O Estado de S. Paulo
Consequências Nova política externa terá
significativos impactos para geopolítica e vários temas globais
As eleições nos EUA refletiram o
realinhamento político eleitoral na sociedade americana. O Partido Democrata,
visto como progressista, apoiado pela classe média alta, com diploma
universitário, passou a ser um partido percebido como da elite, desconectado
dos reais problemas da população.
O Partido Republicano, por influência de
Donald Trump, deixou de apoiar valores conservadores de direita e passou a
defender interesses concretos dos menos favorecidos.
Nesse contexto, a influência maior no resultado da eleição não foi a economia, mas os anseios e preocupações sociais da classe média trabalhadora.
Não foi surpresa que os temas econômicos, a
imigração e propostas isolacionistas externas tenham sido os temas mais
importantes na campanha eleitoral. As dificuldades da classe média, nos últimos
anos empobrecida, além do número crescente de imigrantes afetando o mercado de
trabalho para o americano médio, explicam, em grande parte, a insatisfação com
as políticas do governo Biden, apesar do crescimento da economia e da redução
da inflação, que não chegou na ponta, afetando o ânimo do eleitor.
Contrariando a expectativa, a vitória de
Trump foi rápida, ampla e sem contestação. Esse resultado terá profundo impacto
sobre a sociedade americana, que tenderá a ver agravadas sua divisão e
polarização.
GLOBAL. No cenário internacional, a política
externa trumpista trará significativas consequências para a geopolítica, para a
economia e para alguns temas globais, como mudança do clima, transição
energética e avanço da direita.
Na guerra da Ucrânia, não será possível
terminar o conflito militar no dia seguinte da sua posse, como prometeu, mas
certamente o governo americano vai reduzir ou suspender o financiamento para
economia ucraniana e para o esforço militar de Volodmir Zelenski, fortalecendo
a política de Vladimir Putin de congelar a ocupação territorial e da Crimeia.
A Europa, dividida sobre essa questão,
dificilmente cobrirá os custos do apoio à Ucrânia em substituição aos EUA. Kiev
não terá atendido seu pedido de ingresso na Otan.
O apoio irrestrito a Israel na guerra de Gaza
e no Líbano, com Trump, poderá aumentar o risco de uma escalada militar com um
possível ataque ao Irã.
As tensões entre os EUA e a China deverão
aumentar, sobretudo, se a promessa de novas e altas tarifas sobre produtos
chineses for cumprida e se crescer a retórica americana contra a ameaça chinesa
a Taiwan.
As ações globais para a preservação do meio
ambiente e mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela
perda de prioridade no novo governo Trump.
BRASIL. A COP 30 no Brasil poderá ser
esvaziada pela ausência do presidente dos EUA. O avanço da direita no mundo
ganhará reforço e apoio de Washington. O imprudente pronunciamento do
presidente Lula manifestando sua preferência por Kamala Harris para “defender a
democracia e evitar o nazismo e o fascismo com outra cara” não vai ajudar na
relação entre os chefes de Estado.
As relações entre os dois Estados não deverão
ser afetadas, mas algumas promessas de campanha certamente estão causando
preocupação ao atual governo: a agenda climática, a questão da Venezuela, os
problemas com Elon Musk, associados a retórica de restrições à liberdade de
expressão e às relações de Trump com o bolsonarismo.
Eduardo Bolsonaro estava, como amigo de
Trump, em Mar a Lago, comemorando a vitória republicana, e não será surpresa se
vier a estimular provocações e mesmo restrições ao governo Lula.
Indiretamente, as políticas econômicas e
comerciais de Trump, se cumpridas as promessas, poderão impactar o
comportamento do dólar, a inflação e a taxa de juros no Brasil, em função do
aumento das tarifas de produtos importados e do consequente reflexo na inflação
americana, no déficit público e na taxa de juros do Fed.
As decisões sobre a política de Lula em
relação ao Brics e ao ingresso na iniciativa chinesa sobre a Nova Rota da Seda
serão importantes no relacionamento com os EUA. O Brasil deveria tomar decisões
nessas questões de acordo com o interesse nacional e reafirmar uma posição de
independência em relação a países ou grupos, sem ideologia ou partidarismo.
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