O Globo
Governo faz discurso binário de que ente maldoso não se preocupa com os pobres, mas conhece lógica que dita pé atrás com a política fiscal
Os dados positivos de vários indicadores macroeconômicos e sociais animaram Lula e ministros a reforçar o discurso de que há desconexão entre o mau humor do mercado financeiro com as decisões de política econômica, sobretudo fiscal, e a economia real. É o tipo de contraposição que funciona bem em discursos, rende argumentos para os defensores do governo no Congresso e na conversa de redes sociais, até pode indicar um caminho para recuperar a avaliação do presidente nas pesquisas de opinião, mas não é fidedigna, por opor variáveis distintas e esconder que o desequilíbrio fiscal pode, sim, comprometer os ganhos a respeito dos quais o governo bate bumbo na outra ponta.
O crescimento do PIB na faixa de 3% nos dois
primeiros anos de Lula é certamente boa notícia. Tanto em 2023 quanto neste
ano, o resultado superou as previsões do mesmo mercado mal-humorado e até as
oficiais. Mas de onde vem o pé atrás, nesse caso? De esse crescimento se basear
fortemente no consumo das famílias, que segue aquecido, só que embute risco
inflacionário e, portanto, mantém a pressão sobre o Banco Central para subir os
juros na tentativa de levar a inflação para a meta dos 3%. Inflação em alta come
boa parte dos ganhos da população com o crescimento e com o mercado de trabalho
aquecido — o desemprego em baixa é outro dos indicadores positivos que Lula vem
procurando realçar. E os juros mantidos altos para controlar a inflação acabam
impactando o aumento da dívida pública.
Essas dinâmicas são amplamente conhecidas de
Lula e de todos aqueles que ocupam cargos e ordenam despesas nos três Poderes,
mas é mais fácil apontar uma indisposição de natureza política e ideológica com
o governo do que reconhecer ser preciso demonstrar compromisso com o rigor das
contas públicas para que o ceticismo não “faça preço”, como vem acontecendo no
câmbio e nos juros futuros. Até ministros da ala mais liberal do governo, como
a titular do Planejamento, Simone Tebet, enveredaram nos últimos dias por esse
caminho de pintar um mercado malvado e insensível à sensibilidade social de
Lula, justamente quando as negociações com o Congresso e com os agentes
econômicos exige maior comedimento e capacidade de articulação política e
interlocução.
Um prato cheio para dar corda a essa visão
maniqueísta de virtuosos contra venais foi a ideia de juntar o pacote de corte
de gastos e a discussão da reforma do Imposto de Renda. A confusão é tamanha
que, além de tourear o Centrão em crise de abstinência pelas emendas, o
Planalto terá de explicar à ala esquerda de sua base na Câmara e no Senado que
não é hora de fazer firula com as medidas e que é preciso aprová-las. Isso
porque o discurso de que as medidas de justiça tributária deveriam vir antes do
corte de benefícios sociais já foi abraçado com força por bancadas como a do
PSOL.
A excelente notícia de que, pela primeira vez
na História, o número de brasileiros na extrema pobreza ficou abaixo de 5%
(4,4% em 2023, segundo o IBGE) e de que quase 9 milhões deixaram a miséria no
primeiro ano de mandato de Lula tem de ser celebrada. O presidente tem todo o
direito de bater no peito e dizer que está cumprindo o que prometeu em palanque
e foi uma das causas de sua vitória em 2022.
O problema é a tentação de emendar a justa
celebração com falas como aquela segundo a qual a redução da miséria seria
motivo de tristeza dos tais tubarões de um mercado sádico. O pastiche não ajuda
em nada a melhora da expectativa em relação ao petista. Um pouco de
inteligência na comunicação permitiria que as boas notícias da economia,
aliadas às demonstrações de busca pelo ajuste fiscal, ajudassem Lula tanto com
a sua base social quanto com esses setores que ainda torcem o nariz para o
governo.
A verdade dói.
ResponderExcluirOi, Vera! Talvez vc devesse ter se preocupado em mostrar prá nós quem seria esse tal de "Mercado"... Há 4 anos ele não se manifestava, apesar dos malfeitos escabrosos cometidos. Agora, com tanta notícia boa acontecendo, você e o "Mercado" se sentem incomodados? Por quê, mesmo, Vera?
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