O Estado de S. Paulo
Uma vitória de Kamala Harris representaria, de modo geral, a continuação da atual política externa americana – e, portanto, poucas mudanças tanto para os aliados quanto para os desafetos dos EUA. Um triunfo de Donald Trump, por outro lado, traria profundas mudanças geopolíticas. Lideranças em Moscou, Buenos Aires, Jerusalém, Budapeste, Riad e Pequim celebrariam o retorno do republicano à Casa Branca.
MOSCOU. Na Rússia, significaria um alívio.
Desde o início da guerra na Ucrânia, o governo de Joe Biden mantém política de
forte apoio a Kiev, fornecendo recursos financeiros e militares significativos.
Trump tem criticado abertamente esse apoio, questionando os gastos e
minimizando a importância da aliança dos EUA com a Europa para enfrentar a
agressão russa. Uma vez no poder, é provável que ele restrinja o suporte dos
EUA à Ucrânia, o que beneficiaria diretamente Vladimir Putin e permitiria à
Rússia reverter os desafios militares e recuperar influência na região.
ARGENTINA. Em Buenos Aires, um retorno de
Trump provavelmente reduziria a influência de vozes mais moderadas e daria mais
peso à ala ideológica do governo Milei. A recente saída da chanceler Diana
Mondino e promessas de uma caça às bruxas no Ministério das Relações Exteriores
podem ser interpretadas como uma aposta do presidente argentino na vitória de
Trump. O governo Bolsonaro pode ser uma referência: com Trump na Casa Branca,
sentiu-se à vontade para colocar um representante da ala mais radical de seu governo
à frente do Itamaraty, mas o substituiu quando Biden chegou ao poder. Milei
poderia fazer o inverso. Porém, a volta de Trump não necessariamente
transformaria a relação com a Argentina, que se manteve estável no governo
Biden e tem se marcado por interesse específico em áreas como lítio,
fundamental para transição energética.
ISRAEL. O retorno de Trump fortaleceria a
aliança com Israel. O reconhecimento de Jerusalém como a capital do país, sob
seu primeiro mandato, e o apoio incondicional ao governo de Benjamin Netanyahu
deixaram marcas profundas. Israel veria uma chance de avançar sua agenda
regional, especialmente contra o Irã, cujo programa nuclear tem sido uma das
principais preocupações israelenses. Enquanto a grande maioria dos eleitores
judeus nos EUA apoia Kamala, a população israelense prefere Trump. Na Arábia
Saudita, a monarquia também se beneficiaria da vitória do republicano, em parte
devido aos amplos laços de negócio entre sua elite política e Jared Kushner,
genro de Trump.
BUDAPESTE. O retorno de Trump facilitaria a
vida de Viktor Orbán, na Hungria. O mandatário húngaro compartilha a visão de
mundo do ex-presidente americano – frequentemente elogia seu estilo de
liderança, marcado por uma retórica de “soberania nacional”, que questiona a
cooperação internacional e o multilateralismo. Orbán encontraria um aliado em
seu esforço para enfraquecer instituições como a União Europeia.
PEQUIM. A China, embora alvo constante das
críticas do expresidente dos EUA, também veria com bons olhos o retorno de uma
administração que fragilizaria o sistema internacional construído pelos EUA
depois da 2.ª Guerra. Trump, que deve aumentar as tarifas sobre produtos
chineses, oferece amplas vantagens indiretas a Pequim. Ele já demonstrou
ceticismo em relação à Otan e pode enfraquecer a aliança militar
transatlântica, questionando o comprometimento dos EUA com a segurança europeia
e despertando dúvidas sobre a defensa de aliados americanos na Ásia, como
Coreia do Sul, Japão e Taiwan. Contrariando a preferência da vasta maioria da
população taiwanesa, Pequim vê Taiwan como parte inalienável de seu território
e considera a influência dos EUA sobre a ilha uma das maiores barreiras para
sua “reunificação”.
Por fim, há pouca dúvida de que, diferentemente de seu primeiro mandato, quando tecnocratas souberam frear os impulsos de Trump – como o de intervir militarmente na Venezuela –, o republicano selecionaria agora quadros muito mais leais e enfrentaria pouca resistência interna para implementar suas ideias.
Hmmm...
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