Valor Econômico
Se você se sente confuso em relação a Trump,
não se preocupe: incerteza é a resposta mais racional neste momento
Que raios vai acontecer com a política
econômica dos Estados Unidos quando Donald Trump se tornar presidente do país?
A pergunta já vem gerando preocupações generalizadas. E até os investidores
supostamente mais experientes parecem perdidos quanto à resposta.
Nesta semana, por exemplo, o fundo hedge Bridgewater informou aos clientes que as “nomeações [para cargos] e a retórica” de Trump “até agora parecem sugerir que ele vai tentar pensar grande e remodelar radicalmente as instituições dos EUA, o comércio internacional e a política externa dos EUA”. Ai, ai. Na sequência, contudo, frisou que isso é apenas “um palpite”, já que há “pouca confiança agora na probabilidade dos programas”. Em português claro: tenha um plano B para proteger qualquer aposta financeira que fizer.
Essa incerteza, em parte, é reflexo do estilo
errático de Trump e de seu gosto por arriscar até chegar à iminência do
desastre. Isso, porém, também coloca algo mais em evidência: suas promessas
recentes de política econômica estão repletas de contradições. O único que
resta aos investidores é observar para ver como elas vão se desenrolar, ou não.
Quais são as contradições? A primeira gira em
torno da inflação. Durante a campanha presidencial, Trump criticou o governo
Biden pelo aumento de preços na era da covid-19 e prometeu acabar com a
inflação. Também propôs, contudo, tarifas de 60% sobre a China e de 25% sobre o
México e o Canadá, o que pode “descarrilar” o combate à inflação, como alertou
a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, nesta semana.
Stephen Moore, um assessor de Trump, descarta
essa preocupação. “Trump elevou tarifas em seu primeiro mandato, mas onde
estava a inflação? Não houve nenhuma”, escreveu recentemente. Um argumento
justo. Agora, entretanto, a inflação já está em 2,7%, acima da meta do Federal
Reserve (Fed, banco central dos EUA) e muito mais alta do que em 2016. O
Goldman Sachs projeta que as tarifas poderiam adicionar 1 ponto percentual a
essa taxa - mesmo antes de as deportações de migrantes elevarem os custos
trabalhistas.
A segunda está na questão das taxas de juros.
Nesta semana, Trump prometeu manter Jerome Powell como presidente do Fed.
Antes, contudo, tentou intimidar o “idiota” Powell a reduzir os juros. E Trump
tem incentivos para voltar a tentar, dada a forte alta nos custos do serviço da
dívida. Como alinhar isso com as declarações desafiadoras de Powell sobre a
independência do Fed, ninguém sabe.
Então, temos o dólar. A equipe de Trump
considera o dólar muito sobrevalorizado. Scott Bessent, indicado ao Tesouro,
disse neste ano ao centro de estudos Manhattan Institute que “nos próximos anos
[...] teremos algum tipo de grande reordenação econômica global equivalente a
um novo Bretton Woods”. De fato, Takatoshi Ito, ex-ministro das Finanças do
Japão, nota que “alguns observadores”, ele inclusive, “especulam que [...]
Bessent poderia até defender um encontro especial do G20” para replicar “o
Acordo Plaza de 1985 [de desvalorização do dólar]”.
No entanto, Bessent também disse ao mesmo
Manhattan Institute que cerca de 65% do impacto das tarifas geralmente se
manifesta por meio de valorizações cambiais - de forma que as tarifas
fortaleceriam o dólar. A maioria dos economistas concorda. Vai entender.
Talvez Trump prove que a ortodoxia econômica
está errada. De fato, os mercados já agem como se a "Trumponomics"
estivesse prestes a entregar o Santo Graal de alto crescimento, baixa inflação
e certo controle orçamentário. Se isso acontecer, ficarei fascinada
Isso cria uma quarta incerteza, em torno ao
déficit comercial. A equipe de Trump contou-me que eles rejeitam explicitamente
a ortodoxia econômica de David Ricardo - mais especificamente, a ideia de que
países exportam bens para ganhar dinheiro para pagar as importações e que, se
cada país se especializar em áreas nas quais têm vantagens comparativas, todos
saem ganhando
Em vez disso, assessores de Trump desejam
reduzir o déficit aproveitando o domínio político e comercial dos EUA (via
tarifas), mas também manter os fluxos de capital. Fazer ambas as coisas pode
ser difícil. E qualquer fortalecimento do dólar pode atrair mais, e não menos,
importações, em particular se o crescimento acelerar.
Tudo isso poderia, na verdade, elevar o
déficit, segundo Ken Heydon, que trabalhou em comércio exterior no governo
australiano. Durante o primeiro mandato de Trump, o déficit comercial dos EUA
disparou “para seu nível mais alto desde 2008, aumentando de US$ 481 bilhões
para US$ 679 bilhões”, observa.
Uma sexta questão é o grupo Brics, de Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul. Em novembro, Trump ameaçou sanções contra
esses países caso eles lançassem uma moeda comum em desafio ao dólar. No
entanto, eles não apresentaram nenhum plano sério para tal. Essas ameaças
poderiam sair pela culatra. Como aponta um blog do centro de estudos American
Enterprise Institute, pró-livre mercado: “Por mais improvável que seja o
abandono do dólar, o uso caprichoso, indiscriminado e unilateral do poder dos
EUA [...] poderia, de fato, fazer isso acontecer”.
Por último, mas não menos importante, está o
déficit fiscal. Trump prometeu reduzi-lo de 6,5% para 3% do Produto Interno
Bruto (PIB). No entanto, ele também quer aplicar imensos cortes nos impostos.
Sua equipe sustenta que o buraco será tampado pela aceleração do crescimento,
cortes nos gastos públicos e receitas provenientes das tarifas. No entanto,
“alcançar essas metas simultaneamente será difícil, se não impossível”, mesmo
que ocorram pequenas melhorias fiscais, segundo Tiffany Wilding, economista da
gestora de recursos Pimco.
Talvez Trump desafie os céticos e prove que a
ortodoxia econômica está errada. De fato, os mercados já agem como se esse
fosse o caso - como se a “Trumponomics” estivesse prestes a entregar o Santo
Graal de alto crescimento, baixa inflação e certo controle orçamentário. Se
isso acontecer, ficarei fascinada. No meio-tempo, contudo, essas sete
contradições pairam como grandes nuvens. Portanto, se você se sente confuso em
relação a Trump, não se preocupe: incerteza é a resposta mais racional neste
momento. (Tradução de Sabino Ahumada)
*Gilian Tett é colunista e membro do conselho editorial do Financial Times.
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