risco de reverter o limitado progresso feito e "colocar um futuro saudável ainda mais fora de alcance". 

 



 


 

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