O Globo
Presidente organizou encontro com
governadores para encaminhar seu projeto de reforma da política nacional de
segurança pública
Lula organizou na quinta-feira uma reunião
com governadores para encaminhar seu projeto de reforma da política nacional de
segurança pública. Para seu gosto, foi um êxito, pois adora reuniões, e todos
os presidentes que gostam de eventos, sonham com pactos. Foi uma solene
inutilidade.
A proposta do ministro Lewandowski tem um lado positivo em tese, e outro discutível na prática. Em tese, a unificação dos sistemas de informação é uma boa ideia. Vale lembrar que outra boa ideia, a do cartão nacional de saúde do SUS, com os dados pessoais e médicos das pessoas, veio do século passado e só agora ficou de pé. No caminho, aconteceu de tudo em outros governos, inclusive a compra de equipamentos que não saíram das caixas.
Os sistemas de informação não se comunicam
porque os fornecedores querem ter exclusividade, e os operadores, por algum
motivo, não querem compartilhar informações. Um juiz plantonista que liberta um
traficante de drogas quer que sua decisão fique no escurinho do tribunal. Se
Deus é brasileiro, o Sistema Único de Segurança funcionará nesta década.
Afinal, o Lula 3.0 completará dois anos e o sistema da Polícia Rodoviária não
está inteiramente integrado com o da Polícia Federal.
Já a transformação da Polícia Rodoviária numa
POF, ou Polícia Ostensiva Federal, tem ingredientes tóxicos. No governo
passado, a PRF era conhecida como Polícia Rodoviária do Flávio (Bolsonaro). Nos
primeiros dias de governo, havia companheiros querendo recriar uma Guarda
Nacional para Brasília.
O pacote da segurança aumentará num tiquinho
o campo de atuação do governo federal. Os governadores que reclamam por isso
evitam expor seus verdadeiros motivos.
Como a situação chegou a um grau alarmante,
Brasília poderá trabalhar à vontade (ou não), valendo-se da Polícia Federal. O
caso do assassinato da vereadora Marielle Franco é uma prova disso. O crime
havia sido cometido sem um só bandido profissionalmente exclusivo. Na base,
estavam dois ex-policiais. Na cúpula, irão a julgamento um deputado, um
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e um poderoso delegado. Isto posto,
percebe-se porque a investigação patinou no Rio.
A segurança pública desandou porque um
conjunto de interesses trava a repressão ao crime. Aí entram interesses
políticos, conexões y otras cositas más. Federalizando-se alguns crimes e
dando-se poder à Polícia Federal, joga-se contra as organizações criminosas o
melhor aparelho de que o Estado dispõe. É o melhor aparelho levando-se em conta
seus competidores, mas também não há ali um mar de rosas. Basta dizer que a PF
batalha para que seu diretor tenha mandato de dois anos.
O ministro da Justiça que tiver que tratar desse pleito deveria dizer que também quer mandato.
Lewandowski é um cavalheiro
No evento de Lula com os governadores, o
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse o seguinte, tratando do
assassinato da vereadora Marielle Franco:
“Por cinco anos, me desculpe, governador
Cláudio Castro... o Rio de Janeiro demorou cinco anos para elucidar o caso e
não esclareceu. A valorosa Polícia Federal entrou com sete homens e desvendou
esse lamentável crime”.
Seria bom se tivesse sido assim. Policiais do
Rio elucidaram o caso em poucas semanas. Outros policiais embaralharam a
investigação, para proteger os criminosos de cima e de baixo.
A PF foi valorosa porque a turma do crime não
teve cacife para atrapalhar seu trabalho.
Um retrato do crime organizado
A Secretaria Nacional de Políticas Penais
(Senappen), do Ministério da Justiça, mapeou a extensão do crime organizado no
país e sua penetração nas prisões. O retrato assusta.
Existem pelo menos 88 organizações
criminosas, e elas têm delinquentes detidos em 1.760 pavilhões do sistema
prisional. Duas delas, o Comando Vermelho, com predomínio no Rio, e o Primeiro
Comando da Capital, predominante em São Paulo, têm alcance nacional. As demais
são regionais ou locais. Em três estados, operam 46 organizações: Bahia (20),
Minas Gerais (13) e Rio Grande do Sul (13).
Como essas quadrilhas se aliam ou combatem
entre si, sete das dez cidades mais violentas do país estão na Bahia. Lá existe
uma verdadeira guerra de bandidos, na qual vários grupos se enfrentam e
combatem a expansão do Comando Vermelho e dos aliados do PCC.
Em Minas Gerais, pela sua posição geográfica,
o PCC e o CV disputam áreas.
O trabalho da Senappen mostra que as
rivalidades entre essas quadrilhas é um fator relevante na produção de altas
taxas de criminalidade em algumas regiões do país.
Um retrato da Justiça
A Corregedoria Nacional de Justiça produziu
um retrato do trabalho do Judiciário brasileiro. Assusta pela sobrecarga
derivada do estímulo aos litígios. Todos os números são gordos. Os processos
passaram dos 82 milhões, os magistrados são 18 mil e os servidores são 272 mil.
No guichê de entrega de resultados, uma
sentença demora em média dois anos e sua execução, quatro.
A sobrecarga pode ser avaliada pelos números
do funil do Superior Tribunal de Justiça. Ele é composto por 33 magistrados, e
a Corte recebe 462 mil processos por ano.
Isso dá uma carga média de 40 processos por
dia para cada ministro do STJ.
Aviso amigo
Suave nas disputas e bem-humorado na vida, o
ministro José Múcio, da Defesa, é uma flor rara em Brasília. Ele deu ao Lula
3.0 seu melhor desempenho: tirou as Forças Armadas da agenda conflituosa em que
haviam sido atiradas.
Já o Palácio do Planalto de Lula está na
tradição ofídica que vem desde o Paço Imperial de D. Pedro I.
José Múcio não faz gestos bruscos, mas se o
fogo amigo disparado contra ele não diminuir, um dia o verão foi-se embora.
Tiroteio petista
Escaldado pelo resultado eleitoral, o PT
deu-se a um tiroteio interno com a busca de responsáveis pelas derrotas.
Com a vitória na eleição presidencial de
2022, ele resolveu ir em frente e, sem qualquer autocrítica, cavalgou o
desmanche da Operação Lava-Jato mantendo intacta sua agenda. Descobriu que o
eleitorado também não fez autocritica.
A origem de todos os padecimentos dos
companheiros está numa percepção errada da vitória de 2022: não foi Lula que
ganhou, foi Bolsonaro que perdeu.
Elmar perdeu o amigo
Depois de ser sido abandonado na chuva por
Arthur Lira durante a disputa pela presidência da Câmara, o deputado Elmar
Nascimento queixou-se: “Perdi meu melhor amigo.”
O doutor vai completar dez anos de Brasília e
achava que tinha um amigo.
Alguém deveria ter lhe contado uma lição dada
aos novatos que chegam a Washington: se você quer um amigo, arrume um cachorro.
Jogatina
A turma da sede arrecadatória achava que
podia abrir a porteira da jogatina oferecendo custosas outorgas às empresas de
apostas interessadas no mercado brasileiro. Produziram um desastre.
Fazendo-se de conta que a jogatina dita
responsável não terá ligações com o crime organizado, nem produzirá uma
epidemia de viciados, fica a questão da lavagem de dinheiro obtido
ilicitamente.
As grandes casas de apostas operam com seus
programas numa nuvem, localizada sabe-se lá onde. Quem souber como os
algoritmos desse programa poderá ser auditado ganha duas apostas premiadas.
Muito bom!
ResponderExcluirA coluna está interessante e diversificada, mas o colunista não me convenceu da "inutilidade" da reunião realizada por Lula com os governadores. O futuro é que nos mostrará se ela foi mesmo inútil ou se bons resultados virão a partir dela.
ResponderExcluirMerval Pereira e Eliane Cantanhêde aparentemente não concordam com este colunista sobre a questão do título desta coluna.
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