Washington Post / O Estado de S. Paulo
As pessoas estão cada vez mais desconfiadas das instituições tradicionais e das elites que as dirigem
A democracia liberal foi marcada por ênfase
em procedimentos, não em resultados
Foi uma semana e tanto em todo o mundo. O
presidente da Coreia do Sul colocou o país sob lei marcial, mas foi rejeitado
pelo Parlamento. Na França, o primeiro-ministro e seu governo receberam um voto
de não confiança pela primeira vez em mais de 60 anos. Esses eventos distintos
têm um tema subjacente comum: uma crise das instituições democráticas.
Aparentemente, a Coreia do Sul é uma incrível história de sucesso. Sua economia cresceu mais de 5% por cinco décadas consecutivas, um recorde igualado apenas por Taiwan. O país hoje é mais rico que o Japão em termos de PIB per capita. Ainda assim, foi abalado por profunda polarização e batalhas políticas.
O pano de fundo para o anúncio da lei marcial
pelo presidente, Yoon Suk Yeol, foi o impasse entre a oposição liberal e o
presidente conservador. A oposição o acusou de usar seus poderes para atacar
oponentes e mídia. Ele acusou a oposição de abusar de seus poderes ao tentar
impugnar membros de seu governo. A disputa deve terminar com seu impeachment.
Na França, a história é diferente, mas rima.
O presidente, Emmanuel Macron, vem tentando promover reformas, muitas das quais
desencadearam intensa oposição. Sua última grande, que aumentou a idade da
aposentaria, só pôde ser promulgada por meio de um procedimento raramente usado
que contornou o Parlamento.
DESCONFIANÇA. Nas últimas eleições, seu
partido centrista foi dizimado, e o Parlamento agora é dominado pela extrema
direita e esquerda. Eles conspiraram para derrubar o primeiro-ministro.
O tema comum é que as pessoas estão cada vez
mais desconfiadas das instituições democráticas tradicionais e das elites que
as dirigem. Em pesquisa de 2023, do Pew Research Center, 85% dos adultos dos
EUA disseram que sentiam raiva ou frustração
em relação ao governo. Esse sentimento em relação às elites governantes não se
limita aos EUA. Partidos tradicionais em todo lugar – da Alemanha ao Japão –
estão sendo atingidos nas pesquisas.
Estamos vivendo em um período de mudança
rápida, o que eu chamei de “era das revoluções” – econômica, tecnológica e
cultural. Velhos padrões estão sendo deixados para trás.
A Coreia do Sul agora enfrenta uma nova era
de crescimento mais lento e declínio demográfico, tudo combinado com maiores
aspirações sociais. A Europa enfrenta uma nova era de ameaças da Rússia,
competição econômica da China e uma
América menos disposta a ser uma líder
generosa.
As pessoas têm notado o declínio da confiança
em muitas sociedades, especialmente nos EUA. Mas, como o escritor Derek
Thompson observou, o que está realmente acontecendo não é apenas um declínio,
mas uma mudança de confiança.
As pessoas perderam a confiança nos médicos e
estão colocando cada vez mais sua confiança em podcasters como Andrew Huberman
e Peter Attia (e até em políticos como Robert F. Kennedy Jr.). Elas perderam a
confiança na mídia tradicional e estão transferindo essa confiança para
jornalistas e comentaristas individuais.
Dezenas de milhões de republicanos perderam a
fé em seu partido e depositaram suas esperanças em um único indivíduo: Donald
Trump. Essa mudança de instituições para indivíduos é possibilitada por novas
tecnologias que permitem que indivíduos tenham o tipo de alcance e influência
que antes era reserva de grandes organizações.
INSTITUIÇÕES. O problema é que a democracia é
sustentada por instituições e procedimentos. Governo por indivíduo é, no fim,
governo por capricho. O Nobel de Economia deste ano foi para estudiosos que
fazem perguntas simples. Por que a maioria dos países não consegue se tornar
rica e bemsucedida? E o que explica os poucos que conseguem? A resposta deles:
instituições fortes.
O punhado de países que conseguiu sair da
pobreza e do mau governo estabeleceu boas e justas instituições e procedimentos
que vão além de qualquer indivíduo. Isso explica por que a Suíça, pobre em
recursos e sem saída para o mar, se tornou um dos países mais ricos do mundo,
enquanto outros países com as mesmas características estão atolados em
disfunção. É por isso que Cingapura, uma barra de areia no Sudeste Asiático,
agora tem uma das maiores rendas médias do mundo.
FALHAS. A democracia liberal foi marcada pela
ênfase em procedimentos, não em resultados. Honramos o processo mesmo quando
não gostamos do resultado. A pressa de obter rapidamente o que queremos, mesmo
com o custo de contornar procedimentos e minar instituições, é profundamente
perigosa. Isso é verdade quando é Trump nomeando fiéis para chefiar
departamentos-chave do governo. E é verdade quando Joe Biden perdoa seu filho
após prometer o que não interferiria no Judiciário.
Se, por frustração com nossos problemas transitórios atuais, desistirmos das instituições duradouras que construíram a democracia liberal, estaremos virando as costas para uma das realizações mais significativas da humanidade na história moderna.
Muito boa a análise. Talvez seja o individualismo exacerbado agora refletido nas escolhas políticas, já que as instituições visam (ou deveriam) o bem comum, coletivo, e cada um está preocupado consigo mesmo, com o curto prazo.
ResponderExcluirPelo menos, dois apontamentos sobre o artigo :
ResponderExcluir• Desconfie de quem diz " em todo mundo "
• Sobre países ricos e pobres, guardados todos os méritos de " Por que as nações fracassam ", sugiro outro enfoque do mesmo problema em " Como os países ficaram ricos... E por que os países pobres continuam pobres ", de Erik Reinert
Como em quase tudo que se relaciona à construção ou análise de nós mesmos e nossas sociedades, há outros pontos questionáveis na coluna, mas okays.
👍🏻