Folha de S. Paulo
Falas contra a responsabilidade fiscal não
criaram o problema, mas dificultam a solução
Até quando Lula vai
brigar com "o mercado"? Diz-se que o mercado —ou seja, os investidores profissionais—
é contra o presidente. Pode até ser. Óbvio que não se trata de profissionais
fazendo apostas ruins intencionalmente para derrubar o governo; esse tipo de
discurso beira a insanidade. Mas não me parece absurdo ver uma sensibilidade
maior do mercado com Lula do que com outros atores.
Quando o Congresso aprova a prorrogação de isenção fiscal a vários setores econômicos, não me consta que os investidores tenham reagido com a mesma sensibilidade com que reagem a uma tirada do presidente.
Mesmo aceitando, contudo, que haja um certo
viés anti-Lula (se justificado ou não, é outra história) no comportamento do
mercado financeiro, isso em nada muda um ponto que a essa altura já deveria ser
óbvio: as reações de Lula só pioram a situação. Não foram falas contra a
responsabilidade fiscal ou contra a política monetária que criaram o problema;
mas elas dificultam a solução.
Se o mercado já desconfia dele, alimentar
essa desconfiança é tudo que ele não devia fazer. Digamos que ele consiga
promover a indignação moral de parte da opinião pública com o funcionamento do
mercado financeiro. O que melhora? Nada. Pelo contrário, o ambiente político se
torna ainda mais arriscado para quem quer investir.
O governo quer, afinal, o dinheiro do
mercado? Sim, porque suas contas não fecham, são deficitárias. E o mercado quer
uma coisa: ganhar dinheiro. Não é virtuoso, mas também não é necessariamente
mau. De nada adianta acusar a falta de consciência social, assim como de nada
adiantou a Bolsonaro pedir
"patriotismo" ao mercado em 2020.
Neste momento, com economia aquecida, somos
lembrados do grande entrave do desenvolvimento nacional: a baixa produtividade.
Com a dificuldade de aumentar a oferta, o crescimento logo se traduz em inflação.
Para combater a inflação, o BC aumenta
os juros. Com juros mais
altos, aumenta o endividamento do Estado. Com mais endividamento, um problema
fiscal que parecia ainda distante é trazido para perto.
Aos trancos e barrancos, algo tem sido feito
para melhorar nossa produtividade: reforma
tributária, acordo com a UE,
Pé-de-meia e ensino integral para aumentar educação básica,
programas de investimento em infraestrutura. Mas a outra ponta continua solta:
não se vê um compromisso fiscal claro.
Pode errar, mas também está sempre tentando
descobrir erros e se corrigir. Ninguém vai investir para perder dinheiro. Os
credores do Estado brasileiro são todos aqueles que têm dinheiro poupado em
bancos públicos ou privados, além dos fundos de pensão. Você está disposto a
abrir mão dos ganhos de sua aplicação para ajudar o governo Lula?
Se Lula quer mais gente investindo no real e
emprestando ao governo, precisa mostrar que temos condições e disposição de
honrar esses empréstimos no futuro. Se, pelo contrário, o governo der a
entender que honrar esses compromissos não é uma prioridade —que talvez o
correto seja brigar para que o Banco Central baixe os juros mesmo com inflação
em alta—, então também não terá do que reclamar quando os investidores
decidirem não mais apostar no país. O mercado não é Papai Noel.
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