Folha de S. Paulo
Pelo nível da turma do 'Punhal Verde e
Amarelo', é de se perguntar como diplomaram-se e, pior, se representam o
alunado médio dessas instituições
Pelo português típico dos bordéis de zona
portuária, pela visão de mundo da altura de uma sarjeta e pelo apego à
violência com base na premissa de que atentados à vida são meios que justificam
quaisquer fins, os militares
presos pela Polícia Federal por terem elaborado um plano para
matar o presidente da República, o vice-presidente e um
ministro do Supremo Tribunal Federal, na passagem
de 2022 para 2023, entreabrem três perguntas.
São elas: 1 - Qual a formação que esse pessoal obteve nas escolas militares?; 2 - Em que medida eles representam o alunado médio dessas escolas?; 3 - Em caso negativo, de que modo esses militares conseguiram diplomar-se e fazer uma carreira nas Forças Armadas, ascendendo a posições de destaque e chegando à irresponsável iniciativa de afrontar o Alto Comando do Exército ao planejar um golpe de Estado?
Uma das respostas possíveis é a que tem sido
dada por importantes historiadores, como José Murilo
de Carvalho. Segundo eles, a República foi fruto de uma intervenção
militar, configurando um golpe que viciou o regime político desde seu início. A
partir daí, a intervenção militar na vida pública teria se convertido numa
espécie de norma, em decorrência da propensão dos membros das Forças Armadas a
intervir na via política quando assim o desejassem, como se sua missão fosse
tutelar a sociedade.
Outra resposta tem sido dada por respeitados
analistas e sociólogos, como Roberto Godoy, Eliezer de Oliveira e Celso de
Castro. Por ficarem reclusos aos quartéis e às academias, apartando-se do
restante da sociedade, os militares transformaram-se progressivamente num grupo
social específico dotado de formação técnica. Constituindo-se numa corporação
disposta a se emparelhar com a elite civil, eles se imaginaram como um
"poder moderador", agindo a partir daí como um poder potencialmente
desestabilizador da ordem jurídica.
Por mais que nos primórdios do golpe de 1964 o então
ministro Roberto Campos dissesse que o "‘projeto de
grandeza’" do novo regime apagaria "a imagem do militar como um
profissional abrutalhado pela caserna, de treinamento estreito e
bitolado", isso não ocorreu, como revelam as gestões de Costa e Silva, Médici
e Figueiredo.
Desde então, o que se vê é um confronto entre
duas burocracias. A inerente ao sistema representativo, com suas negociações e
acertos, garantindo governabilidade mas não o desenvolvimento econômico e
social. E a burocracia militar, com suas concepções de patriotismo. Enquanto na
vida política os atores são obrigados a respeitar a ordem jurídica, no caso dos
militares —ainda que estejam sujeitos ao direito positivo— prevalecem mais a
autoridade hierárquica superior e os regulamentos disciplinares.
São duas formas de pensar e agir, como dizia
o professor Oliveiros
Ferreira, nos anos 1960. Ao decidir, o burocrata civil se ampara nas
leis, com base nas quais pode se recusar a cumprir decisões impostas por seus
chefes, colocando-os diante da alternativa de serem responsabilizados no caso
de irregularidades.
Já o militar se ampara em decisões superiores
tomadas por seus chefes e adotadas com base em princípios diferentes daqueles
que regem os cidadãos comuns. Como os dois grupos disputam o controle de
recursos escassos, decorre daí a tensão entre eles —e, principalmente, a
hostilidade dos segundos aos primeiros.
Este ponto é essencial. O que se viu na
prisão de militares pela PF não é apenas um choque entre as duas burocracias,
como em 1964. Foi, sim, um choque dentro da própria burocracia militar. Foi um
embate em que os defensores de um plano de assassinato de três autoridades
agiram contra a vontade de seus próprios superiores. E os palavrões que
disseram ao afrontar generais oficialistas dá a medida do desrespeito desse
pessoal pela hierarquia.
Felizmente,
as instituições foram mais fortes do que esses aventureiros
bolsonaristas. Mas isso não obscurece as indagações feitas acima: o
que se passa com as escolas militares, que diplomam fardados sem formação e
condições morais de vestir uma farda?
Boa pergunta.
ResponderExcluirObviamente não podemos julgar o todo pela parte, mas o que se revelou na trama do golpe foi a existência de militares em altas posições com visão de mundo e ideais de uma mediocridade atroz.
ResponderExcluirConcordo. Mas as FFA parecem mais preocupadas em pautas corporativas do que militares propriamente ditas.
ExcluirExcelente análise do professor da Faculdade de Direito da USP, a tradicional São Francisco. Eu me fazia a mesma pergunta, imaginando o nível da EsPCEX e AMAN formando Bolsonaro, Pazuelo & estes tantos outros que agora tomamos conhecimento. Obrigado, Gilvan Melo, pelo magnífico texto do professor José Eduardo Faria.
ResponderExcluirDe fato a formação da oficialidade demonstra que algo de muito errado aconteceu ( Bolsonaro conseguir entrar na Aman sem nem saber se expressar em português e o nosso general especialista em logística Pazuelo, não precisa de comentários para sua completa incompetência. Deveria ir comandar a logística russa na sua guerra de agressão atual.
ResponderExcluirExcelente coluna! Boas perguntas, ainda sem boas respostas... Afinal, "o que se passa com as escolas militares, que diplomam fardados sem formação e condições morais de vestir uma farda?"
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