O Globo
Diz-se que política monetária tem uma dose de
ciência e uma dose de arte. Sem dúvida
O risco de um ambiente macroeconômico mais
instável e menos saudável, com alta do dólar, da inflação e dos juros, tem sido
há tempos apontado por muitos analistas por conta da gestão das contas
públicas.
Para piorar, assiste-se o recrudescimento no
humor do mercado e nas expectativas de inflação. Não se trata de mera
volatilidade, mas de mudança de patamar dos indicadores.
Esse quadro exigirá maior esforço da política econômica para recuperar a confiança dos agentes econômicos, de modo a fortalecer as “âncoras nominais” da economia, contendo preços, inclusive o câmbio e salários. Explico: se a inflação subiu e pode subir mais, na dúvida, o formador de preços faz mais reajustes. Nesse caso, é necessário um freio de arrumação.
Para muitos, cabe ao BC esse papel. Deveria,
pois, não apenas subir os juros, o que é de fato inevitável, mas fazer um
choque de juros. Não vejo, porém, como saída adequada na atual conjuntura.
Ainda que o papel principal da política
monetária seja entregar a meta de inflação, no atual quadro fiscal, é querer
demais desse instrumento de política econômica. A política monetária não é
substituta perfeita da política fiscal e, como já analisado neste espaço, ela
enfrenta muitos ventos contrários que reduzem sua potência no Brasil.
Como se não bastasse, ao elevar a dívida
pública e piorar seu perfil, a eficácia dos juros altos para conter a inflação
se reduz ainda mais.
O comportamento da cotação do dólar é uma
variável central no quadro atual. Assim sendo, o BC deveria conter sua alta? Há
instrumentos eficazes para isso?
Antes de avançar, vale lembrar que a formação
desse preço não é como a de uma mercadoria comum, em que as condições de oferta
e demanda têm peso preponderante. Sendo o Brasil uma economia pequena, a
cotação do dólar é bastante influenciada pelo próprio ciclo da moeda americana,
que também carrega incertezas.
Isso significa que, com o dólar fortalecido
mundo afora, há limites para os juros altos e a intervenção cambial promoverem
o fortalecimento do real.
Além do ciclo do dólar, ocorrem muitos
descolamentos do real em relação às demais moedas — que têm aumentado. Esses
fenômenos estão associados a mudanças quanto à percepção de risco da economia
brasileira — nem sempre bem capturada pelo chamado risco-país, cujas métricas
usuais são favoravelmente influenciadas pelo fato de o Brasil ter reservas
internacionais superiores ao endividamento externo.
A julgar pelo passado, o grau de compromisso
com a disciplina fiscal é a principal explicação para o descolamento (para o
bem e para o mal) do real.
Em um quadro de elevado risco fiscal, o canal
da política monetária sobre o câmbio fica bem comprometido. Uma estratégia de
choque poderia adicionar mais incertezas ao quadro atual.
Intervenções no mercado cambial, que só se
justificam de forma tópica e quando há disfuncionalidades que alimentam
movimentos de manada, estão longe de salvar a lavoura. Seu impacto é modesto e
muito concentrado no curtíssimo prazo, se tanto.
O BC de Alexandre Tombini fez intervenção
pesada no mercado futuro de dólar entre junho de 2013 e maio de 2015, mas não
colheu os frutos esperados. Talvez tenha contido um pouco a volatilidade, mas
com o custo de erodir a confiança no BC, pois a intervenção foi interpretada
como tentativa de evitar um grande salto na Taxa Selic.
Esforço em vão, pois a Selic atingiu 14,25%.
Possivelmente, só não foi necessário subir mais por conta do freio de arrumação
esperado no governo Temer.
E o choque de juros para conter o dólar? O
efeito poderá ser muito limitado, especialmente em um quadro muito instável e
com elevado risco de perda de capital (em dólar). Além disso, não ocorreria o
devido alívio no dólar ao se realimentar a dinâmica de aumento da dívida
pública.
Cabe ao BC, por outro lado, calibrar a
política monetária conforme surjam sinais de maior repasse do dólar a preços,
cuja materialização ocorre rapidamente, ainda no primeiro trimestre após a
variação do câmbio. Os sinais existem, mas ainda incipientes.
A credibilidade do BC precisa ser construída
com ações coerentes e perseverança na política monetária, ainda que com
movimentos moderados a cada Copom. Não entregando as expectativas do mercado,
mas comunicando e justificando tecnicamente a estratégia adotada.
Diz-se que política monetária tem uma dose de ciência e uma dose de arte. Sem dúvida.
O risco é a política monetária ser guiada pelos humores e principalmente pelos interesses do deus Mercado... Que porta-vozes do divino (como Zeina, Sardenberg e tantos outros) divulgam (e quase sempre DEFENDEM) tão prontamente!
ResponderExcluirLendo e tentando entender.
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