Gramsci e o Brasil
O advogado e jornalista Marco Antônio Tavares
Coelho, nascido em Belo Horizonte, em 1926, é o único remanescente da cúpula do
PCB em 1964, quando houve o golpe militar que destituiu João Goulart. Era
deputado federal pelo estado da Guanabara. Teve o mandato cassado, logo após o
golpe; foi preso e barbaramente torturado pelos militares em 1975. Nesta
entrevista ao Correio, conta que o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos
Prestes, defendia a reeleição do presidente João Goulart e rejeitava a volta ao
poder do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que considera um erro. Revela
também que tentou organizar uma resistência armada ao golpe, mas as
metralhadoras e os fuzis prometidos por Darcy Ribeiro, chefe de gabinete de
Jango, nunca chegaram. "A saída foi cair na clandestinidade e reorganizar
o partido, que, naquele momento, ficou desorientado." (Entrevista dada
a Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense, sexta-feira, 28 de março de
2014)
O golpe de 1964 era inevitável?
Não concordo, o golpe poderia ter sido evitado. Mas, para isso, as forças
progressistas deveriam ter outro comportamento. Algumas coisas facilitaram o
golpe, embora nada o justifique ou o legitime.
Quais foram as causas do golpe?
Foram várias. Em primeiro lugar, é necessário que se leve em conta que a
reação, desde a jogada em que quiseram impedir a posse do presidente João
Goulart, em 1962, vinha sendo derrotada. Os ministros militares que lançaram o
protesto contra a posse do Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, foram
obrigados a recuar. Eles nunca se conformaram e se articularam para dar o
golpe.
Havia uma situação de radicalização política e crise econômica na época. Por
que eles destituíram o presidente Jango?
Naquele momento, havia uma grande campanha das forças progressistas pelas
reformas de base, substanciais para enfrentar a crise econômica, mas elas eram
consideradas subversivas. Não eram. Por exemplo, a questão da reforma agrária.
O San Tiago Dantas e eu preparávamos um projeto de reforma agrária que não
violasse as normas constitucionais, mas havia setores que queriam uma reforma
mais radical. O Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, lançou um
movimento cujo slogan era "Reforma agrária na lei ou na marra". Era
uma dualidade que nós, do PCB, não queríamos aceitar. Houve outros erros das
forças progressistas, que precipitaram os acontecimentos.
A sucessão de Jango em 1965, por exemplo?
Realmente, estava em curso a discussão sobre a sucessão presidencial. Em 3 de
janeiro de 1964, o Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, deu uma
declaração de que o candidato deveria ser o próprio presidente Jango, que não
poderia ser candidato. Por cima de todo mundo, lançou essa proposta num
programa de televisão, mas isso não era constitucional. Dentro do próprio
partido, havia camaradas que não concordavam com a candidatura de Juscelino
Kubitschek, que o PSD estava articulando. Se nós tivéssemos recuado e apoiado a
candidatura do Juscelino, o golpe seria evitado.
O PCB estava preparando um golpe?
Havia elementos no partido que pensavam dessa forma. O grosso do partido,
porém, estava lutando pela legalidade, esse era o nosso problema fundamental.
Declarações como essa, de que não seria possível a candidatura de Juscelino,
porque seria um retrocesso político, estimularam os golpistas. Por causa disso,
o PSD passou a fazer oposição ao governo Jango.
O que aconteceu em 31 de março?
Fui acordado com uma informação de Belo Horizonte, de que a 4ª Região Militar
havia se levantado. Em vez de ir para a Câmara, fui para o centro de
comunicações do Exército. Lá, recebi informações de que muitos elementos
estavam aceitando o golpe, inclusive no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.
De lá, segui para uma reunião do secretariado do Comitê Central, na Rua Álvaro
Alvim (na Cinelândia, Rio de Janeiro), da qual participaram Prestes, Giocondo
Dias e Dinarco Reis, todos ex-militares. Nessa época, Carlos Marighella já não
fazia parte do secretariado e fazia agitação lateral.
O que foi discutido?
Na reunião, informei que havia me encontrado com o tenente-coronel Joaquim
Inácio Baptista Cardoso, que era comandante da Divisão Blindada do Rio de
Janeiro. Ele me contou que acabara de ser solto. Nós sabíamos que quem poderia
resolver as coisas era essa divisão. Ele havia sido preso pelos golpistas e
destituído do comando de sua tropa, a situação já era irreversível. Prestes
propôs que eu fosse me encontrar com o Jango, o que só aconteceu no dia
seguinte, em Brasília, com a recomendação de que seria indispensável a demissão
do general Amaury Kruel do comando do II Exército. O Jango falou:
"Bobagem, ele é muito amigo, acabei de nomear o filho dele representante
do Loyd Brasileiro em Nova Orleans, nos EUA". Fiquei calado, mas nunca
mais me esqueci disso. Kruel aderiu ao golpe.
Por que não houve resistência?
Depois de comunicar à direção a resposta de Jango, dirigi-me ao Hotel Nacional
para uma reunião com dirigentes e sindicalistas do partido aqui de Brasília,
cujo objetivo era preparar a resistência armada ao golpe. O Darcy Ribeiro, que
era o chefe de gabinete de Jango e um velho amigo, havia se comprometido a me
entregar fuzis e metralhadoras e até me passou uma lista de políticos da UDN e
ministros do Tribunal de Justiça que deveriam ser presos. Walter Ribeiro, um
dos nossos camaradas do Comitê Central assassinado pela ditadura, era
ex-tenente do Exército e orientava os preparativos. Mas não houve distribuição
de armas. O grosso do Exército em Brasília já apoiava o golpe de Estado.
Depois que o Jango resolveu ir para o Rio Grande do Sul, em 1º de abril, o
senhor foi para onde?
Nós esperávamos que ele resistisse no Rio Grande do Sul. Pretendíamos ir para
Trombas e Formoso, em Goiás, onde havia uma guerrilha de camponeses. Mas, como
não tínhamos armas, achamos melhor cair na clandestinidade. Alguns colegas da
Câmara resolveram pedir asilo nas embaixadas. Alguns foram presos, como Julião.
Meu apartamento já havia sido invadido. Mas eu tinha experiência de luta
clandestina, decidi ir para São Paulo, por Belo Horizonte e Paracatu, com ajuda
da família. Lá, me encontrei com Giocondo Dias e começamos o trabalho de
reorganização do partido. Essa clandestinidade durou até 14 de janeiro de 1975,
quando fui sequestrado e preso pelo Exército, no Rio de Janeiro.
O senhor foi muito torturado?
Só não fui assassinado como outros companheiros que viviam isolados na
clandestinidade porque tinha um compromisso familiar. Pretendia jantar com
minha mulher e meu filho, na casa de Helena Besserman, em 16 de janeiro,
aniversário do Marquinhos (o jornalista Marco Antônio Tavares Coelho Filho).
Teresa sabia que eu só não apareceria se estivesse preso e, por isso, quando
não apareci, houve uma mobilização de parentes e amigos para denunciar o meu
sequestro e me localizar. Informado, o senador Pedro Simon (MDB-RS) denunciou
minha prisão no Senado. Eu era um ex-deputado como Rubem Paiva, que já havia
sido assassinado. Quando fui transferido para a Rua Tutoia, em São Paulo, o
cardeal Evaristo Arns soube do meu caso e foi lá me visitar. Não puderam me
matar.
Cerco e aniquilamento
Após vitória do MDB nas eleições de 1974 - elegeu 16 dos 21 novos
representantes dos estados no Senado, entre eles Itamar Franco (MG), Orestes
Quércia (SP), Iris Rezende (GO), Mauro Benevides (CE), Paulo Brossard (RS) e
José Richa (PR) -, a cúpula do PCB ficou eufórica. "O Orlando Bonfim havia
viajado para o exterior e eu escrevi o editorial da Voz Operária que
recomendava apertar o cerco contra a ditadura, quando a hora era de
recuar. Eles é que apertaram o cerco para nos aniquilar", conta Marco
Antônio Tavares Coelho. No mês seguinte, ele foi preso, numa operação na qual
também "caíram" as gráficas do PCB.
Uma delas, em São Paulo, foi montada pelo ex-deputado comunista, com US$ 5 mil
que recebera do ex-presidente João Goulart, no Uruguai, onde foi visitá-lo três
meses após o golpe, em nome do PCB, para ajudar a demover o ex-governador
Leonel Brizola de tentar invadir o Rio Grande do Sul pela fronteira.
"Seríamos massacrados." Nessa gráfica, era impresso o
clandestino Notícias censuradas, com a colaboração do jornalista Milton
Coelho da Graça, que recolhia as matérias que haviam sido proibidas pelos
militares nas redações do Rio de Janeiro e de São Paulo.
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