Folha de S. Paulo
Acontecimentos recentes solapam a aplicabilidade universal de normas e mecanismos internacionais decisivos para a proteção das populações civis
Uma perturbadora erosão gradual e constante
das normas universais do direito internacional tem ocorrido nas últimas
décadas. Diversos conflitos armados recentes têm desintegrado completamente os
sistemas de proteção da população civil.
No mais grave e longevo desses conflitos, o Estado de Israel, à guisa de se defender do Hamas, em um ano destruiu na Faixa de Gaza todas as escolas, hospitais, universidades, mesquitas, igrejas, arquivos, museus. Cerca de 1,9 milhão de habitantes foram deslocados de suas casas. Quase 2% da população foi morta pelos bombardeios israelenses —60% dessas 42 mil vítimas são crianças, mulheres e idosos a partir de 60 anos.
No final do mês de setembro, a escalada de
ataques, iniciada em 8
de outubro de 2023 entre Israel e o grupo não estatal armado
libanês Hezbollah,
se agravou. Em 27 de setembro último, sem aviso prévio, Israel lançou mais de
80 bombas de 2.000 libras num bairro no sul de Beirute, destruindo seis prédios
de apartamentos e resultando na morte do secretário-geral do Hezbollah, Hassan
Nasrallah. Seguiram-se 1.700 bombardeios no Líbano,
inclusive, recentemente, no centro de Beirute. No total, 1,2 milhão de pessoas
foram deslocadas, 2.083 mortas e 10 mil feridas desde outubro passado, a
maioria nas últimas três semanas. Israel atacou
soldados da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil)
sob protestos de 40 países, inclusive do Brasil.
Tudo antes da morte do líder do Hezbollah,
considerada pelos EUA como "medida de justiça", parece ultrapassado.
Mas, para as vítimas, o passado recente continua sendo o presente. Como foram
as explosões em 17 e 18 de setembro no Líbano, e também na Síria, em pagers e
walkie-talkies, atribuídas a Israel —visando o Hezbollah, mas que
atingiram 3.500 libaneses, com 42 mortes. Perderam
ambos os olhos 300 pessoas e, 500, uma das vistas. Houve
registros de lesões graves na cintura e no rosto das vítimas, além de mãos
amputadas.
Os ataques, a quem estava de posse dos
dispositivos visados, violaram o direito internacional dos direitos humanos e
humanitário, avaliou o alto-comissário de direitos humanos da ONU, Volker Turk.
Apesar disso, as potências ocidentais que apoiam Israel não condenaram esses
ataques. As reações da mídia internacional foram de um fascínio indecente, com
o feito considerado "inovador" e "audacioso".
Era de se esperar que os ataques de Israel
contra o Líbano gerassem protestos aqui, visto o Brasil ter a maior comunidade
de libaneses e descendentes fora do país do Oriente Médio —entre
7 e 10 milhões de pessoas.
Ledo engano. Diante desses horrores, as
entidades da sociedade civil brasileira não se manifestaram. Caladas durante um
ano quanto ao genocídio em curso em Gaza —cuja plausibilidade foi constatada
pela Corte Internacional de Justiça—, guardam um obsequioso silêncio sobre a
desesperadora situação no Líbano.
Mas uma vez nos salva desse constrangimento
internacional o governo brasileiro, que condenou com veemência os ataques aos
pagers e denunciou as operações militares de Israel no sul do Líbano como
violação ao direito internacional, à Carta da ONU e a resoluções do Conselho de
Segurança.
Acontecimentos como os ocorridos em Gaza, no
Líbano e em diferentes partes do mundo solapam a aplicabilidade universal de
normas e mecanismos internacionais decisivos para a proteção das populações
civis.
Urge que a sociedade civil brasileira se dê
conta, como há dias disse António Guterres, secretário-geral da ONU,
do "mundo de impunidade" que ameaça os fundamentos da lei
internacional.
*Professor titular de ciência política da USP (aposentado) e doutor honoris causa da Unicamp; ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (2013) e ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (2001-02, governo FHC)
Brilhante! O Estado TERRORISTA de Israel destruiu todas as escolas, hospitais, universidades, mesquitas, igrejas, arquivos e museus em Gaza, matando cerca de 30 mil mulheres e crianças palestinas. Só em 2 dias de explosões, 300 pessoas perderam os 2 olhos, e outras 500 perderam uma das vistas. O ex-ministro de FHC reconhece o mérito do governo Lula em criticar o genocídio comandado por Netanyahu, e critica outras instituições brasileiras que se OMITEM covardemente neste conflito, ao contrário da ONU e do Tribunal Penal Internacional, seguidamente atacadas pelo criminoso governo israelense e seus diplomatas mentirosos.
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