sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Nenhum dos dois - José de Souza Martins

Valor Econômico

Ninguém é dono do eleitorado – nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político

Se estivermos em busca do que esteve em disputa nas eleições municipais de 27 de outubro, em São Paulo, descobriremos que foi o nada protagonizado pelo ninguém. Somados os “votos” brancos e nulos aos “votos” dos que votaram abstendo-se de votar, que de fato é voto, veremos que o grande vencedor foi o “ninguém”. Não só pela incerteza que caracterizou essa eleição, mas também pelas características da situação eleitoral em relação a eleições passadas.

Dizer que a zona leste da cidade era petista e de esquerda, tornou-se reduto do forasteiro Marçal e de um Nunes, que ainda se pensa como vice-prefeito ou mesmo subprefeito de Parelheiros, nada diz além do fato de que ninguém é dono do eleitorado. Nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político. O são meramente adjetivos.

É preciso reconhecer que a cidade já não é propriamente uma cidade fabril nem operária. Sua periferia e seu subúrbio são espaços de vaivém cotidiano dos que moram num lugar e trabalham em outro.

As cidades do subúrbio, que foram cidades industriais e proletárias, tornaram-se cidades-dormitório. O crescimento econômico e a decorrente especulação imobiliária empurraram os trabalhadores para fora. O espaço proletário transformou-se em espaço de classe média.

A reestruturação produtiva da indústria e a migração das indústrias para espaços distantes, onde a terra é muito mais barata do que na região metropolitana de São Paulo, mudou radicalmente a territorialidade paulistana.

Hoje é possível prever que os municípios da Grande São Paulo, nos próximos dez a vinte anos, estarão muito próximos do desaparecimento, subsumidos por uma nova territorialidade, a da metrópole, com nova configuração político-administrativa.

Esse processo teve início no governo de Mário Covas, quando ele reconheceu a necessidade de aglutinação em consórcios de municípios da área metropolitana para atendimento conjunto de demandas e necessidades que isoladamente já não tinham condições de atender.

A complexa rede de transporte sobre trilhos, vislumbrada pelo então governador José Serra, com a possibilidade de que moradores da Baixada Santista pudessem morar em Santos e trabalhar em São Paulo, está sendo implantada. A área metropolitana se estenderá, em pouco tempo, a Campinas, Santos e Sorocaba. Com o futuro trem-bala, chegará a São José dos Campos.

O transporte sobre trilhos recriará a metrópole e seu centro. Os órgãos do governo do Estado devem retornar ao centro velho e histórico, completamente refuncionalizado.

Nessas mudanças, há muita coisa que a direita não vê nem tem competência para compreender e implementar. Mas a esquerda está ideologicamente atrasada. Conhece rótulos e conceitos não necessariamente científicos para definir a realidade, e não para compreendê-la nem para desenvolver uma práxis condizente com as radicais mudanças sociais e políticas que estão acontecendo.

 

Provavelmente foi um erro de oportunismo eleitoral dos partidos e dos candidatos supor que este seria um embate entre direita e esquerda, e não foi. E seria, também, uma antecipação de voto em relação ao que estará em disputa daqui a dois anos. Esta foi uma eleição municipal, relativa a questões locais e, portanto, aos fatos e problemas da vida cotidiana, o oposto do que motiva a participação nas eleições gerais.

Dos vários candidatos a prefeito da cidade de São Paulo, nestas eleições apenas dois demonstraram que conhecem interpretativamente a problemática cidade de hoje. A cidade que vem sendo vitimada pela urbanização patológica decorrente de improvisações e remendos.

A esquerda erra ao não reconhecer que essa anomalia vitima a todos, pobres e ricos, todos empobrecidos de civilização pela insuficiência de uma infraestrutura que propicie ao menos o mínimo de mediações civilizadoras, sobretudo na área da educação e da cultura.

Refiro-me a Tabata Amaral e Guilherme Boulos, que, por caminhos diferentes, demonstraram clareza e consciência sobre o que disse Henri Lefebvre, o sociólogo francês que melhor conheceu o que é a cidade, como lugar e desafio de necessidades radicais. Isto é, das necessidades que não são principalmente ideológicas nem de crescimento econômico. Mas de transformações urbanas e sociais permanentes e contínuas no sentido de superar atrasos e viabilizar a emancipação das pessoas em face da alienação que as abate, humilha e subjuga.

Se continuar tolhida no marco do atraso social, sujeita a administrações insensíveis aos desafios da função civilizadora da revolução urbana, a São Paulo restará o fracasso da lentidão na compreensão e realização política de seu futuro possível.

 

Um comentário:

  1. Dois pontos:

    • A gigantesca rejeição a Guilherme Boulos parece-me, parece-me, um indicador de que a eleição também, também, conteve um forte elemento ideológico. No caso, de um eleitorado dito conservador e anti-esquerda ( pelo menos, aparentemente, no atual contexto ).

    • Tabata Amaral, assim como João Campos, espero, terão grande futuro como grandes candidatos nas próximas eleições.

    😊

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