sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A trilha de ‘sherpas’ de Lula rumo a 2026 - Andrea Jubé

Valor Econômico

Presidente fez novo aceno ao equilíbrio das contas públicas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de uma semana marcada pela revelação de um plano com detalhes estarrecedores para dar cabo de sua vida, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes com uma postura altiva e um discurso racional na política e na economia, em meio à expectativa pelo pacote fiscal.

No primeiro pronunciamento público após as graves revelações do relatório da Polícia Federal, ele comemorou o consenso alcançado na declaração final da cúpula do G20, presidida pelo Brasil, celebrou os 37 acordos assinados durante a visita oficial do presidente da China, Xi Jinping, renovou o apelo pela volta da normalidade democrática, e restabeleceu o compromisso com o equilíbrio fiscal, às vésperas do anúncio do pacote de cortes conduzido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“É esse país sem perseguição, sem o estímulo do ódio, da desavença, que a gente precisa construir”, exortou, em discurso no Palácio do Planalto. “Eu não quero envenenar nem perseguir ninguém, a única coisa que eu quero é que, quando terminar o meu mandato, a gente desmoralize com números aqueles que governaram antes de nós”.

Num ambiente de incertezas com a economia, de pressão inflacionária, escalada do dólar e sucessivos adiamentos da divulgação dos cortes, Lula fez novo aceno ao equilíbrio das contas públicas. “Quero devolver o país com estabilidade econômica, estabilidade fiscal e estabilidade jurídica”, e voltou a prometer “previsibilidade” aos investidores.

Porém, ao reiterar o desejo de que esse país sirva de exemplo “para os empresários brasileiros e para o mundo”, Lula tem de dar o aguardado sinal verde para a divulgação do pacote de gastos, cujos adiamentos têm gerado mais turbulências e instabilidade. Haddad afirmou na quinta-feira que a divulgação do ajuste ocorrerá na segunda (25) ou terça-feira (26).

As vitórias alcançadas por Lula nessa semana, no entanto, apenas demarcam, positivamente, a metade de uma trajetória que ainda tem obstáculos pela frente da magnitude de uma trilha de “sherpas” - os negociadores do Itamaraty que costuraram, em meio a dias de confinamento, o documento sem divergências assinado pelas 19 maiores economias do mundo (além de União Europeia e União Africana).

Como se sabe, os “sherpas” são os guias que conduzem os alpinistas na Cordilheira do Himalaia, que abriga as montanhas mais altas do mundo, como o Everest. Para chegar ao cume, é preciso disposição, condicionamento físico e coragem para escaladas em gelo e rocha, travessia de abismos, ventos violentos e ameaças de avalanche. Em tempos de planos de golpe de Estado e assassinatos de políticos e magistrados, trata-se de uma metáfora adequada para quem se aventura na política nacional.

Na trilha de obstáculos que tem a percorrer até 2026, caso decida concorrer à reeleição, o primeiro desafio de Lula, do qual não cabe desvio, é entregar o país com a estabilidade econômica, fiscal e jurídica com a qual está se comprometendo.

Uma rocha de gelo que emerge logo à frente é o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que Lula gostaria de assinar no dia 6 de dezembro, na cúpula de presidentes do bloco que ocorrerá no Uruguai.

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, confirmou ao Valor que a expectativa do governo é que o acordo seja anunciado na reunião em Montevidéu. Nos últimos dias, entretanto, ele criticou o que classificou como “ação coordenada” de boicote de empresas francesas para tentar inviabilizar o acordo: “Não faz sentido achar que é coincidência que um mês atrás foi a Danone que fez, e agora o Carrefour, apontando de forma inverídica as condições de produção brasileira”.

Nos bastidores, a percepção de fontes do Itamaraty e do Ministério da Agricultura é de que os ataques recentes de empresários e varejistas franceses aos produtos do Mercosul seriam uma demonstração velada de que aumentaram as chances de aprovação do documento.

Um diplomata ponderou, em conversa com a coluna, que os produtores brasileiros e dos países vizinhos não ouvirão ataques calados e preparam uma contra-ofensiva. A constatação é de que a batalha migrou do campo político para a seara da imagem e da opinião publica, e é preciso defender a qualidade da produção brasileira e do Mercosul. A França e seus aliados estão em minoria e, no cenário atual, haveria votos para aprovar o acordo no Conselho e no Parlamento europeu.

Corinthians. Antes das graves revelações da Polícia Federal, Lula esbanjava entusiasmo nas reuniões do G20, e não poupou gracejos com os chefes de Estado nas reuniões bilaterais, nas quais falou até de futebol.

Ao propor o estreitamento dos laços entre os países na reunião com o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Sheikh Khaled bin Mohamed bin Zayed Al Nahyan, chefe da delegação dos Emirados Árabes Unidos, o petista elogiou a aquisição do time do Bahia pelo Grupo City, que detém 12 clubes (entre eles, o Manchester City). Na presença de ministros e assessores, Lula puxou a brasa para o seu time. “O Brasil tem um time muito melhor e com a maior torcida do país que o senhor tem de conhecer”, disse, em tom bem humorado. Time do coração de Lula, o Corinthians escapou há pouco da zona de rebaixamento, e tem uma dívida de R$ 2,3 bilhões para honrar.

 

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