quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Câmbio a 6. Choque de juros? – Zeina Latif

O Globo

Diz-se que política monetária tem uma dose de ciência e uma dose de arte. Sem dúvida

O risco de um ambiente macroeconômico mais instável e menos saudável, com alta do dólar, da inflação e dos juros, tem sido há tempos apontado por muitos analistas por conta da gestão das contas públicas.

Para piorar, assiste-se o recrudescimento no humor do mercado e nas expectativas de inflação. Não se trata de mera volatilidade, mas de mudança de patamar dos indicadores.

Esse quadro exigirá maior esforço da política econômica para recuperar a confiança dos agentes econômicos, de modo a fortalecer as “âncoras nominais” da economia, contendo preços, inclusive o câmbio e salários. Explico: se a inflação subiu e pode subir mais, na dúvida, o formador de preços faz mais reajustes. Nesse caso, é necessário um freio de arrumação.

Para muitos, cabe ao BC esse papel. Deveria, pois, não apenas subir os juros, o que é de fato inevitável, mas fazer um choque de juros. Não vejo, porém, como saída adequada na atual conjuntura.

Ainda que o papel principal da política monetária seja entregar a meta de inflação, no atual quadro fiscal, é querer demais desse instrumento de política econômica. A política monetária não é substituta perfeita da política fiscal e, como já analisado neste espaço, ela enfrenta muitos ventos contrários que reduzem sua potência no Brasil.

Como se não bastasse, ao elevar a dívida pública e piorar seu perfil, a eficácia dos juros altos para conter a inflação se reduz ainda mais.

O comportamento da cotação do dólar é uma variável central no quadro atual. Assim sendo, o BC deveria conter sua alta? Há instrumentos eficazes para isso?

Antes de avançar, vale lembrar que a formação desse preço não é como a de uma mercadoria comum, em que as condições de oferta e demanda têm peso preponderante. Sendo o Brasil uma economia pequena, a cotação do dólar é bastante influenciada pelo próprio ciclo da moeda americana, que também carrega incertezas.

Isso significa que, com o dólar fortalecido mundo afora, há limites para os juros altos e a intervenção cambial promoverem o fortalecimento do real.

Além do ciclo do dólar, ocorrem muitos descolamentos do real em relação às demais moedas — que têm aumentado. Esses fenômenos estão associados a mudanças quanto à percepção de risco da economia brasileira — nem sempre bem capturada pelo chamado risco-país, cujas métricas usuais são favoravelmente influenciadas pelo fato de o Brasil ter reservas internacionais superiores ao endividamento externo.

A julgar pelo passado, o grau de compromisso com a disciplina fiscal é a principal explicação para o descolamento (para o bem e para o mal) do real.

Em um quadro de elevado risco fiscal, o canal da política monetária sobre o câmbio fica bem comprometido. Uma estratégia de choque poderia adicionar mais incertezas ao quadro atual.

Intervenções no mercado cambial, que só se justificam de forma tópica e quando há disfuncionalidades que alimentam movimentos de manada, estão longe de salvar a lavoura. Seu impacto é modesto e muito concentrado no curtíssimo prazo, se tanto.

O BC de Alexandre Tombini fez intervenção pesada no mercado futuro de dólar entre junho de 2013 e maio de 2015, mas não colheu os frutos esperados. Talvez tenha contido um pouco a volatilidade, mas com o custo de erodir a confiança no BC, pois a intervenção foi interpretada como tentativa de evitar um grande salto na Taxa Selic.

Esforço em vão, pois a Selic atingiu 14,25%. Possivelmente, só não foi necessário subir mais por conta do freio de arrumação esperado no governo Temer.

E o choque de juros para conter o dólar? O efeito poderá ser muito limitado, especialmente em um quadro muito instável e com elevado risco de perda de capital (em dólar). Além disso, não ocorreria o devido alívio no dólar ao se realimentar a dinâmica de aumento da dívida pública.

Cabe ao BC, por outro lado, calibrar a política monetária conforme surjam sinais de maior repasse do dólar a preços, cuja materialização ocorre rapidamente, ainda no primeiro trimestre após a variação do câmbio. Os sinais existem, mas ainda incipientes.

A credibilidade do BC precisa ser construída com ações coerentes e perseverança na política monetária, ainda que com movimentos moderados a cada Copom. Não entregando as expectativas do mercado, mas comunicando e justificando tecnicamente a estratégia adotada.

Diz-se que política monetária tem uma dose de ciência e uma dose de arte. Sem dúvida.

2 comentários:

  1. O risco é a política monetária ser guiada pelos humores e principalmente pelos interesses do deus Mercado... Que porta-vozes do divino (como Zeina, Sardenberg e tantos outros) divulgam (e quase sempre DEFENDEM) tão prontamente!

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