sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Controle de gastos é essencial para conter alta de juros

O Globo

Copom teve de acelerar subida da Selic diante das incertezas sobre compromisso fiscal e cenário externo

Os sinais de força da economia, o aquecimento do mercado de trabalho e o crescimento das projeções de inflação justificam a decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), de aumentar a taxa básica de juros, a Selic, para 11,25%. Na reunião anterior, em setembro, a taxa subiu um quarto de ponto percentual. Ao acelerar o ritmo para meio ponto, o Copom mostra estar pronto para seguir aumentando a Selic até controlar a alta de preços. O cenário internacional, que sempre exige atenção, ficou mais desafiador com a eleição de Donald Trump. Diante da dinâmica inflacionária e do quadro externo, os rumos da política fiscal farão enorme diferença. A magnitude do aperto monetário será maior ou menor, a depender da seriedade do governo no programa de controle de despesas esperado com ansiedade pelo mercado.

Por decisão do Conselho Monetário Nacional, a meta de inflação perseguida pelo Copom é 3%, com intervalo de tolerância até 4,5%. Do início de outubro para cá, as previsões para 2024, 2025 e 2026 subiram. A projeção atual para este ano está em 4,59%, para o próximo em 4,03% e para o seguinte em 3,61%. A inflação acumulada em 12 meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou outubro em 4,47%, segundo a prévia do IBGE. Em nota, os próprios integrantes do Copom reconheceram que suas previsões se deterioraram. Por isso era hora de ação, algo que a maioria dos analistas já esperava.

Na nota divulgada pelo Copom, não há nenhuma orientação sobre altas futuras. Foi um sinal de cautela para evitar volatilidade no mercado. Num ambiente cheio de incertezas, o Copom dá a entender que adotará as decisões necessárias para manter a inflação dentro da meta, mas acompanhará o desenrolar dos fatos. Uma das dúvidas está na implantação das promessas de campanha de Trump. Ele pretende elevar tarifas de importação, medida com potencial de pressionar a inflação americana para cima e exigir juros mais altos por lá. Por mudar o fluxo de capitais, a política monetária da maior economia do mundo repercute em todo o planeta. Outra fonte de preocupação é o câmbio, com os efeitos inflacionários de uma possível valorização do dólar.

Outra dúvida diz respeito ao equilíbrio fiscal. Como em reuniões anteriores, o Copom reafirmou nesta semana que uma política fiscal “crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida” terá impacto positivo na política monetária. A “apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal” contribuem para a “ancoragem das expectativas de inflação”, diz a nota. Ao gastar mais que arrecada, o governo injeta dinheiro na economia, pressiona para cima a demanda por produtos e serviços e alimenta a alta de preços. Uma política fiscal responsável daria mais eficácia às medidas do Copom, tornando desnecessários aumentos maiores de juros. De quebra, diminuiria a percepção de risco associada ao crescimento da dívida pública. Ainda é incerto o grau de comprometimento do governo Lula com o equilíbrio das contas públicas. Mais uma razão para acelerar o programa de controle de gastos.

Queda no desmatamento revela o desafio de cumprir meta de zerá-lo

O Globo

Pela primeira vez em cinco anos, devastação caiu não apenas na Amazônia, mas também no Cerrado

É boa notícia a queda no desmatamento da Amazônia (30,6%) e do Cerrado (25,7%), registrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) na comparação do período entre agosto de 2023 e julho deste ano com os 12 meses anteriores. Na Amazônia, o movimento já vinha ocorrendo nos últimos anos. No Cerrado, onde as florestas têm sido pressionadas pela fronteira agrícola, os governos federal e estaduais vinham se mostrando incapazes de conter a devastação.

Que os números tenham começado a cair também no Cerrado é motivo para celebração. Mesmo assim, os patamares ainda são altos para um país que se comprometeu a zerar o desmatamento nesta década. E a queda não sugere que o problema esteja sob controle. “As taxas de destruição estão altas, e precisamos de uma política de desmatamento zero ainda neste ano, já que ainda temos pontos que concentram o aumento das taxas em relação ao bioma como um todo”, diz o biólogo Lucas Ferrante, da USP e da Universidade Federal do Amazonas.

Na Amazônia, foram devastados 6.288 km2 no período entre 2023 e 2024, menor patamar desde 2014. Os números vinham subindo desde 2015 e alcançaram o pico de 13 mil km2 em 2021. Só voltaram a cair em 2022. No Cerrado, o desmatamento resistia. Entre 2022 e 2023, foram 11 mil km2 de devastação, aumento de 3% sobre o período anterior. Entre 2023 e 2024, porém, a área desmatada caiu para 8.174 km2, interrompendo cinco anos de alta.

A destruição no bioma está concentrada na região conhecida como Matopiba (formada por Mato GrossoTocantins, Piauí e Bahia). Foi positivo o pacto firmado entre o governo federal e os quatro estados visando ao controle do desmatamento e dos incêndios nessa área, em parte responsável pelo bom resultado.

É verdade que, desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve medidas para recuperar os organismos ambientais e retomar a fiscalização. Mas, entre o discurso e a prática, ainda há um abismo. O combate ao garimpo ilegal em terras indígenas tem se revelado um fracasso. No Congresso, o governo não tem se empenhado suficientemente para barrar as pautas antiambientais. Nos últimos meses, com o agravamento da seca, ficou claro que faltam fiscalização e preparo para deter as queimadas.

Em tal contexto, é importante o Brasil poder apresentar números positivos sobre desmatamento, mesmo sabendo que no ano que vem eles não deverão ser tão bons em razão da temporada de incêndios florestais. O êxito no Cerrado mostra que os governos conhecem o caminho para deter os desmatadores. Precisam apenas saber aprofundar as políticas públicas que levaram a esses resultados. Ainda há muito a fazer para cumprir a promessa de desmatamento zero.

Correção da política fiscal pode atenuar alta de juros

Valor Econômico

Com a economia crescendo acima de seu potencial, estimulada por gastos públicos, será impossível evitar o aumento da inflação sem recorrer a uma dose maior de juros e sem ajuda da política fiscal

O Federal Reserve americano reduziu o ritmo de corte da taxa de juros para 0,25 ponto percentual, para a faixa 4,5%-4,75%, depois de iniciar um ciclo de afrouxamento com 0,5 ponto. Um dia antes, o Banco Central do Brasil fez o caminho inverso e acelerou o ritmo de alta de 0,25 para 0,50 ponto, elevando a taxa Selic a 11,25%. Ambos apontaram incertezas no horizonte, sem mencionar que novos riscos virão após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas.

No comunicado do Copom, o ambiente externo “suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”. O presidente do Fed, Jerome Powell, em entrevista ontem, descartou uma dessas dúvidas. A economia americana continua a se expandir em um ritmo sólido, acompanhada também de progressos na inflação. Em setembro, o índice de gastos pessoais de consumo (PCE) foi de 2,1%, e o núcleo desse índice, de 2,4%, já bem próximos da meta de 2% do banco.

Fed e BC não deram orientação futura sobre seus próximos passos, por razões distintas. Powell deixou claro que não deseja esfriamento adicional do mercado de trabalho, nem permitir que a inflação volte a subir e que o Fed trilhe o estreito caminho entre cortar juros nem tão rápido que faça a inflação ressurgir, nem tão devagar que provoque danos à atividade econômica.

Os cenários com que o Fed e o BC trabalham ficaram defasados com a eleição de Trump. Powell disse que “no curto prazo, a eleição não terá nenhum efeito em nossas decisões”, mas a médio prazo a política econômica de Trump afetará variáveis-chave para a determinação da política monetária. Inquirido a respeito, Powell foi breve: “Não adivinhamos, não especulamos e não assumimos quais serão as opções políticas do novo governo”.

Até a posse de Trump, nada muda nos rumos do Fed, que seguirá empurrando os juros da faixa contracionista para a neutra, de 3% na mediana das estimativas dos membros do banco. Powell disse que o mercado de trabalho deixou de estar aquecido e que a evolução dos salários, que não foram fonte de pressão inflacionária, se aproxima de um ritmo compatível com inflação de 2%. É sabido que Trump quer cortar impostos, o que elevará o déficit fiscal. A esse respeito, Powell deixou claro, como seus antecessores, que “a atual trajetória da política fiscal é insustentável”.

A política fiscal pode ser uma preocupação relevante a mais no mundo de incertezas do Fed, mas é uma fonte de problemas atual para o BC. O Copom dobrou a dose de juros depois que as projeções de inflação, mais uma vez, pioraram. No horizonte relevante da política monetária, agora o segundo trimestre de 2026, o IPCA previsto subiu para 3,6%, ante 3,5% do comunicado da reunião anterior, com a diferença que esse resultado considera agora um pico de juros 1 ponto percentual maior (12,5% ante 11,5%) e uma taxa maior que a do cenário anterior para os juros ao fim de 2025 (11,5% ante 10,5%).

O comunicado da reunião de quarta, possivelmente pela espera do cenário dos EUA, foi um dos mais lacônicos dos últimos tempos. Teve apenas 605 palavras, quase um quarto das 2.153 reservadas para descrever as análises e decisões do encontro anterior, quando o BC resolveu iniciar o ciclo de alta. O Copom não sinalizou nenhum passo futuro, repetiu que as próximas decisões dependerão dos dados econômicos mais recentes e parece ter se colocado à espera de “medidas estruturais” de correção do desequilíbrio fiscal, repetindo os termos usados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad quando apresentou a necessidade de ações para alinhar a evolução dos gastos às regras do novo regime fiscal.

A desconfiança em relação à sustentabilidade fiscal, segundo o Copom, afetou de “forma relevante” os prêmios de risco e a taxa de câmbio. A depreciação cambial é um fator inflacionário de primeira ordem, mas seu rumo dá margem a diferentes interpretações. A consultoria Oxford Economics, por exemplo, vai na contramão das previsões de boa parte dos investidores domésticos. Acredita que uma Selic a 12% (março) seria suficiente para levar o IPCA a 3,6% no segundo trimestre de 2026 e atingir a meta de 3% nos dois trimestres seguintes. Estima que a inflação poderá cair abaixo da meta depois disso. Uma das premissas é que a valorização do dólar foi fruto das expectativas sobre as eleições americanas e que real se recuperará. Para a Oxford, a aposta dos mercados em Selic a 13% fará o IPCA despencar a 1,5% em 2027 e fará a economia se retrair mais do que o necessário.

O futuro do dólar é difícil de projetar, mas o BC voltou a dar ênfase a um problema real: com a economia crescendo acima de seu potencial, estimulada por gastos públicos, será impossível evitar o aumento da inflação sem recorrer a uma dose maior de juros e sem ajuda da política fiscal. Ainda há tempo para correção de rumos, porque há riscos novos no cenário: se Trump executar o que prometeu, o dólar pode ter nova rodada de valorização e os juros subirão nos EUA, obrigando a uma adaptação da política monetária doméstica na mesma direção.

Trump, dólar e juros tornam mais urgente ajuste no Brasil

Folha de S. Paulo

Políticas inflacionárias do republicano tendem a encarecer a moeda americana, pressionando os preços aqui

O retorno de Donald Trump ao comando da maior potência do planeta está associado à alta das cotações globais do dólar, por sólidas razões.

Da plataforma do conservador populista consta o acirramento de medidas destinadas a proteger setores da economia americana da concorrência chinesa, o que decerto também afetará outros países. A consequência é o encarecimento de produtos para o consumidor dos EUA.

Trump, ademais, é defensor de restrições draconianas à imigração, com o velho e enganoso argumento da proteção dos empregos de seus compatriotas. Com isso tende a reduzir a oferta de mão de obra, elevando seus custos. Por fim, o republicano promete subsídios e cortes de impostos capazes de agravar o já galopante déficit das contas do governo.

A reação lógica a toda essa combinação inflacionária são juros mais altos por mais tempo —o que torna as aplicações em dólar mais atrativas e aumenta a procura pela moeda americana.

Não surpreende, pois, que a incerteza quanto aos rumos dos EUA tenha encabeçado, no Brasil, o comunicado do Banco Central acerca do aumento de sua taxa básica, a Selic, que passou de 10,75% para 11,25% anuais.

"O ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica incerta nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed [o banco central americano]", diz o texto publicado na quarta (6), horas depois da confirmação da vitória eleitoral de Trump.

Aqui, a desvalorização do real ante o dólar tem motivos adicionais, ligados à perda de credibilidade da política de ajuste orçamentário do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Menos confiança na solvência da dívida pública leva investidores a preferir a segurança da divisa dos EUA.

Déficit fiscal prolongado, sem controle à vista, e encarecimento dos produtos importados pressionam a inflação e forçam o BC a subir, de modo mais acelerado agora, juros já cavalares —o que, por sua vez, cria mais despesas financeiras e agrava a deterioração das contas do Tesouro Nacional.

Só existe uma maneira virtuosa de romper esse círculo vicioso, como já compreenderam os auxiliares de Lula na Fazenda e no Planejamento. O governo precisa sustar o aumento contínuo e insustentável de seus gastos, de modo a indicar que o Orçamento federal vá ser reequilibrado num futuro próximo. O que já deveria ser óbvio há muito tempo se tornou agora mais urgente.

As condições políticas para tanto decerto se estreitaram, ainda mais depois da derrota da esquerda nas eleições municipais de outubro. As oportunidades de início de mandato, infelizmente, foram desperdiçadas. Não resta mais espaço para promessas vagas e manobras protelatórias, entretanto —quanto mais tardar o inevitável ajuste das finanças governamentais, mais duro ele terá de ser.

Quem paga a conta dos tribunais de contas?

Folha de S. Paulo

Dispêndio milionário na folha de pagamento dos conselheiros de Roraima é evidência de que, para o bem do erário, urge escrutínio das cortes

Órgãos auxiliares do Legislativo, os tribunais de contas têm o dever constitucional de atuar na "fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial" do poder público. Devem ser observados, entre outros pontos, legalidade, legitimidade e economicidade no dispêndio.

O cumprimento de tais funções nem sempre é o que baliza a definição dos conselheiros, indicados por chefes do Executivo e Casas legislativas nas esferas municipal, estadual e federal.

Vitaliciedade até os 75 anos, salários vultosos, penduricalhos e regalias em geral atraem a cobiça de aliados, parentes, políticos sem mandato e apaniguados.

No quesito remuneração, um exemplo recente e eloquente vem do Tribunal de Contas do Estado de RoraimaReportagem da Folha mostrou que os sete conselheiros do TCE-RR receberam só na folha de setembro nada menos que R$ 8 milhões, incluindo os chamados "proventos diversos" e pagamentos de R$ 1,4 milhão a R$ 1,8 milhão a quatro deles.

No estado com o menor PIB do país, o salário formal de um conselheiro é de R$ 39,7 mil —o teto do funcionalismo nacional, reservado a ministros do Supremo Tribunal Federal, é de R$ 44 mil.

Para tentar justificar o desembolso milionário, o órgão enumera uma série de pagamentos retroativos, como acúmulos de função, abonos e licenças não gozadas convertidas em dinheiro.

Já no campo das indicações, as tratativas para uma cadeira no Tribunal de Contas da União —que deverá estar livre apenas em 2026— chamam a atenção pelas cartas postas na mesa.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), declarou que um nome do PT receberá seu endosso na disputa pelo cargo de ministro do TCU em troca de apoio do partido à candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB) para comandar a Casa.

Três ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se sentiram constrangidos ao emplacarem as próprias mulheres em cortes estaduais. Derivação do nepotismo, o "esposismo" envolve Renan Filho (Transportes), em Alagoas; Wellington Dias (Desenvolvimento Social), no Piauí; e Rui Costa (Casa Civil), na Bahia —nesta última, uma enfermeira foi contemplada.

É vital para a democracia brasileira dispor de órgãos de controle independentes e atuantes, mas remunerações ostentosas e empreguismos que dispensam qualificação técnica e experiência comprovadas não condizem com as atribuições precípuas dos tribunais de contas —muito menos com os princípios republicanos.

A caneta redentora do sr. Dino

O Estado de S. Paulo

Ao mandar destruir livros de execrável teor preconceituoso, o ministro evidenciou que não compreende o conceito de liberdade de expressão, válido sobretudo para as ideias mais abjetas

É chocante a ordem do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que alguns livros fossem destruídos porque Sua Excelência não gostou do que leu.

O caso diz respeito a quatro obras jurídicas, publicadas entre 2008 e 2009, que, de fato, contêm textos execráveis contra minorias, em particular “avaliações” preconceituosas dos autores sobre o comportamento de membros da comunidade LGBTQIA+, além de conteúdo degradante às mulheres.

Por anos, os tais livros dormitaram na biblioteca da Universidade de Londrina. Até que, em 2015, um grupo de alunos, aparentemente por acaso, os resgatou do ostracismo e resolveu acionar o Ministério Público Federal (MPF). O parquet, por sua vez, requereu o pagamento de uma indenização de R$ 1 milhão a título de danos morais coletivos e pediu a retirada das obras de circulação, em afronta à ordem jurídica e ao regime democrático que deveria defender. Negados os pedidos em grau de recurso pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, o MPF foi ao Supremo.

De tão disparatada, a ordem de Dino não pode derivar de outra coisa senão de um sentimento de onipotência – do ministro e de alguns de seus pares no STF – que não se coaduna com a ideia de República, muito menos com a defesa da democracia. Não raro insuflado por um misto de vaidade e soberba, esse ânimo de “recivilizar” o País, como já externado pelo ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, passou a orientar certas decisões da Corte ditas “iluministas”. É o que se vê agora.

Segundo Dino, os livros “desbordam do exercício legítimo dos direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento”. Se desbordo houve, foi o da função judicante pelo próprio ministro. E Dino o fez porque subjaz em sua decisão uma compreensão equivocada sobre a liberdade de expressão que tem grassado na Corte, como se essa liberdade fosse circunscrita à veiculação de discursos virtuosos. Ora, a virtude, por óbvio, prescinde da tutela do Direito. As leis e a Constituição aí estão para ordenar a vida de seres humanos essencialmente complexos e não raro falhos em sua formação moral. É espantoso que um ministro do STF não seja capaz de fazer essa distinção elementar.

A Constituição não autoriza que se ordene a supressão de discursos a priori, por mais abjetos que sejam. Seus autores, quando for o caso, que respondam pelos danos que eventualmente causarem a terceiros. Os livros ora censurados são potenciais documentos históricos, registros de um pensamento circulante na sociedade em dado tempo. Não é papel do STF determinar como o País haverá de ser visto no futuro. Na ânsia de “salvar” o Brasil de seus golpistas, homofóbicos, misóginos ou coisa que o valha, o STF se presta a um apagamento histórico que, é forçoso dizer, é típico de regimes autoritários.

Na decisão, Dino mencionou o julgamento do chamado “Caso Ellwanger”, de 2003, quando o STF negou habeas corpus a Siegfried Ellwanger, um editor do Rio Grande do Sul condenado pela Justiça gaúcha pela publicação de obras de cunho abertamente antissemita, o que foi qualificado na época como crime de racismo. Na ocasião, a maioria dos ministros entendeu que “a liberdade de expressão não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência”, mas nenhuma instância superior ordenou o recolhimento ou a destruição dos livros, porque obviamente seria absurdo.

Dino, portanto, contrariou a jurisprudência do próprio STF. Basta lembrar o julgamento que permitiu a publicação de biografias não autorizadas, de junho de 2015. A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, foi didática ao afirmar à época que “não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo a sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história, que se consegue cumprir a Constituição”.

No limite, doravante, se alguém implicar com Levítico 20:13 (“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”), pode recorrer à virtuosa caneta do sr. Dino, que, mantida a coerência, deverá mandar recolher e destruir a Bíblia.

O Brasil diante de Trump

O Estado de S. Paulo

Com Trump de volta à Casa Branca, Lula terá o desafio de frear os apelos militantes, conter os delírios terceiro-mundistas e reforçar o tradicional pragmatismo como norte da diplomacia

O retorno de Donald Trump à Casa Branca, com todas as diferenças, fricções e incertezas políticas que o regem, exigirá do governo do presidente Lula da Silva uma demonstração exemplar de maturidade e pragmatismo – atributos que historicamente marcam a diplomacia brasileira e não raro faltam ao lulopetismo. O principal desafio de Lula, como foi do então presidente Jair Bolsonaro, será não ceder aos ruidosos apelos de sua militância, que no caso das preferências da esquerda brasileira costumam ser guiadas por paixões, delírios terceiro-mundistas e aversão ao Ocidente simbolizado pela liderança dos Estados Unidos. No reino das relações exteriores, contudo, militância e paixões são péssimas conselheiras.

Os primeiros sinais emitidos pelo Palácio do Planalto parecem razoavelmente auspiciosos. O presidente brasileiro foi rápido e correto ao cumprimentar publicamente Trump pela notável vitória, logo após a confirmação de que o republicano fora eleito o novo presidente dos EUA. “Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos EUA”, escreveu Lula nas redes sociais, acrescentando que “a democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada” e que “o mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade”. Terminou a nota com votos de “sorte e sucesso ao novo governo”.

O tom conciliatório já o distancia, de partida, da demora infantil adotada pelo Brasil quando Joe Biden derrotou Trump, quatro anos atrás. Bolsonaro e o Itamaraty, sob a liderança constrangedora do chanceler Ernesto Araújo, levaram longos 28 dias para reconhecer e parabenizar o presidente eleito, uma tardança que levou o Partido Democrata a tratar o Brasil com indiferença. Como se sabe, sob as ordens de Bolsonaro e a diligente condução de seu chanceler, a política externa era empreendida para livrar o Brasil do “jugo esquerdista”, do “marxismo cultural” e do “globalismo”, algo que colocou o País na inédita posição de pária no cenário internacional.

Delírios similares, embora com sinais trocados, podem ser vistos entre porta-vozes do lulopetismo. Descontado o receio natural de que a nova gestão de Trump permita avançar a extrema direita internacional, impulsione novos ventos autocráticos mundo afora e promova recuos em temas-chave como meio ambiente, cooperação científica, ações humanitárias e comércio, é o momento de evitar conclusões políticas açodadas. O próprio Lula derrapou de maneira constrangedora ao declarar a uma TV francesa, quatro dias antes da eleição americana, que torcia pela adversária de Trump, a democrata Kamala Harris, e ao sugerir que uma vitória do republicano representaria a volta do “fascismo e do nazismo” com “outra cara”. Ou Lula tinha absoluta certeza da derrota de Trump ou não viu problema em tecer comentários indevidos e desairosos sobre as eleições de outro país – algo, aliás, que ele evita fazer quando se trata de respeitar a “soberania” de ditaduras camaradas. Seja o que for, tratou-se de uma evidente estultice, com potencial para, agora, gerar embaraços diplomáticos.

Há chance, porém, de corrigir a rota, desde que não caia na tentação de outros arroubos retóricos desnecessários. Sobretudo quando o Brasil tem a necessidade de preservar seus laços diplomáticos e comerciais com as principais potências, mesmo diante de um cenário geopolítico marcado por tensões crescentes entre os EUA e a Europa, de um lado, e a China e a Rússia, de outro. A história recente sugere o valor do pragmatismo, especialmente porque a relação comercial entre americanos e chineses se tornou a espinha dorsal da economia global. Não surpreende, por exemplo, que noves fora os momentos em que Lula e Bolsonaro usaram a geopolítica para mobilizar a militância, tanto a política externa de um quanto a de outro tenham, no geral, resistido às pressões de lado a lado.

O Brasil ganhará se Lula mantiver os interesses do País acima das preferências de sua base ideológica. Isso não evitará as muitas diatribes que se esperam do irascível Trump, mas ajudará a conter muitos danos. No meio da rinha ideológica e retórica, é o Brasil quem terá mais a perder.

A mensagem do BC para o governo

O Estado de S. Paulo

Ao elevar juros, Copom explica que não basta anunciar medidas fiscais, é preciso executá-las

Em um movimento amplamente esperado pelo mercado, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu aumentar a taxa básica de juros em 0,50 ponto porcentual (p.p.), de 10,75% para 11,25% ao ano. Depois de ter elevado a Selic em 0,25 p.p. em setembro, na primeira alta desde o início do governo Lula da Silva, o Banco Central (BC), de maneira unânime, optou por acelerar o ritmo do ajuste, mas não deixou claro se repetirá a dose na reunião de dezembro.

No comunicado, o BC reafirmou o “firme compromisso de convergência da inflação à meta” e destacou que tudo dependerá da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções e expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.

A questão é que o próprio BC elevou sua projeção para a inflação do segundo trimestre de 2026 de 3,5% em setembro para 3,6% em novembro, isso em um cenário de referência no qual o câmbio está cotado a R$ 5,75 e a Selic pode chegar a 12,5%, segundo as projeções do Boletim Focus.

O prazo corresponde ao horizonte relevante, ou seja, o período no qual as decisões do Copom sobre a política monetária terão mais efeito sobre a inflação e a economia. Independentemente disso, as projeções para a inflação deste ano e a de 2025 também subiram de 4,3% para 4,6% e de 3,7% para 3,9%, respectivamente.

Os investidores entenderam a mensagem: nem com os juros a 12,5% ao ano seria possível alcançar a meta de 3% em 2026. Assim, logo após a reunião, muitos já elevaram suas projeções para 13% ou mais, embora alguns tenham preferido aguardar a ata e o desenrolar das próximas semanas para ajustá-las.

Uma das principais incertezas é a magnitude do pacote de corte de gastos do governo, cujo anúncio tem sido protelado desde a semana passada. Sobre esse assunto, o Copom fez questão de dar seu recado. Já no comunicado, destacou que a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal tem afetado os preços de ativos e as expectativas “de forma relevante”, sobretudo o prêmio de risco e a taxa de câmbio.

O BC disse ainda, com todas as letras, que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida, “com a apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal”, contribuiu para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, o que, por óbvio, tem impactos na condução da política monetária.

Ao enfatizar a necessidade de executar medidas estruturais, e não apenas de anunciá-las, o Copom praticamente desenhou que bloqueios, contingenciamentos e pentes-finos em benefícios previdenciários, assistenciais e sociais não serão suficientes para dirimir as incertezas que já estão contratadas, haja vista a cotação do dólar e a curva de juros futuros. Não há como manter juros ou reduzi-los nesse cenário.

Em suma, o governo Lula da Silva terá de fazer sua parte e entregar o que tem prometido na área fiscal, sob pena de enfraquecer os efeitos da política monetária e ter de arcar com um ajuste ainda mais duro.

 Saúde auditiva no tom adequado

Correio Braziliense

A previsão da Organização Mundial da Saúde reflete o momento que vivemos: cerca de 25% da população mundial apresentará algum grau de perda auditiva em 2050

Não há como negar que somos um país barulhento. Seja pelo som produzido pelo motor dos ônibus, das motos, dos carros, das fábricas e seus equipamentos, seja pelo próprio comportamento do brasileiro — que, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, costuma fazer barulho. E o corpo sofre com isso. 

A previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS) reflete o momento em que vivemos: cerca de 25% da população mundial apresentará algum grau de perda auditiva em 2050. E, ao contrário de antigamente — em que a tecnologia ainda dava seus primeiros passos e, talvez por isso, os principais afetados eram os idosos —, atualmente um mau hábito ameaça a saúde auditiva dos brasileiros de diferentes faixas etárias, principalmente os mais jovens: o uso de fones de ouvido.

Cada vez menores e mais "interiorizados" ao nosso organismo, os fones chamados auriculares viraram febre entre os mais jovens. Uns são de silicone e até se adaptam a cada orelha, isolando o ruído externo. Se a tecnologia ajuda no quesito informação, interatividade e entretenimento, peca ao produzir sons de alta intensidade.

E alguns danos são irreversíveis. Se o uso de fones for em volumes altos e tempo prolongado — tanto em termos de horas por dia quanto de meses ou anos —, o prejuízo às células auditivas é cumulativo. Essas estruturas vibram intensamente diante de qualquer som alto, e o excesso de vibração faz com que a vida útil delas seja reduzida. No caso do ouvido interno, as células não regeneram, podendo levar à surdez.

Em 2022, a OMS emitiu um novo padrão internacional para audição segura em locais e eventos, de 100 decibéis. A agência das Nações Unidas define como poluição sonora ruídos acima de 65 decibéis. No caso das crianças, além de volumes reduzidos, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda os fones maiores, que abafam o som, mas apenas por duas horas por dia.

Já com relação aos idosos, é importante que as famílias os observem, considerando que é difícil que o próprio indivíduo perceba que esteja acometido por algum grau de  deficiência auditiva. Televisão em volume elevado, dificuldade em ouvir conversas e hábito de pedir para repetir determinadas frases são sinais consideráveis de perda de audição.

O que preocupa os especialistas é justamente perceber os sinais e não fazer nada a respeito. Ao identificar os sintomas precocemente, é possível tratar e evitar uma predisposição ao desenvolvimento de distúrbios mais graves, como a demência precoce, que pode ser provocada pela falta de estímulos auditivos. No Dia Nacional de Combate à Surdez, neste domingo, portanto, fica a reflexão: estamos cuidando de nossos ouvidos?

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