O Globo
O governador teve seu momento Pablo Marçal
Pelo andar da carruagem, o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, será candidato à Presidência em 2026. Sua vitória
eleitoral e muitos aspectos de sua gestão qualificam-no para isso. Ele produziu
uma imagem austera, próxima do unicórnio de político técnico. Como se sabe,
unicórnio não existe.
Tarcísio de Freitas é um exemplo dos poucos
momentos virtuosos na passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência da República.
Ele o escolheu para o Ministério da Infraestrutura sem conhecê-lo. No Planalto,
foi Bolsonaro quem o convenceu a disputar o governo de São Paulo.
Tarcísio seria um bolsonarista moderado. Como ensina a repórter Flávia Oliveira, “bolsonarista moderado é como cabeça de bacalhau, não existe”. Na tarde de domingo, tendo ao lado o prefeito Ricardo Nunes, Tarcísio disse o seguinte:
— Houve interceptação de conversas e de
orientações que eram emanadas de presídios por parte de uma facção criminosa,
orientando determinadas pessoas em determinadas áreas a votar em determinados
candidatos.
Questionado por uma jornalista sobre quem
seria o candidato para quem houve a orientação a votar, Tarcísio respondeu:
— Boulos.
As urnas estavam abertas, e as interceptações
eram de setembro, anteriores ao primeiro turno, imprestáveis como prova de que
Boulos tinha o apoio do Primeiro Comando da Capital. O governador de São Paulo
acabava de viver seu momento Pablo Marçal.
Horas depois, com as urnas fechadas e Nunes reeleito com mais de 1 milhão de
votos de diferença, o governador admitiu que cometeu um erro ao acusar Boulos.
Em março passado, quando a PM de São Paulo
barbarizava na Baixada Santista, com dezenas de mortos, e era denunciada à
Comissão de Direito Humanos das Nações Unidas, ele disse:
— Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio
que o parta, que eu não tô nem aí.
Um mês depois, desculpou-se:
— Naquela fala, perdi a paciência, perdi a
cabeça.
Seria um bacalhau em busca de uma cabeça, mas
Tarcísio só erra numa direção, como o do mercado.
Indo ao erro de domingo, Tarcísio deveria
medir o tamanho de sua leviandade no exemplo de um político que sabia jogar
sujo. Lyndon Johnson (1908-1973) gostava de contar uma de suas piadas
favoritas:
— O candidato a xerife é amigo do dono do
jornal e lhe pede que publique que seu rival foi visto tendo relações com um
porco. O amigo diz que o outro desmentirá a acusação.
— É o que eu quero — arremata o amigo.
Em outubro de 1968, o mesmo Johnson era
presidente dos Estados
Unidos, tinha uma guerra no Vietnã e estava pronto para anunciar o
início de negociações para buscar a paz. Haveria uma eleição presidencial no
dia 5 de novembro, e ele tinha candidato. Seu adversário, Richard Nixon, soube
da iniciativa. (A informação veio do professor Henry Kissinger, que tinha um pé
em cada candidatura.)
Johnson soube que Nixon torpedearia a
iniciativa de paz, pedindo ao Vietnã do Sul que se recusasse a negociar.
Grampeou os interessados e interceptou comunicações diplomáticas.
Tinha todas as provas de que o candidato
conspirou para travar o acordo, mas ficou calado, e Nixon elegeu-se. Por quê?
Pelo estrago que uma denúncia daquele tamanho provocaria no país.
Diferentemente dos episódios de Pablo Marçal
e de Tarcísio de Freitas, a denúncia de Johnson seria verdadeira.
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