Valor Econômico
Ninguém é dono do eleitorado – nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político
Se estivermos em busca do que esteve em
disputa nas eleições municipais de 27 de outubro, em São Paulo, descobriremos
que foi o nada protagonizado pelo ninguém. Somados os “votos” brancos e nulos
aos “votos” dos que votaram abstendo-se de votar, que de fato é voto, veremos
que o grande vencedor foi o “ninguém”. Não só pela incerteza que caracterizou
essa eleição, mas também pelas características da situação eleitoral em relação
a eleições passadas.
Dizer que a zona leste da cidade era petista e de esquerda, tornou-se reduto do forasteiro Marçal e de um Nunes, que ainda se pensa como vice-prefeito ou mesmo subprefeito de Parelheiros, nada diz além do fato de que ninguém é dono do eleitorado. Nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político. O são meramente adjetivos.
É preciso reconhecer que a cidade já não é
propriamente uma cidade fabril nem operária. Sua periferia e seu subúrbio são
espaços de vaivém cotidiano dos que moram num lugar e trabalham em outro.
As cidades do subúrbio, que foram cidades
industriais e proletárias, tornaram-se cidades-dormitório. O crescimento
econômico e a decorrente especulação imobiliária empurraram os trabalhadores
para fora. O espaço proletário transformou-se em espaço de classe média.
A reestruturação produtiva da indústria e a
migração das indústrias para espaços distantes, onde a terra é muito mais
barata do que na região metropolitana de São Paulo, mudou radicalmente a
territorialidade paulistana.
Hoje é possível prever que os municípios da
Grande São Paulo, nos próximos dez a vinte anos, estarão muito próximos do
desaparecimento, subsumidos por uma nova territorialidade, a da metrópole, com
nova configuração político-administrativa.
Esse processo teve início no governo de Mário
Covas, quando ele reconheceu a necessidade de aglutinação em consórcios de
municípios da área metropolitana para atendimento conjunto de demandas e
necessidades que isoladamente já não tinham condições de atender.
A complexa rede de transporte sobre trilhos,
vislumbrada pelo então governador José Serra, com a possibilidade de que
moradores da Baixada Santista pudessem morar em Santos e trabalhar em São
Paulo, está sendo implantada. A área metropolitana se estenderá, em pouco
tempo, a Campinas, Santos e Sorocaba. Com o futuro trem-bala, chegará a São
José dos Campos.
O transporte sobre trilhos recriará a
metrópole e seu centro. Os órgãos do governo do Estado devem retornar ao centro
velho e histórico, completamente refuncionalizado.
Nessas mudanças, há muita coisa que a direita
não vê nem tem competência para compreender e implementar. Mas a esquerda está
ideologicamente atrasada. Conhece rótulos e conceitos não necessariamente
científicos para definir a realidade, e não para compreendê-la nem para
desenvolver uma práxis condizente com as radicais mudanças sociais e políticas
que estão acontecendo.
Provavelmente foi um erro de oportunismo
eleitoral dos partidos e dos candidatos supor que este seria um embate entre
direita e esquerda, e não foi. E seria, também, uma antecipação de voto em
relação ao que estará em disputa daqui a dois anos. Esta foi uma eleição
municipal, relativa a questões locais e, portanto, aos fatos e problemas da
vida cotidiana, o oposto do que motiva a participação nas eleições gerais.
Dos vários candidatos a prefeito da cidade de
São Paulo, nestas eleições apenas dois demonstraram que conhecem
interpretativamente a problemática cidade de hoje. A cidade que vem sendo
vitimada pela urbanização patológica decorrente de improvisações e remendos.
A esquerda erra ao não reconhecer que essa
anomalia vitima a todos, pobres e ricos, todos empobrecidos de civilização pela
insuficiência de uma infraestrutura que propicie ao menos o mínimo de mediações
civilizadoras, sobretudo na área da educação e da cultura.
Refiro-me a Tabata Amaral e Guilherme Boulos,
que, por caminhos diferentes, demonstraram clareza e consciência sobre o que
disse Henri Lefebvre, o sociólogo francês que melhor conheceu o que é a cidade,
como lugar e desafio de necessidades radicais. Isto é, das necessidades que não
são principalmente ideológicas nem de crescimento econômico. Mas de
transformações urbanas e sociais permanentes e contínuas no sentido de superar
atrasos e viabilizar a emancipação das pessoas em face da alienação que as abate,
humilha e subjuga.
Se continuar tolhida no marco do atraso
social, sujeita a administrações insensíveis aos desafios da função
civilizadora da revolução urbana, a São Paulo restará o fracasso da lentidão na
compreensão e realização política de seu futuro possível.
Um comentário:
Dois pontos:
• A gigantesca rejeição a Guilherme Boulos parece-me, parece-me, um indicador de que a eleição também, também, conteve um forte elemento ideológico. No caso, de um eleitorado dito conservador e anti-esquerda ( pelo menos, aparentemente, no atual contexto ).
• Tabata Amaral, assim como João Campos, espero, terão grande futuro como grandes candidatos nas próximas eleições.
😊
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