Valor Econômico
Parece que os instrumentos usados pelo governo para debelar a crise não estão funcionando como o esperado
No jogo eletrônico Minecraft existe uma
dimensão chamada “Mundo do End”. Lá, não há dia nem noite. Relógios e bússolas
não funcionam. Para sair desse mundo, é preciso derrotar um dragão.
Parece que é para lá que estamos indo, a
julgar pelo comportamento do dólar na manhã desta terça-feira: atingiu a máxima
histórica de R$ 6,20, apesar de o Banco Central haver despejado US$ 1,272
bilhão no mercado. Uma segunda intervenção, de US$ 2,015 bilhões, colocou a
cotação na casa de US$ 6,07.
A pancada que o Comitê de Política Monetária
(Copom) deu nos juros na semana passada e a ata igualmente dura divulgada ontem
não conseguiram conter a alta da moeda norte-americana.
Parece que os instrumentos usados pelo governo para debelar a crise, na forma de mais juros e leilões de dólar, não estão funcionando como o esperado. Motivo apontado por agentes de mercado: incerteza quanto ao futuro da dívida pública brasileira.
Assim, a pergunta que surge é se estamos em
um quadro de dominância fiscal. Segundo descreve Pedro Jucá Maciel,
ex-subsecretário do Tesouro Nacional em um texto intitulado “O Copom e a
Dominância Fiscal”, é um quadro em que a política monetária (subida ou queda
dos juros) não consegue mais reduzir a inflação pelos canais tradicionais
(impactos no crédito, no câmbio e nas expectativas).
“Em uma situação na qual o nível de
endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não
estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de
default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao
investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão
inflacionária”, explica. “Nessa circunstância, a política fiscal (e não a
política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio
da redução das despesas públicas.”
Um trabalho de Olivier Blanchard, do Fundo
Monetário Internacional (FMI), diz que o Brasil viveu esse quadro em meio às
incertezas eleitorais de 2002-2003. Na época, a perspectiva de eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva colocou o mercado em polvorosa. A coisa acalmou quando
veio um ajuste fiscal rigoroso.
“Estamos rapidamente caminhando para isso
[dominância fiscal]”, comenta o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
“O BC [Banco Central] está sinalizando agressividade na política monetária, mas
não está adiantando do ponto de vista de expectativa cambial e inflacionária.”
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco
Inter, vê o país “praticamente” em um cenário de dominância fiscal. “Tem como
reverter, mas o governo parece que ainda não entendeu a gravidade da crise de
confiança”, acrescenta.
“Acho que estamos na trajetória de entrarmos
em dominância, mas ainda não nela especificamente”, concorda o economista-chefe
da AZ Quest, Alexandre Manoel.
Fernando Montero, economista-chefe da Tullett
Prebon Brasil, acha que a dominância está “muito distante”, mas vê um “cabo de
guerra” entre a economia com bons resultados e a política fiscal decepcionante.
Um choque fiscal, diz, teria poupado o país do choque monetário decidido pelo
Copom.
Na visão de Vale, há grande chance de o
cenário negativo se consolidar ainda no atual mandato de Lula. “Dado que o
governo não entendeu o risco fiscal que vivemos hoje, há grande chance de
entrarmos em dominância nos próximos dois anos.” Assim, haverá grande
expectativa para um ajuste fiscal “agressivo” em 2027, avalia.
Se o atual quadro não for desmontado,
dificilmente haverá boas notícias na economia daqui até as eleições de 2026.
A alta de um ponto na taxa de juros básica da
economia e a indicação de que virão mais dois aumentos na mesma magnitude
colocam os juros em 14,25% no ano que vem. “O resultado líquido dessa elevação
da Selic quer dizer necessariamente uma recessão”, afirmou o economista André
Perfeito.
A ata da reunião do Copom não vai tão longe,
mas deixa claro que vem aí um tranco, ao registrar que “desacelerações são
parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia”.
“Minha esperança é que a economia embalada
pela demanda e massa salarial em alta tenha quantidade de movimento suficiente
para subir a ladeira da curva de juros, que está mais inclinada”, diz Perfeito.
Montero também chama a atenção para o bom
estado da economia brasileira. É, na sua leitura, o que diferencia o terceiro
mandato de Lula da era Dilma Rousseff. Embora haja uma preocupante semelhança
nas trajetórias das contas públicas, a economia privada surpreende pelo bom
desempenho, pontua. Por esse motivo, ele considera descabidas as comparações
que já começam a ser feitas.
Há no mercado quem avalie que os 14,25% já
sinalizados pelo Copom são piso para os juros no ano que vem. Eis o cenário que
aguarda o início do mandato do “menino de ouro” Gabriel Galípolo à frente do
Banco Central. Se o Lula realmente acha que os juros são a única coisa fora do
lugar na economia, seu humor vai piorar. Mas esse pode nem ser o maior de seus
problemas.
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