Anulação de sentenças contra Dirceu reflete desmonte da Lava-Jato
O Globo
Tijolo por tijolo, vai ruindo a maior
operação contra a corrupção da História brasileira
Em 2021, no julgamento que anulou a
condenação do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva na Operação Lava-Jato, por suspeição do ex-juiz Sergio Moro,
o ministro Gilmar Mendes,
do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a decisão valia apenas para Lula: “A
suspeição do julgador se fundamenta em fatos concretos e específicos contra
Luiz Inácio Lula da Silva em razão de interesses políticos próprios do ex-juiz
Sergio Moro. Assim, a suspeição declarada não é aqui estendida a outros
processos ou réus da denominada Operação Lava-Jato”.
A História mostrou que não seria assim. Outros se beneficiaram dessa jurisprudência. No episódio mais recente, o próprio Gilmar anulou, na última segunda-feira, as condenações do ex-ministro José Dirceu, estendendo a ele os efeitos da decisão sobre Lula. Foram anuladas também as condenações de Dirceu noutros tribunais baseadas nas decisões de Moro. Com isso, Dirceu fica desimpedido para concorrer nas próximas eleições.
No entendimento de Gilmar, os processos
contra Dirceu serviram de “ensaio” às acusações contra Lula. As denúncias
apresentadas pela força-tarefa em três casos contra Lula atribuíram a Dirceu,
segundo ele, “papel central e decisivo na narrativa urdida para acusar o atual
presidente da República de crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais”.
Ainda de acordo com Gilmar, a mesma falta de isenção em relação a Lula “impediu
que José Dirceu tivesse direito a um julgamento justo e imparcial”. O procurador-geral
da República, Paulo Gonet, se opôs. Ele considera que não cabe estender a
Dirceu os efeitos da decisão sobre Lula, por se tratar de casos distintos. Se
recorrer, o caso será analisado pela Segunda Turma, e a anulação poderá ser
revista.
Tijolo por tijolo, vai ruindo a Lava-Jato,
maior operação contra a corrupção na História brasileira. No ano passado, o
ministro Dias Toffoli invalidou
as provas do acordo de leniência firmado pela antiga Odebrecht. Meses depois,
suspendeu o pagamento das multas. Em maio deste ano, anulou decisões contra
Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa, réu confesso e protagonista de um
dos maiores esquemas de corrupção já desbaratados. Em setembro, anulou todas as
condenações do empresário Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, um dos principais
colaboradores da Justiça e figura central nas investigações. É improvável que o
desmonte fique por aí. Como se tem visto, uma anulação puxa outra.
É verdade que Moro e a força-tarefa de
Curitiba cometeram excessos. Mas as evidências desses excessos são baseadas em
conversas obtidas de forma criminosa, por meio da invasão de um aplicativo de
mensagens. E, apesar das alegações de parcialidade no julgamento, a Justiça não
deveria simplesmente ignorar provas inequívocas de corrupção, como os dados do
“departamento de propinas” da antiga Odebrecht. Desprezam-se relatos de réus
confessos, ignoram-se as somas bilionárias devolvidas por empresas e empresários
que reconheceram atos ilícitos.
Com todos os seus equívocos, a Lava-Jato teve
o mérito de expor ao país como o dinheiro do contribuinte se esvai, para
benefício de poucos e prejuízo de muitos. Trata-se de problema grave, longe de
resolvido. Se não há punição, fica a sensação de que a chaga nunca será curada.
Ainda que possa ter base jurídica, o desmonte da Lava-Jato no STF só faz
incentivar a leniência com corruptos.
Punição por assassinato de Marielle não pode
ficar apenas nos executores
O Globo
Júri começou a julgar ex-policiais que
confessaram crime. Acusados de ser mandantes não devem ser esquecidos
Num país conhecido pela leniência diante da
criminalidade, o julgamento dos assassinos confessos da vereadora Marielle
Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, iniciado ontem, é
uma oportunidade para que se faça justiça. Mais de seis anos depois do crime,
começaram a ser julgados pelo tribunal do júri os ex-policiais militares Ronnie Lessa,
que reconheceu ter sido autor dos disparos, e Élcio Queiroz, que confessou ter
dirigido o carro usado no crime. Depois de os jurados se pronunciarem, a juíza
titular do 4º Tribunal do Júri, Lucia Glioche, definirá a pena.
O caso precisa de um desfecho exemplar que
não pode se restringir aos executores. Em delação premiada, Lessa e Queiroz
contribuíram para reconstituir passo a passo um assassinato cometido sob
encomenda de figuras políticas relevantes do Rio: os irmãos Domingos e Chiquinho
Brazão, respectivamente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RJ) e deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ambos estão presos. A cassação
do mandato de Chiquinho, aprovada no Conselho de Ética da Câmara, ainda não foi
a plenário.
Na versão narrada pela acusação, Marielle foi
assassinada pela atuação na Zona Oeste da cidade contra uma indústria de
grilagem de terrenos para o lançamento de projetos imobiliários ilegais, sob o
comando de milícias. O crime contou, segundo essa versão, com a participação do
próprio chefe da Polícia Civil à época, o delegado Rivaldo Barbosa, que
prejudicava as investigações para evitar que chegassem aos mandantes. Elas só
andaram depois que o caso foi assumido pela Polícia Federal. A suspeita que
pesa sobre Barbosa é sintoma da contaminação do aparelho de segurança do Estado
pela criminalidade. Ainda na condição de chefe da Polícia Civil, ele foi
visitar os pais de Marielle para confortá-los e garantir que o assassinato não
ficaria impune. Hoje também está preso.
Os irmãos Brazão e Barbosa investem contra a
delação premiada feita por Lessa e denunciam como mandante o ex-vereador
Cristiano Girão, também ex-policial militar, que chegou a ser preso e condenado
por se envolver com milícias na Zona Oeste. Mas todas as evidências conduziram
a PF a Domingos e Chiquinho.
A punição dos culpados precisa ser dura pelo
crime em si e para transmitir um sinal claro de que não haverá leniência com
crimes cometidos sob as sombras do Estado. Por isso é importante que seja
célere o processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (com a Corte ficou o
julgamento dos denunciados como mandantes, pois, como deputado, Chiquinho tem
prerrogativa de ser julgado lá). No processo, relatado pelo ministro Alexandre
de Moraes, os acusados começaram a ser ouvidos na semana passada.
No julgamento de Lessa e Queiroz, o
Ministério Público do Rio pedirá pena máxima de 84 anos, embora o acordo de
delação feito por eles preveja pena unificada entre 20 e 30 anos. A condenação,
tanto dos executores quanto dos mandantes, precisa ser um marco no combate a
esse tipo de crime.
Fragilidade fiscal abre espaço para a
disparada do dólar
Valor Econômico
Quase ao fim de seu segundo ano de seu novo
mandato, Lula ainda precisa ser convencido de que há que sustentar a meta
fiscal
Após o novo pico nas cotações na terça-feira,
quando atingiu R$ 5,761, o dólar chegou à sua maior cotação diante do real
desde março de 2021. O real já exibe no ano maxidesvalorização de 18,7% até 28
de outubro, uma disparada que está em desacordo com a performance do setor
externo. Há oscilações provocadas pelo cenário global, com as incertezas sobre
as eleições americanas e o ritmo de crescimento da China, mas elas ocorrem em
grande medida pela vacilação do governo em apresentar um plano confiável de corte
de gastos, como foi prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Enquanto o dólar dispara, as reservas internacionais do Brasil cresceram US$ 17
bilhões no ano, chegando a US$ 372 bilhões, praticamente a melhor marca no
terceiro mandato de Lula.
Assim como os juros futuros estão subindo a
um nível muito acima do que poderia ser referendado pelas expectativas de
inflação, a moeda americana tem se valorizado para além do que sugerem os
fluxos de ingresso e saída de divisas. O saldo do câmbio comercial tem se
reduzido pelo recuo das exportações e pelo aumento das importações, mas, ainda
assim, não em uma magnitude que empurre o dólar às alturas que ele está. O
fluxo financeiro é diferente e tem saldo negativo de US$ 52,4 bilhões. Ainda
assim, até setembro, o saldo cambial total foi positivo, para se transformar em
um pequeno déficit de US$ 7,2 bilhões em outubro, até o dia 24, segundo dados
do Banco Central.
Parte dos recursos dos exportadores
usualmente fica fora do país, parcela que pode ser quantificada pela diferença
entre o câmbio contratado físico e o montante de divisas correspondente ao
saldo comercial da balança de mercadorias. Os recursos mantidos no exterior já
chegaram a US$ 70 bilhões até o ano passado, mas nos nove primeiros meses de
2024, eram semelhantes aos do saldo da balança. Houve, portanto, significativo
ingresso de dólares ao longo do ano, parcela dele, possivelmente, para
aproveitar os generosos juros pagos no mercado interno.
Algum ruído na terça-feira foi provocado
também pelo resultado das contas externas. O déficit em transações correntes
(que engloba a conta de serviços, mercadorias e pagamentos feitos ao exterior e
recebidos pelo país) subiu para US$ 45,8 bilhões, ou 2,07% do PIB nos 12 meses
encerrados em setembro. No mês anterior, havia sido de US$ 39 bilhões e em
setembro de 2023, de US$ 25,3 bilhões. O aumento ocorreu porque a economia está
crescendo em bom ritmo, o que amplia a demanda de serviços externos e o pagamento
de juros, dividendos e lucros com investimentos em carteira.
No entanto, os investimentos diretos no país,
acumulados em 12 meses, somaram US$ 70,7 bilhões, ou 3,2% do PIB, e há anos se
situam firmemente acima de 3% do PIB. Têm coberto com folga todo o rombo em
transações correntes e não há sinais de que isso vá mudar a curto prazo.
Até setembro pelo menos, mesmo os
investimentos em carteira (incluem aplicações de capital que vêm de fora em
renda fixa, títulos etc.), mostravam resultado positivo, de US$ 5,8 bilhões em
12 meses. Tanto os fluxos mensais como o acumulado em 12 meses mostraram forte
saída de recursos do país em abril, não por acaso quando o governo Lula
anunciou que mudaria as metas fiscais, poucos meses depois de implantá-las. O
dólar deu um salto naquele mês.
Há ainda questões técnicas relevantes. O
volume de recursos que giram no mercado de derivativos é muito superior ao do
mercado à vista, fazendo com que as cotações do segundo determinem as do
primeiro e, em momentos de incerteza, amplifiquem a volatilidade e a direção do
câmbio. No dia 28 de outubro, as apostas de que o dólar se fortalecerá ante o
real atingiram US$ 71,9 bilhões, ante US$ 63 bilhões ao fim de setembro. Mesmo
com reservas internacionais grandes, o Banco Central não interveio com afinco ao
longo da escalada do dólar no ano.
Os prêmios de risco estão altos tanto nos
juros futuros quanto no câmbio também porque o governo adiou o ajuste fiscal
que dê solidez à meta, já mais flexível, que ele próprio estabeleceu. Ela é
possível de ser cumprida este ano (com R$ 42,3 bilhões fora da meta gastos, com
auxílio ao Rio Grande do Sul após as enchentes). Nem os investidores nem o
Fundo Monetário Internacional, no entanto, acreditam que as metas dos próximos
anos serão cumpridas, e acham que as contas públicas seguirão no vermelho, quando
precisariam ir rapidamente para algum superávit.
A desconfiança de que o governo continuará a
desdenhar do corte de gastos não advém do ministro da Fazenda, mas do
presidente Lula. A equipe econômica voltou a se reunir com o presidente para
apresentar cortes possíveis. Haddad disse ontem que não há data para o anúncio,
e o dólar disparou de novo. A oposição da ala da gastança no governo parece ter
sido silenciada, porque o ministro da Casa Civil, Rui Costa, assegurou que
haverá contenção de despesas. Quase ao fim de seu segundo ano de mandato, Lula
ainda precisa ser convencido de que há que sustentar a meta fiscal, em nítido
contraste com o que fez em seu primeiro mandato, quando o país exibiu altos e
sucessivos superávits.
Estreitam-se as condições para um ajuste do
Orçamento
Folha de S. Paulo
Protelada por Lula, corte de gastos será
difícil perto da eleição; enquanto isso, dólar, inflação, juros e dívida sobem
O mau desempenho do PT e de seus aliados
à esquerda nas eleições municipais
decerto não contribui para a já muito duvidosa disposição do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva de promover medidas para o controle dos gastos públicos.
Para uma administração que apostou sua
sobrevivência política na expansão de despesas desde o primeiro dia, a
perspectiva de uma desaceleração orçamentária e econômica na segunda metade do
mandato presidencial pode ser assustadora. Até aqui, o desempenho da atividade
tem sido acima do esperado, mas ninguém sabe ao certo por quanto tempo isso se
manterá.
Foi nesse contexto que o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, deu na terça-feira (29) declarações frustrantes
sobre os muito aguardados planos do governo para conter o déficit do Tesouro a
escalada da dívida pública.
Com franqueza imprudente, Haddad disse
não haver prazo para o anúncio de medidas. Segundo ele, as propostas
—desconhecidas— estão sob análise de Lula, que tem pedido informações e tomará
a decisão. Como foram as equipes da Fazenda e do Planejamento que semearam a
expectativa de providências após as eleições, a decepção foi inevitável.
Nesta quarta (30), depois de mais uma rodada
de alta da cotação do dólar,
Brasília tentou remediar o estrago. Arranjou-se um encontro de ministros e
outras autoridades com o presidente da República, e fez-se saber que há
convergência em torno de um pacote fiscal a ser definido.
Fato é que essa cantilena tem sido repetida
desde julho, depois que se agravaram as incertezas quanto ao futuro das contas
federais, e nada de palpável foi feito. De lá para cá, as condições financeiras
se deterioraram e tornaram o ajuste mais urgente.
O dólar, que começou o ano em torno de R$
4,90, ultrapassa
agora os R$ 5,70. No mesmo período, a expectativa mediana para a
inflação deste 2024 passou de 3,9% para 4,55%, acima do teto de 4,5%
determinado pela política monetária (meta de 3% mais 1,5 ponto percentual de
tolerância).
Não por acaso, caiu por
terra a projeção de queda dos juros. Em janeiro, acreditava-se que a
taxa do Banco Central seria
reduzida de 11,75% para 9% anuais. Agora a Selic está
de novo em alta e não será surpresa se ultrapassar os 12% nos próximos meses.
Com um governo que depende de dinheiro
emprestado para despesas cotidianas e investimentos, juros mais
altos significam expansão acelerada da dívida pública, o que amplia as
dimensões do ajuste necessário. Ademais, o tão celebrado crescimento da economia fica
ameaçado.
É para esse círculo vicioso que o governo
Lula corre o risco de arrastar o país com a relutância em tomar as inevitáveis
medidas para o equilíbrio orçamentário. Elas serão politicamente mais difíceis
a cada dia que se aproximam as eleições presidenciais, e a procrastinação tende
a gerar crise maior num desejado novo mandato —se é que demorará tanto.
Mais uma decisão que mina a credibilidade do
STF
Folha de S. Paulo
Gilmar segue mau exemplo de Toffoli ao anular
de forma monocrática condenações de José Dirceu no âmbito da Lava Jato
O despacho do ministro Gilmar Mendes,
do Supremo Tribunal Federal, que anulou os
processos do âmbito da Lava Jato contra o ex-ministro petista José Dirceu é
mais uma decisão da corte que contribui para erodir sua credibilidade e
alimentar a polarização política.
O problema está menos no mérito. Se o STF entendeu
que o ex-juiz Sergio Moro e
os procuradores entraram em conluio com o objetivo político de perseguir Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT),
o raciocínio, ao menos em tese, também poderia valer para Dirceu.
O que não parece razoável é que o magistrado
tenha tomado uma decisão de alta octanagem política como essa monocraticamente.
Gilmar, afinal, tornou-se um notório desafeto de Moro. Uma decisão coletiva
afastaria suspeitas de motivações pessoais ou ideológicas contra o ex-juiz.
Ademais, a força de
uma corte superior vem da colegialidade.
O que mais mina sua credibilidade é a percepção de que seja só uma superposição
de 11 magistrados singulares perseguindo seus próprios objetivos. É essa,
contudo, a imagem que o STF vem projetando para a sociedade brasileira.
Se há uma matéria com a qual o Supremo lidou
especialmente mal, é a Lava Jato. No início, quando a operação gozava de forte
apoio popular, a corte chancelou todos os atos que vinham de Curitiba,
incluindo alguns que já pareciam abusivos.
Com as mudanças no cenário político, o STF
pendeu acriticamente para o outro lado. O ministro Dias Toffoli,
em sua coleção particular de medidas monocráticas, vem anulando tudo que seja
oriundo da operação —inclusive
confissões assinadas por empresários assistidos por alguns dos
melhores advogados do país.
Trata-se de tentativa de reescrever a
história. Não há dúvida de que Moro e procuradores, em diversas ocasiões,
extrapolaram limites do devido processo legal. Tal conduta, porém, é motivo
para rever casos específicos, não para anulações no atacado que Toffoli vem
promovendo, nas quais se insere a decisão de Gilmar.
O fato inescapável é que os casos de corrupção na
Petrobras foram realíssimos, como provam as enormes somas de dinheiro
devolvidas aos cofres públicos.
O STF deveria ter cuidado para preservar o
esforço de combate à corrupção, mas faz o contrário. O acúmulo de decisões
desconjuntadas só reforça a polarização e estimula distorções jurídicas.
As nulidades que beneficiaram Dirceu, por
exemplo, podem ser usadas por bolsonaristas como argumento falacioso para
forçar uma revisão da inelegibilidade ou uma anistia ao ex-presidente.
Acabou a paciência
O Estado de S. Paulo
Governo Lula manda mensagens contraditórias
sobre sua disposição efetiva de cortar despesas, razão pela qual o mercado
cobra um preço cada vez mais alto na forma de juros e do dólar
A equipe econômica alimentou expectativas de
que o governo apresentaria um consistente pacote de corte de gastos para
reequilibrar as contas públicas assim que as eleições municipais fossem
encerradas. Ventilou-se um cardápio de medidas a ser apresentado ao presidente
que poderia gerar uma economia estimada entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões.
Obstinado com a recuperação do grau de investimento, Lula da Silva estaria
disposto a acatá-las. Findas as disputas regionais, as discussões voltaram ao
ramerrão de sempre, deixando claro que nada mudou no governo.
Há duas semanas, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, dizia que enfrentar a dinâmica de crescimento do gasto público
e seu impacto na dívida pública era algo premente e que estava na ordem do dia
do governo. As medidas, segundo ele, seriam submetidas ao Congresso antes mesmo
do envio da reforma tributária sobre a renda.
Na última terça-feira, no entanto, o ministro
disse que ainda terá muitas reuniões com Lula da Silva sobre o assunto e que
não há prazo para a apresentação do tal pacote. Afirmou não haver veto do
presidente sobre essas propostas, mas evitou fazer qualquer projeção sobre a
economia gerada pelas ações a serem adotadas. “Nunca divulguei o número para
vocês”, afirmou.
Foi um balde de água fria. Como esperado, o
mercado reagiu mal a tanta indefinição e o dólar fechou a R$ 5,76, maior valor
desde 2021. No dia seguinte, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tentou
apaziguar os ânimos, disse que o plano deve ficar para novembro e afirmou que a
prioridade será rever políticas públicas ineficientes – um ato para o qual,
segundo ela, é preciso ter “coragem”. Haddad, por sua vez, afirmou que a Casa
Civil está alinhada com a equipe econômica e que haverá um esforço para compatibilizar
os gastos aos limites do arcabouço fiscal.
É com fastio que este jornal volta a debater
a necessidade óbvia de corte de gastos. Mas, ao contrário do que se esperava, o
desfecho das eleições municipais não fará essa agenda avançar. As vitórias da
centro-direita e o desempenho sofrível dos candidatos apoiados pelo PT nas
urnas acenderam o alerta para a disputa presidencial de 2026. Certamente haverá
quem defenda aumentar ainda mais os gastos para fazer frente a esse cenário
político desafiador, o que dificulta, em vez de facilitar, os planos da equipe
econômica.
Há, por óbvio, motivos externos para a
instabilidade da moeda. O dólar se fortaleceu com as indicações do Federal
Reserve (banco central americano) de que o ciclo de corte de juros nos Estados
Unidos não será tão rápido quanto se imaginava. As chances de que Donald Trump
vença as eleições não são desprezíveis, e os planos do republicano de
sobretaxar as importações e deportar imigrantes aumentariam a pressão sobre o
mercado de trabalho, a inflação e, portanto, sobre os juros americanos.
Mas o Brasil também tem suas próprias
questões internas. A expectativa do mercado para a inflação deste ano já
superou o teto da meta, os juros futuros continuam a subir a despeito das
sinalizações de aumento da Selic pelo Banco Central e a dívida bruta deve
superar o patamar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2032, fazendo
picadinho do arcabouço fiscal.
Por melhores que tenham sido os resultados da
arrecadação, não será possível apostar apenas na recuperação de receitas para
zerar o déficit primário. O governo, no entanto, não demonstra pressa e afirma
que as medidas de corte visam a cumprir a meta de 2026. As poucas ações em
estudo e que vêm a público são imediatamente rechaçadas por ministros do
governo e parlamentares do PT, quando não desmentidas pela própria Secretaria
de Comunicação Social da Presidência da República.
A resistência de Lula da Silva é evidente e
ele não parece nada convencido sobre a necessidade de rever gastos públicos de
uma maneira estrutural. Bloqueios, contingenciamentos e pentes-finos em
benefícios sociais, previdenciários e assistenciais não enganam mais ninguém.
Nessas idas e vindas, o mercado cobra um preço cada vez mais alto na forma de
juros e dólar – basta lembrar que o câmbio estava cotado em R$ 4,85 no fim do
ano passado.
Cruzada para destruir as agências reguladoras
O Estado de S. Paulo
Cresce no Planalto o empenho para enfraquecer
as agências e submeter a atividade regulatória aos interesses do governo Lula,
proposta que embute alto risco para os investimentos
Há 21 anos, desde que assumiu pela primeira
vez a Presidência, Lula da Silva tenta acabar com as agências reguladoras.
Sempre travestidas de aperfeiçoamento da lei, as investidas para mudar o
aparato regulatório acabaram por esbarrar no Congresso. Agora, aproveitando-se
da comoção causada pelo apagão da Enel em São Paulo – pelo qual o governo, sem
pestanejar, crucificou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) –, Lula
arquiteta um novo projeto para, em teoria, avaliar o desempenho das agências e,
na prática, demitir e nomear diretores a seu bel-prazer.
A essência intervencionista da campanha do
governo é cristalina. Mas, para que não restasse a menor dúvida, o chefe da
Casa Civil, Rui Costa, em recente encontro com empresários em São Paulo,
revelou a razão central da ofensiva: “Todo mundo que está nas agências hoje foi
indicado pelo governo anterior”. Como noticiou a Coluna do Estadão, Costa
declarou aos presentes que o Planalto e os ministros envolvidos na proposta
estão de pleno acordo sobre a necessidade de acabar com a estabilidade e a
assincronia dos mandatos, prerrogativas que garantem a autonomia dos
reguladores.
O viés antirrepublicano patente na reação do
governo parte do inconformismo lulopetista em conviver com organizações de
Estado que não estejam submetidas às ordens de seu governo. Ocorre que a
independência é o ponto central de atuação das agências, criadas a partir de
1997 para regular, fiscalizar e garantir a qualidade de serviços públicos em
setores que deixaram de ser monopólio estatal.
O fato de os mandatos dos diretores de
agências não serem coincidentes com o do presidente da República é fundamental
para assegurar tratamento técnico às decisões, sem quaisquer suspeitas de
pressão política. Ao buscar enfraquecer a autonomia dos reguladores, Lula da
Silva se arrisca a intensificar a crise de confiança que sua gestão já
enfrenta, por atos e ideias que pesam mais do que os indicadores econômicos,
como o antagonismo ao Banco Central e à política monetária, o desprezo à
escalada da dívida pública e o apreço à gastança – como se fosse um endividado
que incorpora ao orçamento os limites de seu cheque especial.
Para acentuar a insegurança de investidores,
concessionários e usuários de serviços públicos, o governo estuda reativar um
mecanismo que permitirá aos Ministérios avaliarem o desempenho das agências a
eles vinculadas. Caso o Congresso aprove o contrato de gestão que Lula quer
impor às agências, dará apenas o revestimento legal que o governo precisa para
enquadrar a atuação das agências a seus interesses.
Ao Estadão, o senador Confúcio Moura
(MDB-RO), que preside a Comissão de Infraestrutura do Senado, se disse
“radicalmente contra” a cláusula de desempenho do contrato de gestão, por ser
de difícil avaliação, em especial na atividade de regulação. “Não existe fórmula,
é muito subjetivo”, comentou o parlamentar, que se identifica como membro da
base de apoio do governo.
A medida daria aos ministros – e ao
presidente Lula da Silva – poder incontestável sobre os reguladores. Antes
mesmo do blecaute em São Paulo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, já ameaçava a Aneel de intervenção e os diretores da agência de
demissão, mesmo não tendo essa atribuição legal. Reclamava da “inércia” da
Aneel para avaliar propostas do governo, entre elas a regulamentação dos termos
da medida provisória que beneficiou a Âmbar, do Grupo J&F, pertencente aos
irmãos Wesley e Joesley Batista. Imagine-se o que faria se tivesse mais poder.
Na contramão do governo federal, o Estado de
São Paulo acaba de sancionar uma lei que dá a três agências reguladoras
estaduais (de transportes, de serviços públicos e de águas) mais autonomia
administrativa, orçamentária e de planejamento. Diretores serão indicados
seguindo regras de governança das próprias autarquias, que terão independência
inclusive para realizar concursos públicos. Essa legislação poderia servir de
base para Lula da Silva, caso o real interesse de seu governo fosse o de
aperfeiçoar a regulação das agências.
Lá se vai outra meta
O Estado de S. Paulo
Inflação deve estourar teto da meta de novo,
e o presidente do Banco Central pede ‘choque fiscal’
O estouro da meta de inflação em 2024 passou
a integrar o rol de projeções para os indicadores econômicos compilados pelo
Banco Central (BC). O Relatório Focus, que resume semanalmente estimativas de
mais de 160 instituições financeiras, passou a indicar para o ano um IPCA de
4,55%. A dois meses do fechamento do ano, é difícil que a tendência seja
revertida, mesmo com eventuais altas de juros nas reuniões de novembro e
dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) para conter o processo
inflacionário.
Se confirmada a previsão, o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, que termina em dezembro um mandato de quase seis anos à
frente do banco, terá de assinar sua terceira carta ao Ministério da Fazenda
para justificar o descumprimento da meta de inflação. As duas anteriores foram
em 2021 e 2022, com a economia fortemente impactada pelos efeitos da covid. A
julgar pela defesa recorrente que ele tem feito de um “choque fiscal positivo”,
a incapacidade do governo de fazer as contas públicas tomarem o rumo do equilíbrio
terá destaque no documento.
Em 2022, quando a inflação bateu 5,79%,
furando o limite máximo de tolerância de 5%, o Banco Central identificou entre
as maiores causas a inércia em relação a 2021, a retomada de serviços e
empregos com o declínio da covid, a elevação do preço do petróleo no mundo e os
choques de preços de alimentos por questões climáticas. Outros fatores
contribuíram para conter um avanço inflacionário ainda maior, como a apreciação
cambial e a produção menor do que a demanda, cenário inverso ao atual.
Em 2024, o mais próximo que a inflação rodou
próximo à meta de 3% foi em abril, com 3,69% no acumulado em 12 meses. Em
meados daquele mês, a mediana das previsões do Relatório Focus girava
ao redor de 3,71% e ainda apontava para uma taxa de juros de um dígito ao fim
de 2024. A Selic ainda estava em seu ciclo de baixa, com 10,75%.
O cenário mudaria rapidamente, empurrado por
fatores que têm fugido ao controle, como o clima, e outros cujo descontrole vem
da própria gestão Lula da Silva, como a escalada dos gastos do governo. Mais
despesas, mais endividamento, mais custos com o pagamento do serviço da dívida,
por sua vez elevado pelos juros altos usados para conter a inflação. É uma
espiral perniciosa que precisa de ações urgentes para ser contida. O caminho,
amplamente sabido, é o corte de gastos. A receita já foi preparada pelos Ministérios
do Planejamento e da Fazenda. Se será adotada pelo presidente Lula da Silva, é
outra história.
De qualquer forma, o estouro da meta
inflacionária parece já estar contratado. Resta buscar as metas de 2025 mirando
exatamente no centro do alvo como, aliás, o BC tem feito, ao contrário do
Planalto, que se contenta com suas bordas, o que aumenta sobremaneira as
chances de erro. Será o primeiro ano do escolhido de Lula, Gabriel Galípolo, à
frente do BC e o primeiro sob o regime de meta contínua de inflação, com
aferição mês a mês. Espera-se que Galípolo consiga se livrar, sem mágicas, de
endereçar nova carta à Fazenda.
Crise climática e também de saúde
Correio Braziliense
Nortear soluções para a cise climática
considerando apenas a mitigação dos impactos econômicos e a adoção de medidas
de preservação ambiental não é mais suficiente. A urgência é também de saúde
pública
Divulgado na semana de encerramento da 16ª edição da
COP da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e a poucos dias do
início da 29ª
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29),
em Baku, no Azerbaijão, uma pesquisa traz dados consistentes sobre a
necessidade de o debate sobre a crise climática ganhar novos contornos. Nortear
soluções considerando apenas a mitigação dos impactos econômicos e a adoção de
medidas de preservação ambiental não é mais suficiente. A urgência é também de
saúde pública.
Na renomada revista científica The
Lancet, 122 especialistas de 57 instituições acadêmicas alertam que as ameaças
à saúde chegaram aos níveis mais preocupantes da história, com recordes de
custos humanos. É o pior cenário traçado pelo grupo de especialistas nos oito
anos de análise. O grupo é enfático: o tempo perdido está sendo pago em vidas.
Principalmente as dos mais vulneráveis.
Globalmente, as mortes relacionadas ao calor
em pessoas com mais de 65 anos aumentaram 167%, considerando o período de
2014-2023 e a década de 1990. Se as temperaturas não tivessem mudado,
esperava-se uma elevação de 65% no período, sobretudo em razão das mudanças
demográficas. A crise climática, porém, atropelou líderes mundiais, gestores em
saúde e as soluções por eles adotadas. Na avaliação de Wenjia Cai, copresidente
do grupo de cientistas, as respostas institucionais apresentadas não conseguem
acompanhar o ritmo crescente das ameaças às vidas humanas.
A situação do Brasil é destaque no relatório.
No país, a exposição ao calor aumentou 250% entre menores de 1 ano e 231% entre
maiores de 65 anos, comparando os períodos de 2014-2023 e 1986-2005. Essa
temperatura em alta é extremamente favorável ao Aedes aegypti — o risco de
transmissão da dengue é 11% maior considerando os dois intervalos de tempo
analisados. Há de se ressaltar que os brasileiros enfrentam o pior ano da série
histórica de mortes em razão da doença — são 5.661 em 10 meses, contra 1.179 em
2023 e 1.053 em 2022 — e medidas para inverter o gráfico de 2025 precisam ser
adotadas o quanto antes.
Também é para agora, segundo os
pesquisadores, que mais dólares gastos em combustíveis fósseis sejam
redirecionados para proteger a saúde e o bem-estar da população. É verdade que
há sinais de uma maior abertura para o tema na conferência do clima. A COP do
ano passado, nos Emirados Árabes, debateu, pela primeira vez, em uma sessão
oficial, os impactos dos gases de efeito estufa na saúde humana. O documento
final, também de forma inédita, cita a necessidade de "redução dos
impactos à saúde em comunidades vulneráveis". Mas, diante da gravidade do
quadro, é preciso mais.
Espera-se que o documento deste ano seja mais
direto sobre as medidas capazes de mitigar os impactos da crise ambiental sobre
a saúde humana. Relatório inédito divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em
janeiro estima que, até 2050, os eventos climáticos podem levar à morte 14,5
milhões de pessoas no planeta. São quase meio milhão de mortes por ano.
"Nenhum indivíduo ou economia do planeta está imune", alerta a equipe
de Wenjia Cai. É extremo o risco de reverter o limitado progresso feito e "colocar
um futuro saudável ainda mais fora de alcance".
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