O Globo
Que ao menos o nome do ‘padrinho’ e o destino
das verbas sejam identificados publicamente
O vereador Francisquinho Nascimento quase
conseguiu se livrar da prova. Quando os agentes da Polícia
Federal chegaram a seu apartamento, em Salvador, na última
terça-feira, ele atirou uma sacola pela janela. Deu azar. Os policiais
recuperaram a sacola. Continha notas de R$ 200, R$ 100 e R$ 50, no valor exato
de R$ 220.150,00.
Nascimento foi apanhado na Operação Overclean, coordenada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do governo federal. O objetivo era apurar um esquema de desvio de dinheiro de emendas destinado ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Segundo nota da CGU, investigações preliminares sugerem o possível desvio de R$ 1,4 bilhão em diversos contratos públicos.
Como a coisa funciona? Um deputado ou senador
destina o dinheiro das “suas” emendas ao Dnocs. Algum órgão do ministério
encaminha os recursos, obrigatoriamente. O dinheiro chega aos cofres do Dnocs
e, nesse caso, parece ter sido usado não para obras, mas para encher o bolso de
políticos e empresários.
Se fosse um caso isolado, já seria grave. Mas
a investigação da CGU descobriu que R$ 5,5 bilhões de emendas foram destinados
a organizações não governamentais. Numa análise por amostra, envolvendo dez
organizações, a CGU verificou que pelo menos cinco entidades não tinham a menor
condição de fazer nada, pareciam de fachada. A mesma investigação encontrou
casos de obras não terminadas ou, pior, que nem começaram, mesmo já tendo
recebido o dinheiro das emendas.
Claro que não se pode generalizar, e há mesmo
pelo menos um ponto a favor do sistema de emendas. O parlamentar está mais
perto das bases de seu estado, de modo que deve conhecer as necessidades da
região. Mesmo assim, e mesmo que todo o dinheiro fosse bem utilizado, restaria
um enorme problema para as finanças públicas.
Do Orçamento da União, 92% vão para despesas
obrigatórias — basicamente, Previdência,
pessoal e benefícios sociais. Com os restantes 8%, o governo federal mantém a
máquina funcionando e investe. São as despesas discricionárias, entre as quais
se incluem as emendas parlamentares, sobre as quais o Executivo não tem
controle.
Segundo dados da Instituição Fiscal
Independente, até setembro de 2024 a despesa discricionária total chegou a R$
153 bilhões. E o gasto com as emendas parlamentares alcançou R$ 45,7 bilhões. O
previsto para este ano todo passa dos R$ 50 bilhões. Em 2020, as emendas
representavam 11,1% dos gastos discricionários. Neste ano, 17%.
O Orçamento da União é uma peça completa,
montada de acordo com a orientação política do governo eleito, visando a
atender as necessidades nacionais. Tem de ser aprovada pelo Congresso, que pode
alterá-la, cortando certas despesas, acrescentando outras. É assim que funciona
nas democracias. O Executivo propõe, o Legislativo aprova. O Congresso,
portanto, já tem o poder sobre o Orçamento.
Mas deputados e senadores querem o que alguns
líderes chamam de “Orçamento do Legislativo” — justamente aqueles R$ 50
bilhões, recursos para ser aplicados por cada parlamentar, conforme seu
interesse político e eleitoral. É inédito o tamanho a que isso chegou. Há o
sistema de emendas em alguns outros países, mas com valores mínimos.
Se não se consegue ao menos diminuir as
emendas — a palavra final nisso é do próprio Congresso —, que ao menos o
dinheiro seja aplicado com transparência e com critérios razoáveis. Que o nome
do “padrinho” e o destino das verbas sejam identificados publicamente. E que o
dinheiro seja liberado mediante a apresentação de um projeto mostrando como o
recurso será aplicado.
É o que consta das regras estipuladas pelo
ministro do STF Flávio
Dino. Que foram mal recebidas no Congresso. O ministro também pediu que as
emendas já pagas, nos últimos anos, fossem identificadas. O Congresso mandou
dizer que, a esta altura, era impossível. Não é de estranhar, portanto, a
bronca do ministro. Assim ele definiu:
— Bilhões de reais do Orçamento da Nação
tiveram origem e destino incertos e não sabidos.
E querem continuar assim?
Artigo didático, esclarecedor.
ResponderExcluirOu seja: enquanto o sujeito está se fodendo, tentando sobreviver em meio à seca, um bando de FDPs se apropriam dos recursos que deveriam ser destinados a melhorar a vida dele, e são públicos. Provavelmente são esses parasitas os envolvidos nos casos de fraudes eleitorais mencionadas na reportagem da Folha.
Okays !
😏